Da Aletheia à Parresia. Vamos sair da passividade e ousar na perspectiva das práticas de inovação da democracia? Entrevista especial com Giuseppe Cocco

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06 Março 2016

“As manifestações de junho de 2013, na fase de maior maturidade, tinham decretado que esse sistema estava podre e agora está se mostrando isso no plano judiciário”, afirma o cientista político.

Foto: http://paginabrazil.com/

A nova fase da investigação da Operação Lava Jato, batizada como Aletheia, que significa o desvelamento da verdade, “transforma em termos judiciários o que poderia ser uma crítica política, quando Lula embarcava no jatinho da OAS para ir defender a construção de estradas no Território Indígena Parque Nacional Isiboro Secure - Tipnis, na Bolívia”, diz Giuseppe Cocco à IHU On-Line.

Para o cientista político e crítico das ações do PT, a condução coercitiva do ex-presidente Lula e de pessoas ligadas a ele na manhã de hoje já “estava anunciada” dado o ritmo das investigações. Segundo ele, a “Lava Jato tem uma base de legitimidade” e “representa um novo funcionamento das instituições, de uma nova geração de juízes”, e “não dá para criticá-la em si”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone na manhã desta sexta-feira, 04-03-2015, Cocco disse que a “questão que se coloca hoje é se o PT irá conseguir reproduzir aquela polarização falsa que ele produziu em outubro de 2014 – à época da campanha eleitoral -, criando a atual passividade que leva toda a esquerda e as lutas populares para o mesmo túmulo. Espero que essa tática do PT não funcione mais. Além do mais, corremos o risco, o PT optando por essa linha, de o país ir para um enfrentamento absurdo, como está tentando hoje a torcida dos militantes em Congonhas e em São Bernardo”.

E questiona: “Me parece que a chamada para manifestações é politicamente irresponsável: mobilização para defender as empreiteiras? A outra questão, aquela que interessa, é saber se vamos sair dessa passividade e colocar a questão de uma verdadeira reforma política e de uma constituinte”.

Cocco diz ainda que a gravidade do depoimento do ex-presidente Lula à Polícia Federal não se deve ao fato de estar depondo, mas por “ter participado de um esquema de interesse do grande capital nacional (...) Está sendo interrogado por ter alimentado com isso uma campanha eleitoral pelos interesses das empreiteiras e por fora até do caixa 2, por ter feito um ajuste recessivo no ano passado junto com a Dilma, que levou a milhões de desempregados depois de cortar o seguro desemprego, que levou à quebra da Petrobras até tornar sua privatização inevitável”. E conclui: “Nós precisamos pensar não na Aletheia, mas na Parresia: na coragem da verdade, em ousar não apenas saber, mas também saber ousar, colocar tudo isso na perspectiva das práticas de inovação da democracia".

Giuseppe Cocco é graduado em Ciência Política pela Université de Paris VIII e pela Università degli Studi di Padova, é mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pelo Conservatoire National des Arts et Métiers e em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne), é doutor em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e editor das revistas Global Brasil, Lugar Comum e Multitudes. Coordena a coleção A Política no Império (Civilização Brasileira).

Confira a entrevista.

Foto: Ricardo Machado / IHU

IHU On-Line - Como analisa os desdobramentos da Investigação Lava Jato e a sequência de fatos dos últimos dias e a nova fase da Operação, Aletheia, com a condução coercitiva do ex-presidente Lula na manhã de hoje?

Giuseppe Cocco – Isso já estava no ar e já estava anunciado tanto pelo desenvolvimento da Operação Lava Jato, como pelo vazamento das últimas notícias nos jornais. A situação mostra que um sistema está desmoronando.

Trata-se de ver se agora a Operação vai ficar só no PT ou se vai “pegar o esquema” que não envolve, obviamente, somente o PT.

Nunca acreditei que a polícia e os juízes resolvam alguma coisa em termos políticos e não é agora que vou mudar de ideia. Mas, se a democracia é constrangida, as eleições mentirosas, o poder uma questão de grana, o exército na Maré, os Estádios, a Zika, a crise destruindo os empregos, a inflação comendo o poder de compra dos mais pobres, as máfias dos transportes mandando nas cidades, o moralismo usado à geometria variável (contra os outros e claro não contra si mesmo), então, alguém vai ocupar esse espaço, fazer alguma coisa, convencido que está fazendo a coisa justa.

IHU On-Line - A Operação Lava Jato representa um avanço do ponto de vista institucional ou não?

Giuseppe Cocco – Em si não representa um avanço, mas pode-se dizer que representa um novo funcionamento das instituições, de uma nova geração de juízes, que pode ter desdobramentos positivos ou negativos, mas não dá para criticá-la em si.

A Lava Jato tem dois determinantes do ponto de vista material, que ela transforma em termos judiciários: um são as manifestações de junho, que o PT e os políticos subestimaram - é espantoso pensar que o PT achou que iria resolver isso com a propaganda dos “coxinhas” -; e o segundo determinante é que, com a desculpa do nacional desenvolvimentismo, se criou a renovação de um pacto de amigos, que deixou de fora muita gente – não é à toa que São Paulo está indignada com esse sistema, porque ela tem um tecido produtivo prejudicado por esse espólio que ficou por trás do PT e do PMDB (também dos tucanos nos estados, pois esse é o modo de funcionamento material da representação).

“Quanto mais a esquerda defender e cair nessa polarização de defender Lula, menos vai conseguir sugerir algo

 

Então, a Lava Jato tem essa base de legitimidade, mas ela não vai resolver a situação. Se repressão e prisão mudassem alguma coisa, já teríamos resolvido a questão da violência. Mas dizer isso não significa dizer que ela é inútil ou é um golpe.

A questão que se coloca hoje é se o PT irá conseguir reproduzir aquela polarização falsa que ele produziu em outubro de 2014 – à época da campanha eleitoral -, criando a atual passividade que leva toda a esquerda e as lutas populares para o mesmo túmulo. Espero que essa tática do PT não funcione mais.

Além do mais, corremos o risco, o PT optando por essa linha, de o país ir para um enfrentamento absurdo, como está tentando hoje a torcida dos militantes em Congonhas e em São Bernardo. Parece-me que a chamada para manifestações é politicamente irresponsável: mobilização para defender as empreiteiras? A outra questão, aquela que interessa, é saber se vamos sair dessa passividade e colocar a questão de uma verdadeira reforma política e de uma constituinte.

As manifestações de junho de 2013, na fase de maior maturidade, tinham decretado que esse sistema estava podre e agora está se mostrando isso no plano judiciário.

Agora, a questão é: se isso não for preenchido por uma mobilização democrática e independente, não vai adiantar nada, porque em contrapartida, isso pode ser preenchido também de maneira reacionária.

Para quem está preocupado com a democracia, o maior perigo é que a maioria dos intelectuais e da esquerda fique paralisada pela renovação de uma polarização que além de ser falsa, é um puro produto de marketing, esse também pago pelas empreiteiras.

Qual é a argumentação do governismo diante da Lava Jato? Por um lado, dizer que todo o mundo faz (até chegar a essa campanha rasteira do FHC com a amante e tal), como se isso justificasse alguma coisa. Pelo outro, dizendo que é moralismo. Mas, o que fizeram contra a Marina em outubro de 2014 não foi uma campanha moralista e infame?

IHU On-Line – Parte da militância do PT e do partido já assumiu o discurso de que essa nova fase da Operação Lava Jato é uma tentativa de atingir o PT e alguns afirmaram ainda que trata-se de uma ilegalidade e ofensiva contra o ex-presidente, ou ainda que é uma reação da Polícia Federal à troca do Ministro da Justiça.

Giuseppe Cocco – Toda manifestação é legal e legítima (contrariamente ao que quer a lei antiterrorismo que a presidente mandou votar em regime de urgência e até um editorial da Folha de São Paulo definiu como um retrocesso absurdo), mas esse tipo de discurso, se ele funcionar à esquerda, manterá a passividade e a impossibilidade de a esquerda assumir um discurso positivo e a levará para o mesmo buraco do PT. Espero que não funcione, porque é um discurso falso e mentiroso: um mero produto do cinismo e do marketing; isso que é corrupção!

O que é grave (politicamente e não moralmente) é que o Lula está sendo interrogado por ter participado de um esquema de interesse do grande capital nacional e não por ter radicalizado a reforma agrária, aumentado o Bolsa Família ou demarcado as terras indígenas. Está sendo interrogado por ter alimentado com isso uma campanha eleitoral pelos interesses das empreiteiras e por fora até do caixa 2, por ter feito um ajuste recessivo no ano passado junto com a Dilma, que levou a milhões de desempregados depois de cortar o seguro desemprego, que levou à quebra da Petrobras até tornar sua privatização inevitável (aliás, os trabalhadores da Petrobras derrotaram na eleição sindical a chapa governista).

Isso é grave e a esquerda não pode defender isso; quanto mais ela defende isso, menos ela terá capacidade de resgatar um dia o legado positivo de algumas ações positivas que o PT fez nos primeiros anos do seu governo e do que o PT era para o mundo antes de chegar ao governo.

IHU On-Line – Os desdobramentos da Operação Lava Jato tendem a acirrar a crise política ou elas podem contribuir para que a crise se resolva?

Giuseppe Cocco – A crise econômica é grave e o mercado aposta no fato de que a Operação Lava Jato possa levar a uma saída, porque a agonia do governo do PT se transformou na paralisia das políticas econômicas, do funcionamento do Estado e dos investimentos e agravando a recessão, destruindo a confiança, ou seja a moeda - por isso que ficamos com taxas de juros enormes e também altíssima inflação, Estados – como o Rio de Janeiro -,  falidos. É por isso que o dólar cai, a Bolsa sobe, porque essa crise política está impedindo uma saída.

A questão é que quanto mais a crise procura uma saída, mais ela vai se agravando, e essa saída é objeto de uma disputa. A democracia e o urgente aprofundamento das políticas de construção dos direitos devem reencontrar sua autonomia.

IHU On-Line – Segundo a coletiva dos representantes da Polícia Federal, essa nova fase da Operação Lava Jato está investigando recursos vindos das cinco maiores empreiteiras do país para a empresa LILS Palestras e Eventos Ltda e o Instituto Lula. O que essa investigação demonstra em relação à crítica que tem sido feita aos governos petistas e sua relação com as empreiteiras no país?

Giuseppe Cocco – A investigação transforma em termos judiciários o que poderia ser uma crítica política, por exemplo quando o Lula embarcava no jatinho da OAS para ir defender a construção de estradas no Território Indígena Parque Nacional Isiboro Secure - Tipnis, na Bolívia. O que ele iria fazer lá? Uma revolução? Uma reforma radical? Não, ele virou um garoto propaganda desse projeto de um Brasil Maior e das grandes empreiteiras.

O que a esquerda deveria fazer era se reinventar, retomar a crítica ao Brasil Maior e colocar a questão da democracia, da reforma do sistema partidário, sugerindo que todos os membros do Estado, desde os ministros até os delegados, sejam eleitos e ao mesmo tempo eliminar todos os cargos de confiança, levantar a questão do meio ambiente etc.

A esquerda tem que lutar pela democracia e não insistir em símbolos que se esgotaram. O PT teve a oportunidade de se desligar desse sistema nas manifestações de junho de 2013, mas optou por desqualificar as manifestações, chamando os manifestantes de “coxinhas”.

IHU On-Line – Como os desdobramentos da Lava Jato devem repercutir nas manifestações previstas para o dia 13 de março?

Giuseppe Cocco – A impressão que tenho é que muitas pessoas participarão dessa manifestação. Contudo, a indignação vai ficar atravessada por setores da extrema direita e é o PT que desejou isso para poder polarizar. Nós precisamos pensar não na Aletheia, mas na Parresia: na coragem da verdade, em ousar não apenas saber, mas também saber ousar, colocar tudo isso na perspectiva das práticas de inovação da democracia.

Por Patricia Fachin 

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