13 Março 2024
"Um porta-voz seria útil [ao Papa Francisco]: poderia colocar ordem entre os documentos, as entrevistas anteriores ou as declarações; saberia fazer as conexões e as demonstrações, extrair as “coisas velhas e as coisas novas”, escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 12-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Se eu pudesse me permitir, como jornalista, um conselho ao Papa Francisco, eu lhe diria: “nomeie um porta-voz”, porque é importante. Francisco não pode prescindir – na minha opinião – das entrevistas, caso contrário desistiria de conversar com os seus contemporâneos, conosco. Mas as entrevistas não são discursos. Nas entrevistas se responde a perguntas, não se leem documentos já prontos.
O professor Daniele Menozzi teve o cuidado de lembrar no Settimana News, que o Papa, a uma pergunta sobre a Ucrânia, respondeu verbalmente e imediatamente, não leu um discurso. Pelo que leu havia lido na hora, isso não tinha ficado claro.
Para compreender uma entrevista é importante partir da pergunta e não de imediato da resposta, como acontece com quem ouve uma entrevista quando é transmitida na íntegra.
A pergunta era essa: “Na Ucrânia há quem peça a coragem da rendição, da bandeira branca. Mas outros dizem que assim se legitimaria o mais forte. O que pensa?". Respondendo, Francisco falou sobre o que lhe foi perguntado, repetindo os termos da pergunta.
Ora, a meu ver, são evidentes no texto transcrito os passos “lógicos” operados mentalmente por Francisco: como pode se comportar - um sujeito genérico - que se sente derrotado e que valor pode assumir a expressão “bandeira branca”, o que, para ele, assumiu o significado de negociação – “coragem de negociar” – enquanto, para outros, significou rendição. A resposta devia ser depois referida à Ucrânia.
Francisco respondeu, portanto, indicando o caminho da negociação – hoje – que não teria sido possível – como esperado, a seu tempo, por alguns que equipararam o fogo defensivo e o ofensivo – se anteriormente tivesse havido uma rendição. Portanto, em essência, ele reiterou a validade da escolha de resistência, sem a qual a Ucrânia, hoje, não poderia negociar coisa alguma.
Na minha opinião, Francisco falou com consciência da dificuldade ucraniana: o desequilíbrio numérico que torna problemático conseguir a retomada total da soberania do Estado anterior a 24 de fevereiro de 2022. A negociação seria sobre essa realidade factual, ou não?
Francisco certamente não se referiu a uma rendição incondicional, nem a uma capitulação. Para mim, está claro.
Surpreende-me que essa minha interpretação - talvez não inteiramente acertada, mas que, no entanto, não pode estar muito longe da "verdade" - tenha sido tornada impossível por quase todos as mídias, pela omissão decisiva da pergunta, apresentando a resposta como uma declaração isolada. A diferença deveria ser evidente.
Infelizmente – quando o Papa está envolvido – as entrevistas são tomadas como “encíclicas”. Neste caso específico, portanto, o papa teria silenciado, em seu “magistério”, as indubitáveis culpas de Moscou, ponto não levantado pelo entrevistador. No entanto, convém recordar quantas vezes ele falou da Ucrânia “martirizada”.
Em última análise - ouvindo e lendo atentamente - pareceu-me que o Papa pretendia reiterar o seu pensamento sobre a guerra e a paz, centrando-se no direito de defesa, indispensável segundo o critério tradicional da proporcionalidade e da busca do bem maior ou, pelo menos, do mal menor.
Pelo que resultou, deveríamos deduzir que este mundo está se transformando num estádio de torcedores, inscritos nessa ou naquela facção de ultras, quase como se a questão fosse: “o Papa está com a OTAN ou com os russos?”. Numa similar divisão de estádio, não vejo mais quem estaria se preocupando com a vida dos ucranianos, com o povo ucraniano, com o seu futuro.
As entrevistas do Papa são boas se nos ajudarem a ir além desses extremismos opostos, além das polarizações, além do branco e do preto.
O estilo coloquial de Francisco faz das suas entrevistas um diálogo com alguém, não da cátedra, porque, justamente, são feitas num tom coloquial, visando confraternizar com todos os homens e mulheres que vivem neste tempo tão ameaçador, e que não pedem, a cada oportunidade, um belo documento bem escrito: pedem um acompanhamento pessoal, um pouco de esperança, alguém que o ofereça, sem, no entanto, dispensar certezas.
Pois bem, um porta-voz seria útil: poderia colocar ordem entre os documentos, as entrevistas anteriores ou as declarações; saberia fazer as conexões e as demonstrações, extrair as “coisas velhas e as coisas novas”.
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A entrevista do Papa e a bandeira branca. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU