''Escândalo da pedofilia escreveu o réquiem do catolicismo da Holanda''

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04 Janeiro 2012

Além do luto pelas vítimas, as revelações sobre os abusos sexuais clericais na Holanda também se tornaram um réquiem, lamentando a perda de sonhos tão favorecidos por católicos como eu nos distantes dias da nossa juventude.

A análise é de Mathew N. Schmalz, professor associado de estudos da religião e diretor do College Honors Program do College of the Holy Cross em Worcester, Massachusetts, EUA. É articulista do On Faith, espaço de debate online sobre a religião promovido pelo jornal Washington Post e pela revista Newsweek.

O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 20-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

No dia 16 de dezembro, o arcebispo de Utrecht, Wim Eijk (foto), promoveu uma coletiva de imprensa para pedir desculpas pelo abuso de dezenas de milhares de crianças em instituições católicos dos Países Baixos. O abuso foi documentado em um relatório que abrangeu o período de 1945 em diante. Como a história é agora familiar, o relatório mereceu menções, mas pouca atenção sustentada.

Mas, para alguns católicos da minha geração, a coletiva de imprensa foi uma coda musical, uma espécie de réquiem. Nos anos 1970, o catolicismo holandês representava um catolicismo aberto e engajado. Encarnava uma visão do que o catolicismo poderia se tornar no rastro das reformas do Concílio Vaticano II.

Por mais de uma década depois de sua publicação em 1966, aquele que foi chamado Catecismo Holandês foi considerado necessário para a leitura de jovens católicos determinados, na tentativa de dar sentido à sua fé e aos seus compromissos intelectuais. Lembro-me de como o texto era acessível, especialmente em comparação com os tradicionais materiais catequéticos dos meus dias de infância. Lembro-me também de como o Catecismo Holandês inspirou discussões abertas e sinceras sobre a Bíblia e a sua historicidade, a relação do catolicismo com as outras religiões, assim como sobre o objetivo e sentido últimos da vida humana. Era um texto que permitia que fiéis, agnósticos e ateus se sentassem juntos e compartilhassem honestamente as suas esperanças, sonhos e questões.

Quando meus pais me deram o Catecismo Holandês como presente de aniversário no final dos anos 1970, eu não tinha ideia que o texto tinha evocado tal controvérsia. Alguns bispos dos Estados Unidos haviam retirado o seu apoio a ele, o Vaticano tinha pedido revisões e esclarecimentos, e um bispo holandês tinha até dito que o seu suposto apoio ao texto havia sido mal interpretado.

O catolicismo holandês sempre teve uma história controversa e contrária. Por exemplo, a Holanda e a diocese de Utrecht são o lar original da "Velha Igreja Católica" [ou Vetero-Católica], criado por uma complexa série de eventos históricos e de divergências doutrinais que surgiram no rastro da Reforma e se estenderam ao longo do século XIX. Os vetero-católicos reivindicam o título "católico" por meio da "sucessão apostólica", mas não são reconhecidos pelo Vaticano.

Mas, enquanto poucos católicos dos Países Baixos abandonaram a lealdade a Roma, foi a hierarquia em plena comunhão com Roma que pareceu representar o melhor que o catolicismo significava. Quando as forças alemãs na Segunda Guerra Mundial sobrecarregaram o país, a hierarquia católica dos Países Baixos tomaram uma posição firme e corajosa. Dom Johannes de Jong (foto à esquerda) negou os sacramentos aos membros do partido nazista. A hierarquia dos Países Baixos também denunciou a deportação de judeus em uma carta lida em todas as missas – um ato que distinguiu os bispos holandeses de muitos outros líderes católicos e protestantes, que muitas vezes se recusaram até mesmo a reconhecer a perseguição dos judeus.

Essa tomada de consciência de um mundo fora das estruturas eclesiásticas do catolicismo animava não só o Catecismo Holandês, mas também o trabalho de bispos como o cardeal Johannes Willebrands (foto à direita), que morreu em 2006. Willebrands era muito admirado pelo seu trabalho a serviço do diálogo ecumênico e em defesa de que os leigos deveriam ser incluídos de forma mais ampla na governança da Igreja. Ele foi um dos papáveis que muitos católicos de tendência liberal olhavam favoravelmente antes da eleição que levou João Paulo II ao papado.

Mesmo aqueles que não estudavam os meandros da política, da doutrina e da liderança da Igreja sabiam que o catolicismo holandês era diferente – talvez até especial.

Quando o escândalo do abuso explodiu nos Estados Unidos, eu esperava algo semelhante em outros países europeus como a Irlanda. Mas nunca imaginaria os Países Baixos como um lugar provável onde o abuso fosse fomentado. Eu pensava que o catolicismo holandês era muito aberto e consciente de si mesmo para que algo assim acontecesse.

Mas o abuso não só aconteceu, como também foi ajudado e estimulado por um acobertamento que durou seis décadas.

Mesmo nos relatórios mais detalhados sobre o abuso sexual clerical, sempre há alguma "omissão" em potencial: os antecedentes eram ruins, a hierarquia não estava informada ou o número de perpetradores era relativamente limitado. No caso holandês, afirmou-se que a taxa de abusos não era maior nas instituições católicas e que, em todo o caso, as dioceses católicas estavam "fragmentadas".

Mas os católicos não veem a Igreja Católica apenas como outra instituição qualquer. Independentemente de quão longe a hierarquia estivesse, se os bispos católicos estavam em Amsterdã, Utrecht ou Roma, é duvidoso que a "fragmentação" possa explicar como um período tão extenso de acobertamentos tenha conseguido mantê-los totalmente inconscientes dos fatos.

Eu não acho que há qualquer "omissão" aqui.

As narrativas sobre o escândalo de abuso sexual geralmente giram em relação aos compromissos ideológicos dos católicos que estão contando a história. O catolicismo tem sido muito conservador, dizem alguns; outros dizem que a Igreja foi muito liberal por muito tempo. O segundo ponto de vista parece feito sob medida para a história dos abusos sexuais nas instituições católicas holandesas.

Eu, por exemplo, tendo a ver a narrativa dos abusos sexuais em termos de poder – um poder que tenta igualmente a conservadores e a liberais. Mas há, no entanto, uma deplorável qualidade nas últimas revelações sobre o catolicismo holandês: o luto pelas vítimas, que nunca poderão ser compensadas nem poderão receber justiça pelos seus sofrimentos.

Mas eu também acrescentaria a isso que as revelações sobre os abusos sexuais clericais na Holanda também se tornaram um réquiem, lamentando a perda de sonhos tão favorecidos por católicos como eu nos distantes dias da nossa juventude.

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