10 Junho 2022
O jesuíta alemão que é um dos especialistas da Igreja Católica na prevenção aos abusos sexuais deu uma grande palestra em Paris a convite dos bispos franceses.
A reportagem é de Vincent de Féligonde, publicada por La Croix, 09-06-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Eu vou escandalizar vocês”, alertou o padre Hans Zollner no seu evento em Paris nesta semana.
“Não existe ‘a Igreja’. Não é um bloco monolítico”, disse o jesuíta alemão na última terça-feira, 07-06, em uma palestra na capital francesa.
“Pelo contrário, na mesma sala, na mesma paróquia, na mesma diocese, se tem vítimas e abusadores – pessoas responsável e irresponsáveis”, continuou.
Zollner, que é o diretor do Instituto de Antropologia da Pontifícia Universidade de Gregoriana de Roma e membro da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, foi convidado pelos bispos franceses para falar sobre a crise de abusos sexuais do clero.
Ele encerrou um ciclo de quatro conferências que as três universidades católicas de Paris (o Centre Sèvres, o Collège des Bernardins e o Institut Catholique) organizaram em torno do tema “Depois da CIASE, pensando juntos sobre a Igreja”.
A CIASE, é claro, é a Comissão Independente sobre Abuso Sexual na Igreja, que em outubro passado divulgou um relatório devastador sobre décadas de abuso sexual do clero na França.
E o padre-psicólogo de 55 anos compartilhou sua obsessão sobre o assunto – certificando-se de que as pessoas estejam claramente cientes de quão mal os funcionários da Igreja lidaram com casos de abuso no passado, para que esses erros nunca mais sejam repetidos.
Zollner observou que os primeiros casos de abuso sexual surgiram há cerca de 40 anos nos Estados Unidos e na Austrália, e depois nos Países Baixos, Grã-Bretanha, Europa Central e agora no sul da Europa.
“Agora o mundo inteiro ouviu falar do horror do abuso e das falhas da hierarquia na gestão do problema”, disse ele.
“E agora estão sendo feitas perguntas sobre por que os responsáveis reagiram da maneira que reagiram, incluindo os 'intocáveis': bispos, cardeais e o próprio papa”, continuou o jesuíta.
“O mesmo erro foi cometido, o de não ouvir as vítimas”, sublinhou.
“E a experiência desta ou daquela conferência episcopal não foi transferida para as outras”, lamentou.
Mas ele também reconheceu que, como há “1,4 bilhão de católicos, 24 Igrejas, 5.300 bispos, 2.900 dioceses e um número desconhecido de congregações religiosas, é muito difícil ter uma única estratégia”.
Ele disse que isso é ainda mais difícil devido às diferenças de cultura de uma região para outra.
“Na África, nas famílias, aldeias, tribos, a sexualidade é tabu. Ainda mais quando se trata de figuras de autoridade, como padres. Na Ásia, salvar a imagem da pessoa é vital para viver juntos. E criticar uma figura de autoridade era impossível até recentemente”, Zollner apontou.
Ele também sublinhou que existem muitos paradoxos na Igreja Católica.
Em primeiro lugar, há o paradoxo de um sistema de governo marcado por uma “estranha tensão entre autoritarismo e falta de regras claras, falta de responsabilidade pessoal”.
Ele disse que o processo sinodal iniciado pelo Papa Francisco deve nos ajudar “a sair desse vaivém entre o alto e o baixo”.
Mas Zollner também insistiu que não se trata de abrir mão de todo o poder.
“A questão é, acima de tudo, como controlamos o poder. Quanto maior o poder, mais essa pessoa deve ser responsabilizada”, disse ele.
Um segundo paradoxo é que, apesar da exortação apostólica de Pastores dabo vobis, de João Paulo II (1992) afirmar que “a formação humana (é) a base de toda a formação sacerdotal”, a Igreja parece investir mais na formação intelectual de seus clérigos do que na formação humana.
“Leva-se mais de seis anos para formar um professor do Antigo Testamento e seis semanas para um superior de seminário”, destacou Zollner.
“Qual é o foco de nossa atenção: nossas instituições e nossa reputação ou a vítima, o vulnerável, o outro e o Totalmente Outro?”, ele perguntou.
O padre e psicólogo jesuíta de Roma disse que não basta mudar as normas. Em vez disso, deve haver uma verdadeira conversão que envolva espiritualidade e teologia.
“Aguardo o momento em que entendamos que cuidar das vítimas é o coração de nosso ministério”, disse ele ao público em Paris.
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“Cuidar das vítimas é o coração do nosso ministério”, afirma o jesuíta Hans Zollner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU