Estado de exceção e biopolítica segundo Giorgio Agamben. Entrevista especial com Jasson da Silva Martins

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03 Setembro 2007

“As correlações entre estado de exceção e biopolítica no pensamento político de Giorgio Agamben” foi o tema apresentado pelo mestrando em filosofia Jasson da Silva Martins durante o IV Colóquio Nacional de Filosofia da História, que aconteceu de 27 a 29 de agosto de 2007 na Unisinos. Sobre o assunto, a IHU On-Line conversou, por e-mail, como Jasson que fala sobre a importância do pensamento de Giorgio Agamben, das relações de sua obra com Walter Benjamin e Foucault e, ainda, sobre estado de exceção e biopolítica na obra do filósofo italiano.

Jasson da Silva Martins é graduado em Filosofia pela Unilasalle e, atualmente, é mestrando em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, com área de concentração em Sistemas Éticos. 2006.

Giorgio Agamben é autor, entre outros, dos seguintes livros:  Ce qui reste d`Auchwitz. (Paris: Payot & Rivages, 1999);  Il tempo che resta. Un commento alla Lettera ai Romani. (Torino: Bollati Boringhieri, 2000); L`aperto. L`uomo e l`animale (Torino: Bollati Boringhieri, 2002); Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002); Infância e história (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005); A linguagem e a morte (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006); e Profanações (São Paulo: Boitempo, 2007).

Eis a entrevista.

IHU On-Line - Qual é a importância do pensamento de Giorgio Agamben para a filosofia e para a política contemporânea?

Jasson da Silva Martins - Acredito que a principal contribuição de Agamben gira em torno da redescoberta da filosofia política em nova chave de leitura, melhor dito, com elementos históricos e conjunturais, mas, sobretudo, marcada pelos últimos acontecimentos históricos. Igualmente cabe ressaltar a importância de temas que ainda não foram completamente “elaborados”, como a relação entre direito/política, soberania/democracia, ciência/vida. Por fim, é importante “localizar” o pensamento de Agamben dentro do pensamento europeu.

IHU On-Line - O que significa isso?

Jasson da Silva Martins - Significa que o seu pensamento e fazer filosófico dizem respeito, em boa medida, à Europa. Se observarmos as suas grandes questões, elas dizem respeito muito mais aos europeus do que aos povos latino-americanos. Eventos que aconteceram na América, por exemplo, o genocídio de tribos indígenas no território dos Estados Unidos, a escravização dos negros e os regimes militares que ocorreram em toda América Latina, não são tematizados por ele. Considero importante ter isso em mente quando nos defrontamos com as suas reflexões mais universalistas. Mas, sem dúvida, ele é um pensador-chave para nos ajudar compreender os problemas conjunturais da nossa época.

IHU On-Line - Que tipo de relação podemos fazer entre a obra de Agamben e Walter Benjamin?

Jasson da Silva Martins - É sabido que Walter Benjamin (1) influenciou Agamben. Ele mesmo presta conta disso assumidamente. Acredito que as grandes teses de Benjamin ganham uma nova moldura, por assim dizer, dentro da obra de Agamben. Foi ele quem organizou as traduções da obra de Benjamin na Itália. A principal contribuição, muito presente, no pensamento do filósofo italiano, acredito que seja no tocante à violência e ao direito. Agamben leva muito a sério a tese de Benjamin que versa sobre a origem e a legitimação do poder, na perspectiva do soberano.

IHU On-Line - Que tipo de correlações você faz entre o estado de exceção e a biopolítica, utilizando o pensamento político de Agamben?

Jasson da Silva Martins - Eu diria que é uma relação quase inevitável hoje em dia, dado o progresso da técnica e a complexidade do Estado. Para Agamben, o estado de exceção é a norma das atuais democracias e está intimamente ligada às práticas de governo, que, por sua vez, estão ligadas ao governo da vida e a “normalização” [no sentido de Georges Canguilhem (2)]. É evidente que essa relação não salta aos olhos assim, sem mais. É preciso “ler” sob um novo viés essas relações que tem se tornado comum na política atual, como um todo. Por exemplo: toda essa preocupação (sobretudo aqui no estado do RS) com o aumento do número de jovens que são vitimados pelo trânsito, bem como a estreita relação desses acidentes com a bebida, não quer dizer que o governo esteja preocupado com a nossa juventude. Essa preocupação salta aos olhos pelos números apresentados pelas estatísticas dos últimos anos (ou seja, cientificamente) e o posterior custo que resulta de tais acidentes para os cofres públicos . Tudo isso confrontado com a imagem do Estado ou do país diante dos organismos internacionais (ONU, Unesco, Banco Mundial, OMC, OMS...). Essa tem sido uma prática política corriqueira, no que diz respeito às políticas públicas (inclusão, segurança e tantas outras) intimamente ligadas a um poder soberano que se respalda em alguma ciência (estatística, psiquiatria, economia, sociologia...), na qual é possível mascarar os verdadeiros interesses do poder soberano, com ar de cientificidade. Não estou levantando suspeita sobre nenhuma ciência, mas sobre a apropriação que o Estado faz dos resultados dessas ciências ou de seus métodos. Ou alguém, ultimamente, ouviu o Lula falar outra coisa a não ser confrontar números macroeconômicos? Isso mostra bem que a população é levada em conta pelo estado de forma apenas secundária. A presença mais intensa, a meu ver, de uma prática normalizadora é a aparelhagem da Receita Federal, onde o fisco suga cada vez mais os contribuintes e cada vez fica mais difícil fugir das garras do Leão.

IHU On-Line - A "profanação do improfanável" é a tarefa das gerações futuras? Como ela será, a partir do pensamento de Agamben, executada?

Jasson da Silva Martins - Eu não diria que é das futuras gerações, pois o futuro dessas futuras gerações é o hoje, o presente. E o que nós temos? Nós estamos acordando dos arroubos de maio de 1968, por incrível que pareça. Agora nós (sobretudo no Brasil) podemos fazer um balanço de tudo àquilo que foi sonhado por aquela geração. Como é possível saber disso? Observando os efeitos práticos que não estavam explícitos naqueles sonhadores e fundadores de partidos. E o que vemos? Basta olharmos para o PT, a título de exemplo, um dos últimos guardadores da moral e da eticidade. Ele foi gestado naquela efervescência da década das revoluções. Seus fundadores ficaram inebriados com aquela bebida nova (sincretismo de ideologias), que jorrava de diversas fontes, mas as fontes secaram. Resta-nos investigar por quê? O pensamento de Agamben talvez nos peça mais cautela e mais acuidade, no julgamento dos fatos e mais criticidade na compreensão dos fatos históricos. Não vivemos mais numa época de efervescência. Hoje, os problemas são outros e requerem outra forma de abordagem e nesse sentido é possível sim profanar o culto dos nossos antigos ídolos (deuses). Como eu disse, é uma tarefa dessa geração, para garantir a possibilidade de existência de uma futura geração e isso é urgente.

IHU On-Line - Utilizando-se das obras de Agamben, quais são as áreas mais obscuras do direito e da democracia, atualmente?

Jasson da Silva Martins - Essa é uma questão chave para Agamben ao remontar as teses benjaminianas. A questão de fundo está colocada na impossibilidade do direito limitar o poder soberano nos estados democráticos e, com isso, perder a sua legitimidade. Isso ocorre porque a própria conquista do poder é, por si, um ato que suplanta o direito e acaba por legitimá-lo. Ou seja, tanto o direito quanto a própria democracia vivem à mercê da vontade do soberano, o que é algo bem pontual que Agamben vem discutindo nas suas últimas obras.

IHU On-Line - O que há de Foucault (3), no conceito de Estado de exceção criado por Agamben?

Jasson da Silva Martins - Precisamente sobre o estado de exceção eu diria que Agamben está mais próximo de Benjamin e em estreita aproximação com as teses de um jurista importante, que é Carl Schmitt (4). Em sua obra Homo sacer (1995) ele faz uma retomada dos temas levantados pelo filósofo francês, sob um viés mais político e filosófico e menos histórico e sociológico. Debord (5) e Deleuze (6) eu não saberia avaliar a importância dentro do pensamento político de Agamben.  Por outro lado, essa influência pode ser expressa em outras temáticas debatidas por Agamben (estética, hermenêutica, literatura...). No pensamento político, acredito que não é tão expressiva assim.

IHU On-Line - Em sua opinião, a política contemporânea é, necessariamente, uma biopolítica?

Jasson da Silva Martins - Eu estou inclinado a dizer que não. Mas se olharmos a prática política e como essa tendência tem crescido ultimamente, acho que não está de todo errado quem disser que ambas estão bastante próximas. Isso é mais visível quando a política deixa o debate de idéias de lado e passa a debater técnicas, em busca de atingir metas. Isso é lastimável, mas está tão próximo de nós que é preciso muita acuidade para fazer uma distinção mais rigorosa.

Notas:
(1) Walter Benedix Schönflies Benjamin é um crítico literário e ensaísta alemão. Em 1915, conhece Gerschom Gerhard Scholem de quem se torna muito próximo, quer pelo gosto comum pela arte, quer pela religião judaica que partilhavam. Em 1925, Benjamin constatou que a porta da vida acadêmica estava fechada para si, tendo a sua tese de livre-docência Origem do drama barroco alemão sido rejeitada pelo Departamento de Estética da Universidade de Frankfurt. Nos últimos anos da década de 1920, o filósofo judeu interessa-se pelo marxismo, e juntamente com o seu companheiro de então, Theodor Adorno, aproxima-se da filosofia de Georg Lukács.

(2) Georges Canguilhem foi um filósofo francês especialista em epistemologia e filosofia da ciência (em particular, biologia). Foi colega, na École Normale Supérieure, em 1924, de Jean-Paul Sartre, Raymond Aron e Paul Nizan. Recebeu seu doutorado em 1943, durante a II Guerra Mundial. Em 1955, foi nomeado professor na Universidade de Sobornne e sucedeu Gaston Bachelard como o diretor das ciências do DES de Instituto de história. O trabalho principal de Canguilhem na filosofia da ciência é apresentado em dois livros, Le normal et le pathologique, publicado primeiramente em 1943, e depois La connaissance de la vie, de 1952.

(3) As obras de Michel Foucault, desde a História da Loucura até a História da sexualidade (a qual não pôde completar devido a sua morte) situam-se dentro de uma filosofia do conhecimento. Suas teorias sobre o saber, o poder e o sujeito romperam com as concepções modernas destes termos, motivo pelo qual é considerado por certos autores um pós-moderno. Sobre o filósofo, a Revista IHU On-Line possui uma edição especial.

 

(4) Carl Schmitt foi jurista, cientista político e professor de Direito alemão. Tornou-se professor da Universidade de Berlim em 1933, no mesmo ano em que entrou no Partido Nazista. Schmitt permaneceu sendo um membro do partido até o fim da Segunda Guerra, e nunca se retratou por sua filiação no partido. Suas idéias continuam atraindo atenção de filósofos e cientistas políticos, incluindo Walter Benjamin, Jacques Derrida, Giorgio Agamben e Chantal Mouffe.

 

(5) Guy Debord foi um dos pensadores da Internacional Situacionista e seus textos foram a base das manifestações do Maio de 1968. A sociedade do espetáculo é seu trabalho mais conhecido. As teorias de Debord atribuem a debilidade espiritual, tanto das esferas públicas quando da privada, a forças econômicas que dominaram a Europa após a modernização decorrente do final da II Guerra Mundial. Ele rejeita o capitalismo de mercado do ocidente e o capitalismo de estado do bloco socialista. Em sua análise, Debord desenvolve as noções de “reificação” e “fetichismo das mercadorias”, introduzidas por Karl Marx em sua obra O capital, comprovando as raízes históricas, econômicas e psicológicas da “mídia”.

(6) O filosofo francês Gilles Deleuze dedicou-se à história da filosofia. A sua filosofia vai de encontro à psicanálise, nomeadamente a freudiana, que aos seus olhos reduz o desejo ao complexo de Édipo.

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