O "caminho chinês". A contribuição da China para o mundo. Entrevista especial com Nicolas Standaert

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27 Junho 2008

Enquanto a China tenta retomar o seu papel no mundo, antes apagado pelo isolamento a qual se submeteu, o mundo aguarda a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. Para alguns, trata-se de mais um evento esportivo, mas para a China significa sua entrada no mundo. Para Nicolas Standaert, é preciso compreender a história da China para entendermos seu desenvolvimento e seu grande crescimento nos últimos anos. “A China tinha uma estrutura econômica, política e cultural muito aperfeiçoada. No meio do século XIX, entretanto, o mundo mudou, com a Revolução Francesa, com as guerras napoleônicas, com a industrialização, com a iluminação, com o estabelecimento de universidades modernas etc., que ocorreram na Europa”, afirma Standaert em entrevista à IHU On-Line, realizada por e-mail.

Nicolas Standaert é um padre jesuíta e professor da Faculteit Letteren, na Bélgica. Suas pesquisas sobre a China procuram entender os contatos interculturais feitos entre a China e o resto do mundo.

A revista IHU On-Line, edição no. 186, de 26-06-2006, cujo tema de capa é Jesuítas, Quem são?, publicou uma entrevista com Nicolas Standaert sobre Matteo Ricci. A edição está disponível nesta página em word e pdf.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a contribuição da cultura chinesa para o mundo hoje?

Nicolas Standaert – Uma boa maneira de compreender a posição atual da China é olhá-la a partir de uma perspectiva histórica mais longa. Quando o rei britânico quis estabelecer relações diplomáticas e comerciais iguais com a China em 1793, o imperador chinês recusou tal relacionamento com o argumento que China não teria nenhuma necessidade em relação aos bens europeus. A China tinha uma estrutura econômica, política e cultural muito aperfeiçoada. No meio do século XIX, entretanto, o mundo mudou, com a Revolução Francesa, com as guerras napoleônicas, com a industrialização, com a iluminação, com o estabelecimento de universidades modernas etc., que ocorreram na Europa. Entre 1839 e 1842, com a Guerra do Ópio, quando a Inglaterra declarou guerra à China, os ingleses conduziram esse país a acordos de humilhação, à imposição do mundo moderno e ao colapso do sistema imperial em 1911. Em 1949, a China recuperou um pouco da sua identidade, mas expulsou os estrangeiros e se isolou completamente por aproximadamente 30 anos. Desde 1978, isto mudou, e a China tem recuperado gradualmente seu lugar, com um papel político e econômico importante, no mundo. Hoje, não apenas os grandes empresários estrangeiros vão à China, mas os empresários chineses também vão ao exterior, em lugares antes inimagináveis para eles, como a América Latina. Com a economia igualmente em desenvolvimento, agora o comércio tem um novo estilo, o “caminho” chinês, baseado nas características chinesas. É assim que a cultura chinesa está contribuindo para o mundo.

IHU On-Line – O terremoto que ocorreu em China há algumas semanas foi muito sério e chocou o mundo inteiro. Como o senhor analisa a forma como um país tão fechado como China trabalha com estas questões que mexem com o emocional popular, tanto quanto de seu povo quanto de todo do mundo?

Nicolas Standaert – Tradicionalmente, os terremotos são na China uma predição de mudança de um regime, ou seja, um sinal do céu que já não está feliz com a estrutura política. Em julho de 1976, houve um terremoto devastador que matou mais de 242 mil pessoas e, em setembro daquele ano, Mao Zedong [1] morreu. Naturalmente, não podemos simplesmente tomar o terremoto atual como uma predição, mas certamente é um teste muito sério para o atual regime, pois precisa provar a sua eficácia, porque mais de 70 mil pessoas morreram e muitos milhões de pessoas perderam suas casas. O emocional popular foi atingido provavelmente porque houve muito esforço dos líderes para resolver os problemas e houve, também, mais abertura para os jornalistas internacionais do que em outras ocasiões.

IHU On-Line – Que significado as Olimpíadas têm para o povo chinês?

Nicolas Standaert – Os Jogos Olímpicos de 2008 [2] são muito importantes para a China e para os chineses. Após um século e meio de humilhações, podemos considerá-los “a entrada da China no mundo”. A China espera realmente provar, sediando esta Olimpíada, que é um Estado moderno no mundo e deve ser respeitada por todos os outros países. A maioria dos chineses são muito orgulhosos e querem mostrar o sucesso de seu país. Não devemos esquecer que essas Olimpíadas podem dar um impulso importante para o país, como aconteceu com a Espanha e com a Coréia.

IHU On-Line – Quais são as possibilidades e os limites da economia chinesa?

Nicolas Standaert – As oportunidades econômicas são enormes na China. Com um mercado de mais de 1.300 bilhão de pessoas, o crescimento econômico subiu em torno de 9% nos últimos 20 anos. Você sabia que, nesse momento, o número de carros por pessoa é o mesmo que nos Estados Unidos no ano de 1913? Isso mostra em que linha a China está andando. Imagine se todo chinês tivesse um carro.

Tradicionalmente, toda a instituição religiosa na China cai sob o controle do Estado. Primeiramente, é preciso ser leal ao imperador e só então será possível venerar um outro deus dentro de um controle público dominado. Essa característica pode ser ainda percebida na China de hoje, onde a ideologia ateísta marxista predomina. Isto explica o motivo pelo qual o estado chinês tentar manter todas as instituições religiosas sob o seu controle.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a forma como a China tem trabalhado a questão do conflito com o Tibete?

Nicolas Standaert – O conflito no Tibete diz muito sobre o conceito de um estado moderno: o relacionamento com o Tibete tem pelo menos 500 anos, mas somente nos anos 1950 ele foi integrado ao estado chinês moderno. O grande desafio hoje é como ambos os lados encontrarão uma forma autônoma dentro de uma estrutura maior.

IHU On-Line – Qual é o significado da figura de Dalai Lama [3] para China e o Tibet?

Nicolas Standaert – Para muitos tibetanos, Dalai Lama é um homem espiritual e, ao mesmo tempo, um líder político. Para as autoridades chinesas, Dalai Lama é um líder político que foge às regras do país e cujo movimento significa quebra a unidade do país.

IHU On-Line – Qual é a relação de China com o Vaticano?

Nicolas Standaert – Atualmente, não há relação oficial entre o Vaticano e o governo da China, mas o Vaticano reconhece a República Popular da China. Há, entretanto, alguns contatos informais entre a República Popular da China e o Vaticano que, em aprofundamento, pode conduzir às relações diplomáticas.

IHU On-Line – Qual é a possibilidade e a viabilidade de o Papa visitar a China?

Nicolas Standaert – É muito difícil prever tal visita. As possibilidades de que essa visita ocorra serão maiores depois de serem estabelecidos os relacionamentos diplomáticos, mas ninguém sabe quando os últimos contatos foram feitos. Houve uma iniciativa por parte do Papa Bento XVI: no ano passado, ele escreveu uma carta aos cristãos chineses, para incentivá-los para a unidade e reconciliação. Não só os chineses cristãos, mas o próprio governo chinês recebeu muito bem a carta, mas ainda há um grande caminho a percorrer.

Notas:
[1] Mao Zedong, pela transliteração pinyin (método chinês para transcrever no alfabeto latino o dialeto mandarim), mais conhecido com Mao Tsé-Tung, foi um teórico marxista, político, revolucionário, poeta e governante comunista da China entre 1954 e 1976. Foi soldado na revolução contra a dinastia Manchu, em 1911. Participou do Movimento Quatro de Maio contra a entrega ao Japão de regiões chinesas que haviam estado em poder da Alemanha e, em 1921, participou da fundação do Partido Comunista Chinês. Em 1954, após a promulgação da nova Constituição, Mao Tsé-Tung foi reconduzido à presidência da República, iniciando a transição socialista que fez da China a terceira potência mundial, atrás dos Estados Unidos e da URSS.

[2] Os Jogos Olímpicos de 2008 ocorrerão de 8 a 24 de agosto em Pequim, na China.

[3] O Dalai Lama, ao longo do tempo, tornou-se o líder político do Tibete, onde política e religião fundiram-se em um Estado teocrático. Na verdade, ele é um monge e lama, reconhecido por todas as escolas do Budismo tibetano. Atualmente, Tenzin Gyatso, é o atual  Dalai Lama. Considerado a reencarnação do Bodhisattva da Compaixão, Tenzin Gyatso é monge e doutor em filosofia Gorgon, recebeu o Prêmio Nobel da Paz e foi agraciado com mais de 100 títulos honoris causa.

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