05 Abril 2024
A opinião é de José Luis Pinilla, jesuíta, publicada por Religión Digital, 04-04-2024.
Levanto a minha voz com os meus companheiros jesuítas e com os de tantas pessoas boas pela tragédia e horror em Gaza, perante os quais é indigno resignar-se ao silêncio. Manifestação, assinatura e gritos e outras ações multiplicadoras são pronunciamentos para optar pela libertação e ressurreição das vítimas.
Li a notícia em vários meios de comunicação e em alguns é acompanhada por uma fotografia chocante de um homem horrorizado com o cadáver de uma criança nas mãos após um ataque israelense na guerra de Gaza.
Foto: Religión Digital
A imagem faz-me lembrar a que deu a volta ao mundo de um agente turco que carregava nos braços a criança Aylan Kurdy, cujo cadáver foi devolvido pelo mar e depositado de bruços na areia, na costa turca, antes de o agente de segurança o carregar nos braços. Imagens que na época rodaram o mundo, tornando a grande crise humanitária síria visível na primeira página.
Ainda estamos à espera de mais um cadáver icônico que comova todas as consciências do mundo perante a crise e o horror dos refugiados em Gaza? Que uma imagem vale mais do que mil palavras, ou – neste caso – mais de mil repetições da mesma notícia.
Gaza, a Gaza martirizada, lembrou precisamente o menino Aylan em suas margens em 2015, retratando sua imagem com uma estátua de areia do menino prostrado na praia.
Foto: Religión Digital
A sensibilidade do Papa Francisco levou-o a entregar à Agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em outubro de 2017, uma estátua de mármore que reflete aquela cena em que o agente turco foi aliviado de um anjo com um grito de partir o coração. Um anjo com asas, também tirando "sua alma" (se os anjos tiverem uma). E em mármore. Para que o grito de tantos pais e filhos refugiados que sofrem e morrem permaneça e fique gravado nas profundezas da alma. Impotência diante de tanta desumanidade evidenciada pelos maus-tratos aos migrantes. Uma memória e uma história, a de Aylan, que o Papa transformou numa estátua com o desejo de um paradigma e permanência ao longo do tempo.
Mais de 1,5 milhão de refugiados palestinos da Faixa de Gaza. Numa guerra que "é uma guerra contra as crianças. É uma guerra contra seus filhos e seu futuro", como disse a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina.
Três impactos em um: o choro do anjo, uma criança migrante morta e na FAO, sede para promover ações contra a fome. Porque também é "escandaloso que ninguém tenha sido capaz de garantir que os moradores de Gaza tenham o suficiente para comer", diz o comunicado dos jesuítas.
Foto: Religión Digital
Uma indignação que leva muitos de nós a comprometermo-nos na Igreja (por tantos) e na sociedade civil (por tantos e tantos, e tantos!) que não só protestam contra a morte, mas "também perante as vidas extintas onde há centenas de milhares de vidas arruinadas, feridas, desabrigadas e agora famintas".
Compromissos lembrados por aquela morte infantil, como tantos outros que ainda tremem porque são um impulso comprometedor para com as vítimas que morreram em vida. Em Gaza e nas muitas "Gazas escondidas". Muitas vítimas não receberam abraços antes de morrer. Nem depois. Sim, ele recebeu o último abraço que recebeu de Aylan – já morto! – nos braços do soldado, vivo, que o pega. Ou nos braços já frios no Anjo da escultura. Frio, mas eterno quando recebemos o calor de Deus.
Não importa que a indignação em fotos, vídeos ou esculturas seja acompanhada pelo grito como uma lágrima da alma. O choro de um anjo, mesmo que seja em mármore, mostra que os anjos também choram!
Foto: Religión Digital
Mas eu pergunto: é o anjo com as asas que pega a criança, ou é a própria criança cadáver na praia? O anjo da estátua que pega o cadáver da criança pode ser o anjo "ferozmente humano" de que fala Blas de Otero. (Isto é ser homem: horror com as mãos cheias / Ser – e não ser – eterno, fugitivo. / Anjo com grandes asas de correntes!) Enquanto o anjinho caído, Aylan, como tantas crianças mortas em Gaza, colocamo-nos ao lado de Deus (para os de tradição cristã e também para os de tradição muçulmana). Um menino já morto, beijando a terra e chorando pelos pais. E para toda a humanidade. E, ao mesmo tempo, acolhido pelo abraço de Deus humanizado em Cristo.
Para ser embalada no mar, as ondas que você foi ver! E que nos devolvam. Para colecioná-lo em mil faces. Para te abraçar. E elevá-lo. E elevá-los. E nem sempre ficam no limite da vida. Com aqueles que querem recebê-los em tantas margens periféricas do mundo. E na esteira desse abraço, encontre-se nos pobres do mar profundo ou das terras que os jogam fora. E chorar convosco, convosco, à espera da consolação eterna do Deus que enxuga toda lágrima vencendo a morte. Aquela que abraçamos toda vez que unimos fé com justiça. E assim ressuscitamos.
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Levanto a voz com os meus companheiros jesuítas e com os de tanta gente boa pela tragédia e horror em Gaza: é indigno resignar-se ao silêncio. Artigo de José Luis Pinilla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU