15 Fevereiro 2024
O novo presidente ultraliberal passou dos insultos durante a campanha eleitoral ao abraço com Bergoglio. A diplomacia do Vaticano atuou para evitar exacerbar os tons, também porque até o final do ano, Francisco gostaria de visitar o seu país de origem. Mas a crise política e social assola a Argentina e a Igreja também vai ao ataque.
A reportagem é de Francisco Peloso, publicada por Domani, 13-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cerca de uma hora de conversa entre o Papa Francisco e o presidente argentino Javier Milei: se há um parâmetro para avaliar a importância de um encontro diplomático no Vaticano é a duração da conversa com o pontífice e, desse ponto de vista, uma hora é um tempo importante, especialmente quando se considera que até poucos meses atrás o novo líder argentino lançava pesados insultos ao chefe da Igreja católica.
Claro, havia uma campanha eleitoral no meio, aquela vencida por Milei, e um país que estava e ainda está mergulhado numa crise econômica e social muito grave. E, no entanto, parecia quase inevitável que entre o ultraliberal Milei e o papa que apoia uma doutrina social centrada na solidariedade, a defesa do estado social, a ideia de que a partilha de bens vem antes do lucro individual, não poderia haver um fácil entendimento. De fato, o futuro presidente, durante a campanha eleitoral, definiu Bergoglio como um "personagem nefasto" com "afinidade com os comunistas assassinos", "imbecil" e "representantes do maligno na terra".
É preciso dizer que Francisco não ficou tão incomodado: depois da eleição de Milei cumprimentou o novo presidente, afirmou que na campanha eleitoral se usam termos e expressões fortes que ficam esquecidas após a votação; em suma, a Santa Sé enviou sinais de relaxamento. Que foram acompanhados por uma estratégia semelhante implementada por Milei e sua equipe seus conselheiros. Até porque se sabia que este ano, pela primeira vez desde que foi eleito ao trono papal em 2013, Bergoglio pretendia visitar seu país de origem.
Assim de Buenos Aires anteciparam os tempos e, no início de janeiro, o presidente mandou uma mensagem carta ao Papa convidando-o oficialmente a visitar o país. No texto da carta afirmava-se, entre as outras coisas, acreditar que a viagem do pontífice “trará pacificação e fraternidade de todos os argentinos ansiosos para superar as divisões atuais”.
Depois, muito rapidamente, houve a visita ao Vaticano entre domingo passado e segunda-feira; a ocasião do convite a Milei aos sagrados palácios foi a canonização da primeira santa argentina, Maria Antonia de San José de Paz y Figueroa, popularmente conhecida como "Mama Antula", viveu no século XVIII na época da expulsão da Companhia de Jesus do país, conhecida em Buenos Aires e outras regiões por ter difundido a prática dos exercícios espirituais inacianos, fundando casas de espiritualidade e difundindo o Evangelho entre as pessoas comuns.
Milei, portanto, chegou a Roma com uma grande comitiva e abraçou o Papa após a missa de canonização, falou a sós no encontro realizado no palácio apostólico durante o qual conseguiu explicar ao Papa o seu plano muito duro para dar um novo começo à economia argentina.
Sim, porque o novo inquilino da Casa Rosada, eleito pelos seus argumentos anticastas ultrapopulistas de um país desgastado e literalmente faminto, logo teve que se confrontar com as dificuldades do governo. Por último, viu naufragar o seu megaplano de transformação radical da Argentina, a famosa “ley Omnibus”, composta por 637 artigos (posteriormente reduzidos pela metade por uma primeira passagem na Câmara), onde se misturava um pouco de tudo, desde medidas econômicas a reformas institucionais, que não obteve os votos necessários no Parlamento.
O presidente se virou contra políticos corruptos, governadores locais, burocratas do Estado, a casta de parasitas, mentirosos e vigaristas que mantêm o país sob seu controle; no entanto, o seu partido, Libertad Avanza, é minoria tanto na Câmara como no Senado e sem acordo com a direita moderada de Maurício Macri dificilmente conseguirá aprovar pelo menos uma parte das reformas anunciadas.
Também por essa razão, Milei veio com um ramo de oliveira ao Vaticano: a consciência do crescente isolamento em que se encontra levou-o a atenuar, onde possível, os conflitos em curso.
Até porque se é verdade que no Vaticano foi recebido com todas as honras, a Conferência Episcopal Argentina, no último dia 5 de fevereiro, emitiu um comunicado no qual, entre outras coisas, afirmava: “A inflação aumenta dia a dia durante anos e está atingindo duramente os preços dos produtos alimentícios. Isso é claramente sentido pela classe média trabalhadora, pelos aposentados e por aqueles que cujos salários não crescem.
Também todo o universo da economia popular, onde as pessoas trabalham praticamente sem direitos. Pensemos nos vendedores ambulantes, nos catadores de lixo, nos feirantes e nos pequenos agricultores, pedreiros, costureiras e aqueles que realizam diversas tarefas de cuidado e serviço. Nesse cenário de duro trabalho e baixa renda, as famílias são privadas de muitas coisas. Por exemplo, uma mãe pode deixar de pegar um ônibus e caminhar para economizar, mas não pode de forma alguma deixar de alimentar seus filhos. Em outras palavras, a alimentação não pode ser uma variável de ajuste econômico". É difícil imaginar que a Igreja argentina se mova sem a consentimento do papa.
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Tentativas de acordo: as razões pelas quais o argentino Milei precisa do papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU