"Estamos perdendo o planeta", diz diretor do Greenpeace em entrevista

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16 Mai 2012

O movimento ambientalista está perdendo o ímpeto, e governos de todo o mundo ignoram sua responsabilidade de desacelerar a mudança climática. O diretor do Greenpeace, Kumi Naidoo, porém, continua otimista. Nesta entrevista, ele explica sua nova visão de um mundo sustentável --e como o papa pode ajudar.

A entrevista é de Stefan Schultz, publicada no Der Spiegel e reproduzida pelo Portal Uol , 12-05-2012.

Políticos e líderes empresariais gostam de falar sobre a nova era da economia verde. Mas, na realidade, a exploração da natureza está aumentando. O Congresso brasileiro tenta enfraquecer as leis que protegem a floresta tropical. Na conferência do clima em Durban, na África do Sul, não se conseguiu chegar a um acordo sobre a limitação das emissões de CO2. E nas economias em desenvolvimento, como China e Índia, dezenas de novas usinas energéticas movidas a carvão estão em obras.

Um governo após o outro evita sua responsabilidade quando se trata de combater a mudança climática. Enquanto isso, ativistas ambientais em todo o mundo se mostraram incapazes de reverter ou mesmo desacelerar a tendência. De fato, o movimento verde parece ter perdido o ímpeto. Agora o diretor do Greenpeace, Kumi Naidoo, começou a seguir uma nova estratégia. Ele está mudando o enfoque de sua organização para o mundo em desenvolvimento, ligando a luta contra o aquecimento global à luta contra a pobreza. E também aumentando a cooperação do Greenpeace com grandes empresas.

Críticos acusaram Naidoo de enfraquecer a marca Greenpeace. "Spiegel Online" encontrou Naidoo no Simpósio St. Gallen, na cidade suíça do mesmo nome. Na entrevista, ele defendeu o Greenpeace da acusação de que se tornou mole demais.

Eis a entrevista.

Senhor Naidoo, o Greenpeace parece impotente em sua luta para proteger o meio ambiente. O planeta já está perdido?

Para milhões de pessoas, especialmente na África, já é tarde demais. Elas já estão sentindo o impacto da mudança climática, o que não quer dizer que através da adaptação e mitigação elas e o resto do mundo não possam evitar as piores consequências ou aliviar o sofrimento. Mas precisamos agir agora e começar a fazer tudo o que pudermos para proteger o clima. Definitivamente não estamos impotentes, mas precisamos de apoio. Outros interesses --como o lobby do petróleo-- têm acesso a recursos financeiros imensamente maiores que nós, e é contra isso que lutamos.

Qual foi seu êxito mais recente?

Temos muitos, mas um grande exemplo de nosso trabalho recente foi convencer a Nestlé a parar de cooperar com o produtor de óleo de palmeira indonésio Sinar Mas. Essa companhia destrói grandes áreas de floresta tropical para abrir espaço para suas plantações, e uma grande parte de nosso trabalho é incentivar as empresas a praticar a responsabilidade ecológica.

Quando se trata de questões em grande escala, vocês não tiveram tanto sucesso. Projetos de risco para produção de energia, como fraturamento hidráulico ou perfuração de petróleo em águas profundas, estão aumentando. A produção global de CO2 continua aumentando.

Infelizmente é verdade: estamos vencendo importantes batalhas estratégicas. Mas estamos perdendo o planeta.

Como vocês pretendem mudar isso?

Precisamos mudar a narrativa da proteção climática e criar uma sensação de esperança --porque existe esperança. Queremos ser autodeterminados e conter o impacto da mudança climática agora? Ou queremos esperar até que ela nos derrote? Será necessário um outro tipo de pensamento proativo para chegar lá, e acredito que somos capazes dessa mudança.

Até agora, esses cenários apocalípticos não serviram muito para mudar a opinião pública. Um reator nuclear explodiu no Japão, um desastre em um poço de petróleo no golfo do México resultou no mais desastroso vazamento da história dos EUA. A maioria dos países, porém, não se mexeu para abandonar essas tecnologias.

Somos viciados em energia suja, é verdade. E é um vício, que como todos os vícios pode ser curado. Mas não é fácil. Talvez o que nos desperte é o fato de que estamos falando sobre um aumento dramático de eventos climáticos catastróficos: sobre o país de Kiribati, que está lentamente afundando no oceano devido à elevação dos níveis do mar; sobre a falta de água e o colapso de sistemas agrícolas em alguns países; sobre milhões de refugiados climáticos na África que estarão rumando para a Europa; sobre danos econômicos, sociais e ecológicos devastadores que podem ser evitados. Nossos líderes são grandes perdedores. Enquanto deveriam estar cuidando dos interesses de seus cidadãos, estão fazendo negócios com grandes empresas --e assim aceitando a catástrofe com os olhos bem abertos...

...mas os críticos acusam o Greenpeace de não fazer nada para evitar isso. Vocês não conseguiram mudar o discurso público sobre a proteção climática. E agora querem combater a pobreza. Não estão perdendo ainda mais impacto com uma abordagem tão ampla?

A luta contra a mudança climática e a luta contra a pobreza são dois lados da mesma moeda. A mudança climática destrói o ganha-pão de milhões de pessoas, tornando-as ainda mais pobres. As soluções para a mudança climática, como sistemas de energia renovável descentralizados, também fazem parte da maneira de tirar as pessoas da pobreza.

Por outro lado, tecnologias energéticas perigosas podem reforçar as economias. Angola está experimentando um sucesso graças à perfuração de petróleo em alto-mar. Como se pode convencer o governo de um país como esse de que deve parar a produção para proteger o meio ambiente?

A renda dessas indústrias flui quase totalmente para as mãos de uma pequena elite política corrupta, por isso sim, algumas pessoas estão vivendo um êxito. Mas a expressão "de risco" aqui é mais pertinente. Com o crescimento avassalador da energia renovável em todo o mundo, os vazamentos de petróleo e desastres nucleares, essas indústrias não são investimentos estáveis em longo prazo. Esse tipo de energia se baseia em um modelo empresarial ultrapassado --e não apenas por causa do impacto ambiental. Angola e outros países africanos têm um enorme potencial para gerar crescimento renovável, e as nações emergentes devem aprender com os fracassos do desenvolvimento econômico ocidental. Evitar as tecnologias de energia suja do Ocidente é um passo importante nesse processo.

Como?

Podemos fazer isso com a ajuda da religião. Idealmente, o papa deveria perguntar às pessoas: "Vocês realmente acham que Deus enterraria o petróleo e o carvão para ser extraídos como a única opção de produção de energia?" Existem outras fontes de energia suficientes que são muito mais fáceis de colher: o sol, o vento e a água, para citar apenas três. Quando você vê os danos e a destruição que precisam ocorrer para extrair energia suja, eu penso que um ser humano reconhece instintivamente que é errado.

O Greenpeace está cada vez mais assessorando grandes empresas sobre questões ambientalistas. Essa estratégia não é semelhante a dormir com o inimigo?

Não. Seria um erro tático não assessorar essas companhias ou evitar trabalhar com elas. Nós aprovamos esses relacionamentos. Cada aliado para a proteção do meio ambiente é importante. Somos mais capazes de alcançar nossos objetivos em parceria do que em oposição. E cada vez mais são as companhias que nos procuram. Elas pretendem evitar que façamos campanhas contra elas. O Greenpeace há muito tempo mantém uma posição de não ter aliados ou inimigos permanentes: mantemos uma posição neutra.

Ou as companhias usam vocês na tentativa de parecer mais amigas do meio ambiente?

Às vezes, mas, com o tempo, e nesse mundo on-line transparente, essas empresas com frequência são expostas, suas verdadeiras cores se revelam. Na realidade, muitos líderes empresariais com quem eu falo estão me dizendo: "Nós gostaríamos de tornar a companhia mais sustentável". Mas eles são apanhados no círculo vicioso dos relatórios trimestrais. Se o ambientalismo afetar negativamente o balanço de uma empresa, vai assustar os investidores. Nós ajudamos a dar aos diretores argumentos contra essa falácia.

A hierarquia do Greenpeace é muito rígida, com muito poucos determinando a estratégia. A estrutura da organização ainda tem a tarefa de mudar as mentes?

O ambiente de comunicações nunca foi melhor para organizações como o Greenpeace. Somos altamente ativos na mídia social e temos considerável sucesso mobilizando grandes grupos de apoiadores e conquistando novos. Graças ao YouTube e ao Facebook, pudemos ativar centenas de milhares de pessoas para nossa campanha contra a cooperação da Nestlé com a Sinar Mas.

Sim, mas essa foi apenas uma campanha. Vocês não precisam de outras estratégias também? Para mudar o sistema, vocês precisam mudar as pessoas primeiro.

É bem verdade. Mas seria um erro negligenciar as campanhas ou a mídia tradicional como a TV ou o rádio nesta altura. Na maior parte do tempo ainda geramos mais impacto através desses canais. Mas é possível que a mídia social se torne cada vez mais importante em nossa estratégia.

O que o Greenpeace precisa mudar?

Nossa abordagem geral das campanhas está mudando. O que as organizações ambientalistas perceberam é que as mensagens de "diga não" não funcionam mais como antes. As pessoas se desligam rapidamente disso. Precisamos criar visões inspiradoras do mundo em que gostaríamos de viver, não os cenários apocalípticos a que você se referiu antes. E isso está acontecendo. Estamos trabalhando em uma campanha para a Energy Revolution neste momento --nossa visão, apoiada pela ciência certa, de um futuro energético renovável. Vamos comemorar o sucesso assim como os desafios. Isso é muito diferente do tipo de mensagem que promovemos no passado.

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