A revolução ética dos árabes

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09 Abril 2011

Tahar Ben Jelloun publicou pela editora Bompiani um pequeno livro sobre o ciclone que está sacudindo o mundo do qual ele, escritor francófono, homenageado ainda em 1987 com o prêmio Goncourt, mas nascido em Fès, no Marrocos, provém: La rivoluzione dei gelsomini. Il risveglio della dignità araba [A revolução dos jasmins. O despertar da dignidade árabe]. É a coletânea de uma série de artigos publicados desde 2003, comentados à luz dos fatos de hoje.

A reportagem é de Maria Serena Palieri, publicada no jornal L`Unità, 09-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

É uma viagem à Tunísia, ao Egito, à Líbia, ao Marrocos, ao Iêmen, realizada com a cristalina simplicidade do autor de O racismo explicado à minha filha (Ed. Via Lettera, 2000), panfleto que chegou à 48ª edição.

Eis a entrevista.

Falando da "revolução dos jasmins", desencadeada pelo suicídio de Mohamed Buazizi, vendedor ambulante tunisiano, o senhor usa a expressão "revolução ética". O que entende por isso?

A revolta na Tunísia começou de modo imprevisto. Com a força de oprimir e humilhar, chega-se ao momento em que as pessoas explodem, e nada mais as detém. O que é extraordinário, nesses eventos, é que sejam são exigidos valores: quem protesta não são operários mal pagos que pedem mais dinheiro, mas sim pessoas que querem uma moral e uma mudança política radical. Esse é o fato inédito. Eu a chamo de revolução ética porque os valores pelos quais lutam são tão velhos quanto a humanidade: dignidade, liberdade, justiça. Apesar da repressão da polícia, os manifestantes tunisianos não se deixaram intimidar. Queriam assegurar aos seus filhos um futuro melhor e produziram um cataclismo quase mundial. O que está em curso não é uma revolução ideológica: não tem um líder nem um partido político que a promovem. É uma revolta espontânea e radical.

O Egito vive uma experiência semelhante?

Os egípcios tiveram a sorte do apoio do movimento de uma parte do Exército. Esses militares correram um risco, tiveram coragem. A diferença entre a Tunísia e o Egito é quantitativa: os egípcios são mais, mas a vontade de fundo é a mesma. E, no caso do Egito, a sorte quis também que os islamistas perdessem o trem: os Irmãos Muçulmanos viram-se ultrapassados pela revolta espontânea. Hoje são um partido qualquer.

O senhor acredita que as populações árabes, depois de décadas de aversão pelo Ocidente, estão revelando que aspiram, na realidade, a um modelo ocidental?

Tratando-se de uma revolta, não de uma revolução preparada, não há um modelo que a inspire. Pode-se notar que, pela primeira vez no mundo árabe, ocorrendo manifestações sem gritos de guerra contra o Ocidente. Não se está dizendo que na Tunísia e no Egito está garantido o nascimento de uma democracia. Mas é certo que, para esse tipo de regimes, não haverá mais espaço.

A época de Bush Jr. coincidiu com o triunfo de corrupção e de abuso em escala planetária. A reivindicação ética que explodiu no mundo árabe pode estimular um processo semelhante entre nós?

Algumas consequências são inevitáveis. O Ocidente deverá começar a refletir antes de assinar contratos com as ditaduras. O período de Bush Jr. foi o mais obscuro da história norte-americana. A chegada de Obama, ao contrário, de modo talvez inconsciente, ofereceu ao povo árabe uma "possibilidade". Continua em campo o problema da Europa. Em todos os lugares avança a direita extrema anti-árabe.

Os jornais falam da "guerra" entre Itália e França pela gestão dos imigrantes. Como o senhor avalia a linha dura de Sarkozy, o "não" à acolhida?

É um problema que a Europa deveria regular. Mas a Europa, mais uma vez, é ineficaz. Seria preciso investir de modo maciço na Tunísia para fazer surgir trabalho e levar os tunisianos a ficar. Na França, em 2012, haverá eleições. O Front National avança nas pesquisas. E a direita de governo o teme.

A revolta egípcia, lembra o senhor, tem uma "mãe": Israa Abdel Fattah, a jovem de 28 anos que, por meio do Facebook, promoveu a saída às ruas de um milhão de manifestantes. Mas no dia 8 de março as mulheres que queriam se manifestar na praça Tahrir em favor dos direitos iguais foram insultadas e reprimidas. Há esperança para o gênero feminino no novo mundo árabe?

Se alguma coisa se move no mundo árabe é sempre graças às mulheres. As egípcias mostraram estar dispostas até a morrer pela revolução. Não irão se deter.

Ocorreram revoltas nestes meses no seu país, o Marrocos?

Sim. Entre nós, as reformas já estão em curso há uma década. E o próprio rei propôs uma nova Constituição, com um governo no estilo europeu. Ele fará isso? As pessoas vigiam, estão atentas.

Imagina um futuro para a Líbia?

A previsão que eu fazia no livro continua válida: a disputa na Líbia é dura porque Kadafi é um grande criminoso e um terrorista e não hesita em bombardear a sua gente.

Estes meses marcam o fim do fundamentalismo islâmico?

O fundamentalismo está superado. Está ausente da revolta, onde, ao contrário, estão presentes jovens tunisianos, egípcios e líbios que estudaram nos EUA e voltaram de propósito.

A ditadura é elementar. A democracia é confusa porque é complexa. Concorda?

Certamente. Será preciso tempo para entender.

 

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