'Reforma política será resultado de uma luta política e social'

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03 Dezembro 2011

As políticas de inclusão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) trouxeram para a sociedade de consumo grande contingente de pobres, e elevaram a condução de outros tantos, hoje designados como "a nova classe média". O desafio que está colocado agora é incluir politicamente essa multidão que também estava apartada da democracia. Segundo o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro(PT), que ocupou o Ministério das Relações Institucionais no governo passado e, posteriormente, o Ministério da Justiça, esta é uma equação que envolve, de um lado, neutralizar o cerco à política, em especial ao Congresso, que vem sendo feito pela mídia tradicional - e que têm um componente de disputa por poder político com o governo - e de outro, promover as reformas necessárias para erradicar a corrupção estrutural da política brasileira. "A reforma política é fundamental nesse momento", afirmou o governador, em entrevista à jornalista Maria Inês Nassif e publicada por Carta Maior, 02-12-2011.

Genro propõe um amplo acordo entre os partidos democráticos, da esquerda ao centro, para viabilizar a reforma. Em acordo, não em consenso. "Uma reforma política num país como o nosso não será consensual, porque por dentro dela estará a estruturação de como vai se dar a luta de interesses, a luta de classes, as lutas regionais e de vocações regionais sobre o futuro do país.", disse o governador. E esse debate tem que ir além do Congresso, cujos interesses eleitorais dos parlamentares estão em jogo, mas não pode excluí-lo.

O novo sistema político, se for devidamente articulado pelos partidos - que devem se preparar para a incorporação dos novos atores políticos no cenário nacional - podem vir na forma de uma Câmara específica para decidir as mudanças, ou uma constituinte exclusiva. " Acho que quem tem uma aposta na conformação de um estado de direito com efetividade de direitos e com controle público da sociedade sobre o Estado, com a expansão cada vez mais importante do mercado interno, com a inclusão educacional, ou seja, com uma revolução verdadeiramente democrática no país, tem a obrigação de ter uma pauta política para o futuro imediato, sob pena de esse processo se esgotar, afirmou.

Eis a entrevista.

A constante pressão contra o governo de Dilma Rousseff, que tem derrubado vários ministros, inviabiliza o seu governo? Isso é uma fatalidade do presidencialismo de coalizão?

Os governos de coalizão presidencialista no Brasil não são novos. O novo é governantes de esquerda - o presidente Lula e a presidenta Dilma - serem obrigados, pela conjuntura política e pelo sistema legal e partidário do país, a usar esse expediente. A coalizão presidencialista é um expediente político. O que nós temos que responder, em última análise, é se ele é legítimo ou não. Não resta a menor dúvida de que é um expediente, pois essa é a única forma de governar democraticamente - portanto, de governar em maioria.

O outro aspecto que ressalto é uma grande novidade teórica, doutrinária, que a direita vem vertendo pela grande mídia, de que a coalizão favorece a corrupção. Isso é de uma falsidade brutal, porque a corrupção - na sociedade, nos partidos e na política brasileira - é histórica, não conjuntural. E, ao contrário do que ocorre nos governos de coalizão em que a direita está no centro, o problema da corrupção está recebendo um tratamento transparente; foi feita uma organização de controles como jamais o Estado brasileiro teve; a Polícia Federal faz um combate sistemático à corrupção, quando em outros governos era orientada a tratar esses assuntos com luvas de pelica, ou não fazer.

Portanto, nós vivemos num momento histórico em que a coalizão serve à estabilidade da esquerda para governar e vem sendo combatida pela direita, que quer instabilizar politicamente o governo. Então, o que nós temos tratar é do seguinte: quais as reformas que devem ser feitas para que o sistema político se modernize, para que as coalizões presidencialistas não sejam mais necessárias, ou para que sejam mais autênticas, mais programáticas e mais nacionais - mais fundadas em princípios, portanto, e não somente em contextos políticos específicos, como vem ocorrendo hoje?

Como se coloca essa discussão para a sociedade com esse quase veto dos grandes veículos de comunicação e da oposição a esse debate?

Isso também não é uma coisa nova. Nós, que temos um pouco mais de idade e memória da história recente do país, podemos perceber que o Parlamento brasileiro sempre foi cercado e agredido pela imprensa, assim como os presidente com sentido reformista, popular e democrático. Antes de 1964, não era diferente. O problema não é criticar a oposição, parlamentares ou partidos, mas desmoralizar a instituição, estabelecendo uma relação obrigatória entre corrupção, Legislativo e partidos. O que está sendo feito hoje, como antes de 1964, é o uso permanente desse expediente político pela direita e pelas oligarquias.

Ocorre, todavia, que a eficácia política desses expedientes se dá de forma diferente. O presidente Lula conseguiu implementar uma série de reformas que gerou uma base social ampla e democrática para a esquerda em geral, e conseguiu colocar no terreno da políitica contingentes sociais que eram alheios à política e à questão do Estado, como a chamada nova classe média. Nesse caso, o processo de desmoralização tende a ser mais radical.

O ataque não se faz apenas aos partidos e à política em geral, mas se faz um ataque mais profundo, à própria democracia. E, se for retirada a legitimidade e a densidade de se governar em coalizão, resta um governo isolado e impotente, seja ele um governo de centro, de esquerda ou de direita.

O governo Dilma é governável? Os ataques constantes, as quedas sucessivas de ministros, estão cumprindo o objetivo de desestabilizar o governo?

Um governo que tem pretensões de estabilidade política e de governar dentro de uma democracia tem que fazer concessões para as pressões da imprensa, porque essas concessões podem promover uma dialética de esclarecimento e de informação. Todas as pautas que foram propostas pela imprensa foram eficazes, pois o governo teve que substituir ministros - e alguns provavelmente teriam que ser substituídos, mas se chegou a um limite. Hoje, a ampla maioria da sociedade entende que essa pressão, que é sucessiva, contra um mininistro escolhido a dedo para um ataque frontal, um cerco, ela está se tornando menos eficaz. Está sendo diluída no processo político.

É impossível não compreender as pressões da imprensa como uma pressão política, com determinados objetivos estratégicos. E nessa compreensão, evidentemente, o governo tem que saber propor a sua pauta, colocar os seus limites e reverter a situação. Acho que todas as medidas econômicas e políticas que a presidenta tomou a nível internacional e no plano interno permitiram que o governo, mesmo sob esse cerco, aumentasse o seu grau de legitimidade perante a sociedade brasileira.

Percebe-se, no caso do Lupi, parece um caso especial, pois ele estava em rota de colisão com a CUT e com o PT. Esse é um caso mais complicado?

Eu acho que, quando a gente critica a sistemática de cerco aos ministros, isso não quer dizer que todos eles sejam absolutamente transparentes e não tenham cometido erros ou irregularidades. Nós sabemos que isso ocorre. O que se discute, do ponto de vista democrático, são as sucessivas pautas rebaixadas que o cerco midiático propõe. Todos esses ministros, se cometeram efetivamente ilegalidades, poderiam responder e ser demitidos. Mas sem que isso seja a agenda principal do país. E, nesse sentido, eu acho que a presidenta Dilma foi magistral. Ela não transformou isso aí na pauta do pa[is. Embora atendendo a pressões e fazendo demissões, ela está tomando medidas estratégicas para o desenvolvimento que tornam a pauta midiática secundária.

No caso concreto do Luppi, não creio que sua situação seja especial. Acho que está sendo tratado pela presidenta Dilma da forma como deveria ser, reunindo informações e verificando a veracidade. Eu, pelo que conheço pessoalmente de Luppi, me custa acreditar que ele tenha acordado com irregularidades dessa natureza. Mas também não excluo a possibilidade de que, na estrutura do ministério, tenha ocorrido falta de lisura e até falta de legalidade de determinados atos. Isso eu não excluo porque conheço bem o Estado brasileiro.

O senhor considera que a reforma política foi enterrada?

Acho que a insistência em colocar a reforma política na agenda é fundamental para o país. O presidente Lula me autorizou a formular, quando eu era ministro da Justiça, e depois mandou para o Congresso Nacional, uma reforma política muito ousada, que está tramitando até hoje. O projeto abordava todos os pontos fundamentais, desde a verticalidade das alianças até a não transferência de tempo de televisão dos micropartidos que se associam a outros em alianças regionais, passando pelo financiamento público de campanha. Essa é uma agenda recorrente.

Existe hoje, em escala mundial, uma crise de efetividade do Estado democrático, não só em relação a grandes decisões que o governo deve tomar sobre pautas econômicas e sociais, como também de um crescente distanciamento entre Estado e sociedade e a grande concentração de poder de decisão nas mãos dos bancos centrais. Isso reduz o poder do Parlamento e reduz a eficácia política dos partidos. Reduz também o poder do próprio Executivo. Existe uma crise da democracia, um déficit democrático em escala global. Aqui no país, esse déficit é menos ameaçador que o da Europa, porque nós estamos num processo de crescimento econômico, de distribuição de renda, de inclusão social, educacional e produtiva de vastos setores da sociedade.

Nós estamos num momento propício de fazer a reforma política. A reforma política é muito mais difícil de fazer na Europa hoje, pois seria muito mais à direita e autoritária, do que aqui no nosso país. Portanto, na minha opinião, os partidos democráticos, de esquerda, progressistas de centro, deveriam radicalizar uma pauta de reforma política para romper com a asfixia que essa nova realidade econômica tende a levar para o plano da política.

Como corresponder a esse novo momento?

Vou dar um exemplo concreto. Qual um tipo de representação parlamentar, que tipo de projeto vai estar na cabeça de 50% dos brasileiros que, ou melhoraram a situação social em que se encontravam, ou entraram na chamada nova classe média? Qual a identidade que esses setores vão ter com os partidos atuais? Como eles estão recebendo as mensagens de decomposição da política que é transitada diariamente pela grande mídia? São enigmas que têm de ser respondidos.

Se os partidos não responderem com propostas de transparência, de qualificação da vida pública e política, esses setores serão cooptados qualquer pessoa, qualquer grupo, qualquer visão. Seja pela visão de extrema-direita, fascistóide da ordem, pela higienização do Estado, pelo falso combate à corrupção, seja pela extrema esquerda aventureira, que vai pretensamente repropor ao Brasil um surto revolucionário como se houvesse alguma possibilidade de se processar aqui na América Latina alguma mudança revolucionária de médio prazo, de curto prazo. Acho que quem tem uma aposta na conformação de um estado de direito com efetividade de direitos e com controle público da sociedade sobre o Estado, com a expansão cada vez mais importante do mercado interno, com a inclusão educacional, ou seja, com uma revolução verdadeiramente democrática no país, tem a obrigação de ter uma pauta política para o futuro imediato, sob pena de esse processo se esgotar.

O senhor está propondo que os partidos de centro e esquerda assumam as diferenças em relação ao resto, na questão da reforma política? Uma reforma política acordada está fora de questão?

Acordada, sim, é possível; consensual, não. Acho que tem que se gerar um grande acordo político que promova nos distintos partidos um compromisso de reforma em determinado sentido. Uma reforma política num país como o nosso não será consensual, porque por dentro dela estará a estruturação de como vai se dar a luta de interesses, a luta de classes, as lutas regionais e de vocações regionais sobre o futuro do país.

Quem defende, por exemplo, o voto distrital, tem uma visão paroquial da política, que favorece as oligarquias locais mais fortes, desvincula o seu território do território nacional e despolitiza o eleitor, que vai pensar sempre que o mundo começa e termina no seu local, quando na verdade, hoje, todo local é global e nacional. São interesses como esses que não permitem o consenso, mas nada impede que se busque formar uma sólida maioria para fazer as reformas -- inclusive criando condições para que uma Câmara específica faça a reforma, ou uma assembleia constituinte com limites determinados para produzir determinadas revisões ou reformas constitucionais. Isto tudo é possível. Basta que você tenha uma norma constitucional para isso, pois a Constituição pode tudo.

Desde que esse debate, esse consenso, transcenda o Congresso, não é?

Impossível fazer uma reforma que seja exclusivamente pautada pelo Congresso. Os interesses ali são tão microfracionados que seria impossível que isso fosse feito apenas pelo Parlamento. A força social externa, fora do Legislativo, pode gerar a coesão para promover essas reformas. A reforma política será resultado de uma luta política e social, e também de uma luta parlamentar.

Como fazer isso?

Não tem fórmula. Na verdade, uma mudança desse tipo é um processo de ruptura democrática brasileira, de menos democracia para mais democracia, de menos qualidade na esfera política para mais qualidade. Isso não é feito através de um cálculo matemático e nem temporal. Eu lembro quando o presidente Lula inverteu a pauta do país e, no fim do chamado escândalo do mensalão, falou numa constituinte exclusiva para fazer a reforma política. Isso paralisou o país, mas não teve segmento porque mesmo entre os partidos de esquerda haviam interesses muito diferenciados, inclusive regionalmente.

Embora não seja possível deixar essa pauta só com o Congresso, os partidos não são fundamentais nesse processo?

São fundamentais. Quando digo de uma mobilização social de fora para dentro do Congresso, digo que os partidos e a sociedade civil devem fazer essa mobilização. E veja como isso não é estranho a um desejo ainda não revelado da sociedade brasileira: oConselho de Desenvolvimento Econômico e Social tirou fortes posições a favor da reforma política, inclusive do financiamento público de campanha, à época em que eu era secretário-executivo do Conselho.

Os conselheiros apreendem melhor as vantagens da reforma política que o Congresso?

Sim, sem a menor sombra de dúvida. Isso ocorreu de forma visível naquele período, hoje não sei como está. No Parlamento, nós temos pessoas altamente dedicadas à luta pela reforma política, como a deputada Luiza Erundina, que tem recebido apoio de distintos partidos políticos, de frações de partidos. Não é impossível criar também um movimento forte no Congresso, porque já existe de maneira nuclear.

E nem se pode esperar apoio coeso dos partidos. Afinal, até no PT existem resistências.

O Partido dos Trabalhadores, embora seja o partido mais coeso nacionalmente, com uma identidade bem forte, tem diferenças regionais. É impossível dizer que o partido paulista, por exemplo, pensa o mesmo do que o partido do Maranhão, ou do Rio Grande do Sul. Todos os partidos recebem recursos das forças econômicas e sociais locais e, de certa forma, fazem a mediação com essas forças. Eu diria que a grande influência que o partido paulista teve na história do PT foi extraordinariamente positiva para o partido, porque São Paulo é o polo econômico e social mais moderno do país.

Não tenho dúvidas, todavia, de que a influência decisiva do PT paulista nas decisões que impõe nacionalmente para todo o resto dos partidos do país já chegou a um momento de esgotamente, e creio que a grande maioria dos quadros políticos do PT, ou pelo menos uma boa parte deles, pensa assim. Temos de capilarizar no território nacional o processo de decisão das questões políticas e o fazemos frequentemente: os congressos, os encontros nacionais, no PT, têm sido cada vez mais frequentes, sem pender os seus laços com São Paulo, tem que ser mais enraizado ideologica e politicamente em todo o território.

Mesmo com um paulista na presidência?

Mesmo com um paulista. Porque não se trata da origem territorial do dirigente, basta que o dirigente compreenda a política nacional não apenas a partir do território do qual ele é originário. O presidente Rui Falcão, até pela grande caminhada que ele está fazendo no Brasil hoje, está muito mais antenado com o sentimento coletivo do Brasil em escala nacional que os dirigentes anteriores, e que tinham aquela posição não por malícia, ou por achar que São Paulo é superior ao resto do país, mas por uma transmissão quase automática das forças sociais e econômicas de São Paulo sobre todos os partidos, não apenas sobre o PT.

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