08 Março 2024
"Os testemunhos explicam a fórmula da terra arrasada. Visa tanto a memória, com a profanação em escala industrial dos cemitérios de Gaza, quanto o futuro, com a destruição das universidades da faixa e centenas de escolas", escreve em editorial o jornal francês Le Monde, 07-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cinco meses após o início da reação israelense ao massacre do Hamas de 7 de outubro de 2023, a faixa de terra palestina tornou-se em grande parte inabitável. É inútil invocar a solução de dois Estados se aquele território martirizado continua a ser um campo de ruínas. A “doutrina Dahiyé”, ou seja, o uso de uma força armada desproporcional pelo Estado israelense, é um legado da guerra que opôs o exército israelense ao Hezbollah no verão de 2006.
Referia-se à destruição de um bairro na periferia sul de Beirute, bastião da milícia xiita. Cinco meses após o início da reação israelense em Gaza aos massacres de civis pelos milicianos do Hamas em 7 de outubro de 2023, a análise das imagens de satélite mostra a sua aplicação metódica a quase todas as cidades da estreita faixa de terra. A liberdade dada ao poder de fogo tem como consequência a abolição da distinção entre alvos civis e militares.
O exército israelense atribui ao Hamas a responsabilidade pelo entrelaçamento das suas infraestruturas no tecido urbano de Gaza, um território onde a densidade populacional está entre os mais altos do mundo. O argumento tático é, no entanto, relativizado pelas declarações dos responsáveis israelenses que visam abertamente outro objetivo.
“Qualquer um que voltar aqui, caso voltar, vai encontrar uma terra arrasada. Nem casas, nem agricultura, nada. Não têm futuro”, dizia em 4 de novembro o coronel Yogev Bar-Shesht, um responsável da administração civil (na realidade, militar) encarregado dos territórios palestinos. Os testemunhos explicam a fórmula da terra arrasada. Visa tanto a memória, com a profanação em escala industrial dos cemitérios de Gaza, quanto o futuro, com a destruição das universidades da faixa e centenas de escolas.
Já em janeiro, a ONU considerava que nove décimos tinham sofrido “danos significativos”. E as devastações não pararam. Imagens de satélite mostram também os danos causados pelas operações do exército israelense às terras agrícolas sobre as quais também paira a ameaça da criação de uma zona tampão ao longo do território israelense. A frustração expressa pelos aliados ocidentais de Israel em relação às dificuldades de transporte das ajudas alimentares para um território ameaçado por uma carestia causada inteiramente pelo Estado israelense prefigura a batalha que deverá imperativamente ser enfrentada para reconstruir Gaza, quando os combates terminarem e os reféns ainda vivos forem libertados, um horizonte que infelizmente continua a estar distante. Ajuda e reconstrução andam de mãos dadas.
Ao contrário das cidades recentemente devastadas pelas operações militares no Oriente Médio, Gaza corre o risco de ficar sitiada. Sem uma pressão real sobre o Estado israelense, nenhuma verdadeira reconstrução poderá ser levada adiante numa Faixa de Gaza tornada em grande parte inabitável. Mas é inútil invocar a solução de dois estados se esse território martirizado continuar a ser um campo de ruínas.
Os esforços dos Estados Unidos e dos europeus, todos tentando desempenhar um papel nesse conflito, deveriam ter como prioridade a remoção dos obstáculos apresentados pelo Estado israelense. Nesse contexto trágico, o lançamento a partir dos aviões das ajudas alimentares efetuados pelos Estados Unidos e por outros países para responder à emergência, não deve ser considerado nada além de uma prova de impotência face à intransigência israelense ou de ausência de vontade.
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Gaza: a injustificável política de terra arrasada de Israel. Editorial do Le Monde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU