Futebol no horário nobre. Entrevista especial com Édison Luis Gastaldo

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18 Janeiro 2011

“Os chamados cartolas, os presidentes dos clubes, os dirigentes, são resquícios do que há das elites brasileiras que fundaram os clubes no final do século XIX”, explica o professor Édison Gastaldo, na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. Além disso, analisou o perfil dos cartolas e dirigentes de clubes no país, responsáveis pelas negociações milionárias de novos jogadores. Ronaldinho Gaúcho que o diga. Assis, seu irmão e empresário, tornou o período mais “chato” para os esportes momento em que os grandes campeonatos ainda não começaram um dos mais emocionantes quando leiloou o passe do jogador. Contatou Palmeiras, Grêmio e Flamengo e flertou com Corinthians, até que o rubro-negro carioca foi o último a se manter no páreo das exigências do negociador. Gastaldo analisa o que todo esse episódio significou para o futebol brasileiro. “O jornalismo, portanto, fomenta a novela e tem quer estar ciente da responsabilidade do que está anunciando”, opina.

Édison Luis Gastaldo é antropólogo e professor no Departamento de Letras e Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que a novela Ronaldinho significa para o futebol brasileiro?

Édison Gastaldo – Acho que o principal ingrediente da novela Ronaldinho é que essa tem enredo, tem vários protagonistas. O pessoal está brincando que parece o filme “Sexo, amor e traição”; fica aquela coisa: uma hora ele é de um time, outra hora ele é de outro. Fez-se um leilão, digamos assim, do Ronaldinho, o que para o jogador não é muito bom. Aconteceu uma coisa parecida com o Ronaldo Nazário. Quando este estava lesionado e voltou da Itália, treinou e fez toda a recuperação física no Flamengo. Quando estava no
ponto de voltar a jogar, o Corinthians o contratou. O Flamengo ficou magoado, a torcida do Flamengo não perdoa o Ronaldo Nazário, chamam-no de traidor.

 
 Ronaldinho e o irmão e empresário Assis
A torcida do Grêmio certamente vai hostilizar o Ronaldinho Gaúcho quando jogar Grêmio e Flamengo no Olímpico, por exemplo. Já é uma história com desdobramentos previsíveis. O Ronaldinho saiu do Grêmio diante de uma situação muito complicada, ele era como se fosse o Alexandre Pato no Inter, ou seja, o clube revelou um grande talento. E o que o Ronaldinho e o Assis fizeram? Encontraram uma brecha e abandonaram o Grêmio, foram direto para o Paris Saint-Germain, sem deixar um centavo no clube; ele simplesmente fugiu do Grêmio.

Lembro que eu estava no jogo Brasil e Paraguai pelas eliminatórias da Copa de 2006 e quando o Ronaldinho Gaúcho entrou em campo a torcida do Inter, o jogo foi no Beira-Rio, saudou o então jogador da seleção brasileira, mas lembrando, de alguma forma, que ele tinha prejudicado o Grêmio. Com tudo isso, o Assis ainda marca uma entrevista apenas para o Ronaldinho dizer: “O Grêmio foi onde eu me criei, o Palmeiras tem o Felipão e o Flamengo tem a maior torcida do país, então qualquer um dos três vai estar bom”. Não se marca uma coletiva para dizer isso, para dizer nada. Assis promoveu midiaticamente essa novela.

O interessante, nesse caso do Ronaldinho, é vermos de que maneira os sentidos sobre a honra, a dignidade, o empenho da palavra, sobre a traição são articulados. São representações de vários elementos profundos na cultura brasileira que vêm à tona. Desta forma, a direção do Grêmio teria sido traída porque já estava comemorando, já estava fazendo brindes, estava praticamente certo e, de repente, o Ronaldinho assina com outro clube. Enquanto a reação das pessoas a essa novela ficar no plano da brincadeira, está tudo bem. O mundo do futebol é assim, uma gangorra. Enquanto isso ficar na brincadeira e todo mundo estiver rindo disso, estará tudo bem. O problema é quando esse tipo de evento gera reação de intolerância e radicalismo do tipo agredir o jogador ou alguma coisa assim.

IHU On-Line – Houve, por parte da imprensa e dos torcedores, a hostilização da família Assis. Como o senhor vê isso?

Édison Gastaldo – Isso é ação criminal, isso é caso de polícia. O que a família do Assis tem a ver com isso? Nada, a não ser que talvez se vá ganhar um pouco do dinheiro, do muito dinheiro que o Ronaldinho receberá no Flamengo, mas isso é problema deles. Enquanto esse tema evoca coisas e assuntos para as pessoas conversarem no seu dia a dia, conversar no táxi, no bar e nas ruas, nos escritórios, ok. Futebol cumpre um tanto esse papel de ser um tema favorito para conversação. Esse assunto ainda vai dar muito “pano pra manga”, é o assunto favorito para os colunistas esportivos falarem no jornal pelos próximos meses. No entanto, quando a reação desse fenômeno descamba para a violência, acho que aí mudamos de editoria. Sai da página de esportes e vai para a editoria policial. Acho que é caso de segurança pública mesmo e tem que ter políticas para prevenir e evitar esse tipo de coisa.
    
IHU On-Line Como o senhor avalia o papel da imprensa nesse caso?

 
Ronaldinho, já com a camisa do Flamengo, e Patricia Amorim, presidente do clube
Édison Gastaldo – Acho que a imprensa certamente se beneficia do ocorrido. Ela, inclusive, fomenta e valoriza. Porque, para o jornalista que trabalha na editoria de esportes, janeiro é um mês morto, não tem um campeonato acontecendo, a única coisa que tem é a Copa São Paulo de Juniores que revela futuros talentos. Ali se encontra quem vai ser o genial jogador dos próximos anos. Mas não é o futebol oficial que todo mundo quer, o Campeonato Brasileiro, Campeonato Carioca, Gaúcho, enfim. Essa temporada só começa no fim do mês. Então, como é que o jornalista enche as muitas páginas que ele dispõe para falar de esportes todos os dias? Com o que puder. E nessa época o que acontece, quais são as notícias? Compra e venda de jogadores. Essa é a notícia.

A cobertura de transferência do Ronaldinho ganhou uma dimensão épica, vamos dizer assim, ou burlesca, trágica. O caso é que a imprensa ganha com isso, pois vende muito jornal, ganha muita audiência, as pessoas ficam interessadas pelo assunto. Onde é que entra a responsabilidade do jornalista nisso? É no seu discurso de não promover a violência, de não incitar a reação violenta, de levar sempre para o lado de que o futebol é uma brincadeira, um jogo, nada realmente sério. Porque o Ronaldinho vai para o Flamengo ou para o Barcelona ou para o Milan, ou para qualquer time que ele quiser jogar, e não vamos ganhar um tostão com isso. Mas como as pessoas lidam com isso é, numa certa medida, influenciado pelo discurso jornalístico. Se o jornalista vai lá no espaço discursivo que ele tem na página do jornal e diz: “Ronaldinho não pode mais pisar em Porto Alegre”, “Ronaldinho onde estiver vai ser atacado por torcedores gremistas”. Isso não é notícia. Torcedores mais exaltados podem se impressionar com esse tipo de coisa, recortam a página de jornal, colam no espelho e olham para aquela notícia todos os dias. O jornalismo, portanto, fomenta a novela e tem quer estar ciente da responsabilidade do que está anunciando.
 
IHU On-Line – E que exemplo deram os clubes brasileiros nesse leilão pelo jogador?

Édison Gastaldo – Os clubes não podem obrigar o jogador a assinar com eles. Na verdade, o grande vilão por trás dessa coisa toda é o Assis, o irmão do Ronaldinho. Ele ficou fomentando esse leilão, até o Corinthians foi assediado momentos antes ainda de assinar com o Flamengo, quando Assis propôs abrir negociações no instante em que Grêmio e Palmeiras desistiram do negócio. Ele abriu negociações com várias pessoas ao mesmo tempo e o mais esperado quando você negocia com um clube é que outros não entram no acerto. É uma maneira muito complicada de se fazer negócio, você arranja inimigos com o tipo de atitude que Assis tomou. Os clubes estão do lado deles, querem contratar o melhor jogador para o seu plantel. O Ronaldinho é inegavelmente um bom jogador, embora acredite que ele já esteja longe do seu apogeu, é um jogador de fim de carreira, propenso a problemas físicos como aconteceu com o Ronaldo.

IHU On-Line – Qual o perfil dos cartolas no futebol do país? Quando eles assumiram posição central nas negociações?

Édison Gastaldo – Os chamados cartolas, os presidentes dos clubes, os dirigentes, são resquícios do que ha das elites brasileiras que fundaram os clubes no final do século XIX. Quando começou o futebol, ele era praticado por pessoas das elites e com o avanço da popularização desse esporte essas elites se retraíram e saíram de campo. Com isso, foram galgando posições dentro dos clubes e instituições. Se você for ver os principais clubes brasileiros são governados há décadas por linhagens de famílias ditas “importantes”. Os dirigentes de futebol no Brasil são muito amadores, eles se envolvem muito afetivamente com o negócio. O futebol é uma coisa complicada porque tem paixão relacionada ao negócio, por isso é diferente de um executivo de uma empresa. A empresa que está disputando posição no mercado não vai ser rebaixada para a segunda divisão se vender menos esse ano, o futebol é um jogo e jogo envolve paixão. Por isso, podemos definir que os dirigentes são muito passionais.

Com isso, se torna difícil o estabelecimento de um mercado mais profissional de compra e venda de jogadores. Profissionalizar a gestão do futebol é bom para o esporte no Brasil. No caso do Rio Grande do Sul, creio que está indo bem, o Inter e o Grêmio estão bem administrados. O Grêmio fez uma campanha extraordinária no ano passado, sou colorado, mas reconheço isso, o segundo turno do Grêmio foi extraordinário. O Inter teve aquele tombo no final do ano, mas ganhou uma Libertadores, então tem um grande ano pela frente.

IHU On-Line – Estamos, de fato, num momento de politização e elitização do futebol?

Édison Gastaldo – Não. O caso do Ronaldinho é um caso de crime passional, é uma coisa muito mais da ordem da honra e do empenho da palavra, quem tem palavra e quem não tem... Não vi nenhum processo político, nenhuma tentativa de transformar a estrutura do futebol, não tem uma saída política para esse caso do Ronaldinho. Simplesmente o Assis, que é um empresário oportunista, se deu bem a partir de um tipo de negociação que não é comum no nosso país.

Já a elitização é um processo em curso sim. A Copa de 2014 no Brasil vai trazer consequências nesse sentido, porque todos os principais estádios vão ter que ser remodelados dentro dos padrões da FIFA, e esses padrões são para menos pessoas e isso torna os ingressos mais caros. Isso fatalmente vai fazer do futebol uma alternativa de lazer para as elites, como são, atualmente, os teatros e cinemas. Você vai comprar a sua entrada, a entrada vai ser o número “Z14”, você senta no seu lugar marcado e assiste a uma espetacularização pelo futebol produzido pela FIFA no mundo inteiro. A política da FIFA é para que seus estádios sejam assim, voltados para um perfil de público europeu. Isso vai naturalmente produzir uma elitização do futebol do Brasil a partir de 2014, as arquibancadas e as gerais [setor popular existente em alguns estádios] vão deixar de existir e as principais cidades onde têm estádios de futebol vão assistir a essa transformação.

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