''Novos ateus'': oportunidade ou desafio?

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02 Abril 2012

O sucesso dos "novos ateus" nasceu de um déficit de capacidade apologética da teologia contemporânea? O desafio que os "novos ateus" apresentam ao pensamento crente não deve, talvez paradoxalmente, ser saudado favoravelmente? Em suma, citando o editorial da última edição da revista Credere Oggi, é preciso mudar de perspectiva: "O novo ateísmo é um desafio, mas, ao mesmo tempo, uma oportunidade propícia para purificar as imagens correntes de Deus, colocando-as em confronto com o único e definitivo modelo que nos vem da revelação: Jesus Cristo".

A reportagem é de Lorenzo Fazzini, publicada no jornal Avvenire, dos bispos italianos, 30-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A provocação da revista bimestral dirigida por Ugo Sartorio já está no título da contribuição que abre o fascículo dedicado ao "Novo ateísmo e fé em Deus" (www.credereoggi.it): "O novo ateísmo: desafio ou kairós para os cristãos?".

E não faltam outras vozes teológicas que, sem dar desconto a uma certa aproximação teofilosófica ao novo ateísmo, entreveem nele as provocações benéficas para o ato de crer. E, ao contrário, encontram em certas posições "espirituais" e "neognósticas" maiores riscos do que nas posições dos negadores de Deus, o "quadrilátero" Hitchens-Dawkins-Dennett-Onfray.

"Ao longo do século XX, a teologia católica tomou distância das tentativas de demonstrar a existência de Deus elaboradas pela apologética dos séculos XIX e XX. Sob certos aspectos, essa mudança foi positiva: a velha apologética era muito condicionada pelo positivismo e não assumia suficientemente o valor convincente da própria fé. Mas é possível que tenha se exagerado no sentido contrário: hoje, os ateus se lamentam que os crentes não se dedicam o suficiente para responder às suas perguntas".

A opinião, bastante dura, é de alguém que entende do assunto: Mons. Charles Morerod, dominicano suíço, novo bispo de Lausanne-Genebra-Friburgo, teólogo de valor: ele foi secretário da Comissão Teológica Internacional, braço direito do cardeal George Cottier, teólogo da Casa Pontifícia. A opinião de Morerod vem da revista francesa Sedes Sapientiae, em uma contribuição dedicada à relação entre "São Tomás de Aquino e o ateísmo contemporâneo", no qual – surpresa! – o prelado reavalia as críticas de Paolo Flores d'Arcais (o de 2000, que dedicou uma ótima edição da revista MicroMega à questão-Deus, com muito debate público com o então cardeal Joseph Ratzinger): "Flores d'Arcais acusa os católicos de não se interessarem realmente pela questão de Deus".

Segundo Morerod, que parece concordar com o diretor da MicroMega, "a partir do momento em que os católicos renunciam de qualquer tentativa de argumentação para se refugiar na pura fé, eles renunciam totalmente a qualquer diálogo com os não crentes. [...] Hoje, os ateus se lamentam que os crentes não se preocupam em responder às suas perguntas".

E Morerod põe sobre a mesa algumas questões concretas que o novo ateísmo repropõe para a teologia: o materialismo, a origem e a ordem do universo, o mal, o papel do desejo na fé... Portanto, é hora de levar a sério os novos ateus.

Andrea Toniolo, reitor da Faculdade Teológica de Triveneto, relança na Credere Oggi aquela "purificação, sempre necessária, da religião vivida", solicitada fortemente por Bento XVI em Assis em outubro passado: "A gênese do ateísmo contemporâneo – escreve o teólogo de Pádua – não é somente externa, mas também interno à religião e depende da imagem de Deus e da fé que uma tradição religiosa veicula".

E se o Papa Ratzinger já atribuiu aos "agnósticos em busca" um status de maior proximidade com Deus do que os "crentes de rotina", há quem vá além: "Os cristãos (e as Igrejas) devem, em alguma medida, ser considerados responsáveis pelo 'novo ateísmo'". Francesco Ghedini, professor de filosofia do ISSR de Pádua, acrescenta: "Os cristãos são responsáveis por ele se não se comprometem a compreender o tempo em que vivem, a entender as suas renovadas dinâmicas existenciais e comunicativas. Uma compreensão que implica, no espírito da Gaudium et Spes, uma aceitação de fundo, uma partilha simpática que afirme a acolhida das pessoas com quem nos encontramos".

Mas há mais: algumas notáveis vozes teológicas não veem nos neoateus o perigo mais premente para a fé. Ao contrário, as "espiritualidades sem Deus" de pensadores como André Comte-Sponville e de Luc Ferry, ou ainda o pensamento neognóstico atual são os verdadeiros atentados atuais contra o cristianismo na sua essência de proposta de verdade.

Essa convicção, respectivamente, é do teólogo belga Jean-Marie Verlinde (o Avvenire já abordou há algum tempo o seu livro autobiográfico Da Cristo al guru, andata e ritorno, Ed. Pauline) e Giandomenico Mucci, jesuíta escritor da La Civiltà Cattolica. Na prestigiada Nouvelle Revue Théologique de Bruxelas, Verlinde pontualiza: "O ateu contemporâneo não tenta mais tomar o lugar de um Deus inexistente. O problema mudou. Um filósofo como Comte-Sponville se propõe a construir 'uma sabedoria para os nossos tempos' baseada em uma 'metafísica materialista, em uma ética humanista e em uma espiritualidade sem Deus'"

Analisando o pensamento do pensador e ex-ministro da Cultura, Ferry, Verlinde conclui com um dado que faz refletir: "Essa espiritualidade sem Deus nos leva a espiritualidades sem sujeito pessoal. A pessoa humana paga o preço da abolição de Deus Negar o Interlocutor primeiro, original, leva a privar o ser humano das condições da sua humanização integral, ou seja, o acesso ao seu status de sujeito pessoal, criado capax Dei (Santo Agostinho)".

Por sua parte, o Pe. Mucci, ainda na Credere Oggi, volta os holofotes (citando um diálogo entre João Paulo II e Luigi Giussani) para a neognose, da qual eles são exemplos concretos: Paolo Rossi e Salvador de Madariaga. Um desvio que Mucci considera muito mais inimigo do cristianismo do que o Novo Ateísmo: "O fenômeno neognóstico é de tal porte e periculosidade que coloca em segunda ordem a gravidade do ateísmo entendido no sentido clássico, e até mesmo nas suas expressões mais radicais e berrante. Hoje, a cultura dominante está comprometida em instaurar uma super-religião tranversal, um humanismo ético e espiritualista, de modo pacífico e subterrâneo, que não anula as culturas, as hierarquias, e aspira a se encarnar nelas".

Vem à mente o famoso romance de Robert H. Benson, Il padrone del mondo (Jaca Books), em que uma religião humanista sem Deus é proposta como solução para os males do mundo. É quase de chorar a provocativa dureza do neoateu Richard Dawkins que, em seu livro “Deus, um delírio”, pedia um novo pensar cristão: "Se a religião sutil e refinada de Tillich e Bonhoeffer predominasse, o mundo certamente seria um lugar melhor, e eu teria escrito um outro livro".

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