14 Março 2024
A coragem da negociação, a coragem da rendição. O pedido dirigido à Ucrânia pelo Papa Francisco para dar o primeiro passo para abrir negociações de paz com o Kremlin produziu, em primeira instância, um isolamento diplomático da Santa Sé em nível europeu.
A reportagem é de Francisco Peloso, publicada por Domani, 13-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
E não só porque o governo Zelensky convocou o núncio apostólico em Kiev na segunda-feira para certificar-lhe a perplexidade e os protestos das autoridades ucranianas pelas palavras proferidas por Francisco, mas também pela tomada de posição crítica assumida em relação a Bergoglio de vários governos europeus, a começar pelo chanceler alemão Olaf Scholz, que aliás visitou o pontífice apenas alguns dias atrás e é considerado um defensor leal da Ucrânia, mas não muito inclinado a continuar o conflito indefinidamente.
No entanto, Scholz disse em Berlim na segunda-feira, respondendo aos jornalistas: “No que diz respeito à guerra da agressão russa contra a Ucrânia, a posição da Alemanha é muito clara": Kiev "tem o direito de se defender e pode contar com o nosso apoio nesse sentido, com muitas opções”; o chanceler estava respondendo a uma pergunta sobre qual seria sua reação “às afirmações do Papa”. Para evitar dúvidas, Scholz acrescentou: “Estamos na linha de frente quando se trata de dimensão e qualidade do fornecimento de armas que prestamos. Isso também é justo e é por isso que, naturalmente, não concordo com a posição citada."
Resta o fato – e aqui reside pelo menos parte do furor causado pela intervenção de Francisco – que ninguém na Europa ou nos EUA (envolvidos no desafio entre Biden e Trump pela Casa Branca), é hoje capaz de prever a duração do conflito, os seus custos e, acima de tudo, qual é o ponto final: se a reconquista de todo o território ucraniano, incluindo a Crimeia, se o status quo que existia até fevereiro de 2022, quando começou a invasão russa, ou se será necessário negociar com Moscou novas fronteiras cedendo pedaços de território, talvez ainda mais simbólicos do que substanciais.
Em tudo isso, a esperada queda do regime de Putin parece longe de acontecer.
Nesse sentido, aliás, também parece ter sofrido um golpe quase definitivo a missão de paz confiada por Francisco a Matteo Zuppi, presidente dos bispos italianos. Zuppi havia se movimentado com certa desenvoltura nos últimos meses entre Kiev e Moscou, Washington e Pequim; no entanto, ele não tinha conseguido alcançar resultados concretos em termos de possível mediação em relação ao conflito.
Mesmo assim, parecia que, no lado humanitário, algum progresso poderia ser alcançado como prelúdio ao início de um sucessivo diálogo entre Kiev e Moscou, no qual talvez a Santa Sé também poderia desempenhar um papel. Em particular, o Vaticano poderia se empenhar para resolver o destino das crianças arrancadas de suas famílias pelo exército russo.
Trata-se de pelo menos algumas dezenas de milhares de crianças e adolescentes deportados para a Rússia para serem 'reeducadas'; por essa razão, entre outras coisas, foi emitido um mandado de prisão pelo tribunal criminal internacional contra Putin e Maria Lvova-Belova, a comissária russa para os direitos humanos crianças.
A esperança era precisamente que a neutralidade concebida pelo Papa para manter aberta uma linha de ligação com Moscou poderia facilitar a negociação pelo menos nesse ponto, mas até agora nada de significativo parece ter acontecido. Além disso, não se deve esquecer que a russificação dos territórios colocados sob o seu controle militar faz parte da política de Moscou em relação à Ucrânia. O espaço diplomático da Santa Sé diminuiu ainda mais?
É difícil dar uma resposta definitiva num cenário tão complexo, mas se algum cardeal tece a teia e depois o papa a desfaz – ainda que para dar um sinal de abertura numa situação que parece demasiado fechada – tudo se torna extremamente complicado.
É claro que uma visita do Papa à Ucrânia, onde foi repetidamente convidado a ir pelas autoridades civis e religiosas do país, mudaria radicalmente a situação.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A diplomacia do Vaticano encurralada. A crise da missão de paz da Zuppi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU