27 Setembro 2019
“A insistência com que emerge hoje o pedido do recurso à eutanásia se deve não apenas à multiplicação dos casos de obstinação terapêutica, mas também a uma razão mais profunda de natureza cultural, a dificuldade de elaborar positivamente a relação com a morte.”
A opinião é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas.
O artigo é um trecho do seu livro “L’alfabeto dell’etica” [O alfabeto da ética, em tradução livre] (Ed. Cittadella, 2017). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A eutanásia (do grego, “morte boa” ou “doce”) é um fenômeno presente em todas as épocas históricas e em todas as culturas, embora sejam diversas as motivações do recurso a ela e as modalidades da sua execução.
De fato, existem culturas nas quais a eutanásia é praticada por razões sociais, étnicas e até raciais – pense-se na experiência nazista –; outras em que prevalecem as razões de caráter humanitário ligadas sobretudo à vontade de eliminar o sofrimento físico e/ou psíquico do doente, principalmente se for terminal.
Sem dúvida, são estas últimas razões que levam a melhor hoje, na maioria dos casos. A eutanásia, desse modo, assume o significado de uma ação (ou de uma omissão) voltada a respeitar a dignidade da pessoa, também na última fase da sua existência; com ela, pretendemos dar vazão, em outras palavras, ao direito da pessoa de fruir de uma morte digna.
Por isso, a promoção da consciência civil em torno do tema dos direitos contribuiu para ampliar a sua esfera de aplicação às diversas categorias sociais e aos vários âmbitos da vida.
A demanda eutanásica hoje está em forte crescimento, principalmente devido à acentuação do fenômeno da obstinação terapêutica, devido aos desenvolvimentos do progresso científico-tecnológico no campo biomédico. Esse progresso, de fato, se contribuiu, por um lado, para prolongar (e muito) a vida média da população, vencendo doenças outrora letais, também provocou (e provoca), por outro lado, novos problemas ligados ao prolongamento artificial da vida, que tem como consequência a sua desqualificação.
A experiência, cada vez mais difundida, de situações nas quais essa desqualificação ocorre, solicita a demanda de intervenções que evitem a criação de condições desumanas. Mais do que de uma demanda eutanásica, portanto, trata-se, em muitos casos, de rejeição da obstinação obstinada; da vontade de evitar tratamentos desproporcionais, que não têm outro efeito senão o de prolongar a vida biológica às custas da vida pessoal e relacional.
Mas há outro motivo, de sinal oposto, que não deve ser subestimado: ele é representado pelo medo de incorrer em um estado de abandono no caso em que se entre na condição de doença terminal – nesse sentido, alguns falam de “eutanásia por abandono” – devido à falta de cuidados adequados.
Apesar dos notáveis passos dados nas últimas décadas, ainda são insuficientes os procedimentos ativados para enfrentar situações nas quais não subsiste nenhuma possibilidade de cura, mas não deve faltar a atividade de tratamento.
A avaliação moral da eutanásia assume conotações diferentes de acordo com as referências teológicas e/ou filosóficas às quais se apela. A visão cristã da vida, que olha para ela como “dom de Deus”, leva à condenação da eutanásia, por ser uma subtração a Deus do poder que só cabe a Ele: somente Deus é dono da vida, somente Ele pode dá-la e tirá-la.
Se essa é a posição oficial, no entanto, não faltam teólogos que, partindo da categoria de aliança, sustentam que o dom da vida que Deus faz ao ser humano é imediatamente entregue nas suas mãos, para que ele o administre com responsabilidade em todas as suas fases, não excluindo a da decisão acerca de quando e como morrer.
Em todo o caso, o julgamento é diferente quando se aborda a questão a partir de uma perspectiva puramente laica, racional. O princípio da autodeterminação, neste caso, não pode ter nenhuma limitação para além daquela derivada do debate com os outros princípios, que se referem a bens e valores que não podem ser ignorados. Portanto, ele deve ser aplicado em todas as situações da vida, mesmo que isso não signifique que toda forma de eutanásia deva ser considerada legítima; de fato, somente aquela que tem a ver com condições particulares nas quais a pessoa percebe que a própria vida perdeu radicalmente o sentido e que, precisamente por isso, não merece ser mais prolongada, é que pode ser, de fato, considerada como tal.
Mas a reflexão moral não pode se deter nesse nível. Existem e vão se multiplicando, graças à evolução acelerada da tecnologia mencionada acima, situações complexas que estão entre a eutanásia (passiva) e a obstinação terapêutica; situações nas quais a não intervenção poderia envolver eutanásia passiva, e a intervenção, obstinação terapêutica.
O critério adotado hoje para dar clareza é a distinção entre meios proporcionais e desproporcionais. A proporcionalidade implica que a avaliação envolva atenção à relação entre o meio e a situação do paciente, a tal ponto que o próprio meio, não utilizado no caso em que ainda existam possibilidades de vida humanamente dignas, envolve eutanásia passiva; utilizado quando a situação do paciente já está gravemente comprometida, provoca obstinação terapêutica.
Nas últimas décadas, diversos Estados introduziram a possibilidade do recurso à eutanásia na sua própria legislação, fixando com precisão as suas condições. O pedido de legalização, pelas razões recordadas, é cada vez mais insistente também na Itália. É difícil expressar, a esse respeito, uma avaliação peremptória: a inexistência – como mencionado – de motivações racionais apodíticas para dizer “não” à autodeterminação diante da morte implicaria, em um país democrático e pluralista como a Itália, a admissão da eutanásia.
As perplexidades nascem do risco de incorrer na chamada “declive escorregadio”, ou seja, na falta de proteção de algumas categorias de pessoas que, devido à sua condição, são consideradas como um peso para a sociedade. O que hoje se torna mais plausível em um mundo em que o paradigma utilitário parece ter se tornado o metro de juízo privilegiado.
Mas, para além dos dispositivos de caráter legislativo, é importante criar um conjunto de intervenções em relação aos doentes terminais, intervenções que, se corretamente exercidas, redimensionam (sem, naturalmente, eliminá-la totalmente) a demanda eutanásica, porque criam as condições para experimentar, mesmo nessas condições, uma vida digna e garantem uma aproximação menos traumática à morte.
Esse é o objetivo dos chamados “cuidados paliativos”, que pressupõem, ao lado da eliminação ou pelo menos da redução da dor física, uma forma de acompanhamento psicológico e de assistência social, tanto para o paciente quanto para seus familiares – fundamental onde é possível a escolha do atendimento domiciliar –, voltada a tornar a situação menos opressiva.
Por fim, não se pode esquecer que a insistência com que emerge hoje o pedido do recurso à eutanásia se deve não apenas – como se disse – à multiplicação dos casos de obstinação terapêutica, mas também a uma razão mais profunda de natureza cultural, a dificuldade de elaborar positivamente a relação com a morte.
A tendência à remoção, que continua levando a melhor, acaba tornando ainda mais trágica a experiência de morrer, quando nos encontramos diante do fato de ter que enfrentá-la. O restabelecimento de uma correta relação com a morte como realidade que está dentro da vida é, então, um dos caminhos a serem percorridos para restituir à experiência humana a plenitude do seu significado e tornar menos premente a demanda por eutanásia.
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Eutanásia e obstinação terapêutica. Artigo de Giannino Piana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU