02 Outubro 2023
Ao concluir do julgamento, ministros do STF fixaram 13 normas que devem ser cumpridas para titulação de Terras Indígenas. Congresso segue batendo de frente.
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o))eco, 28-09-2023.
Após dois anos, o Supremo Tribunal Federal concluiu, na tarde de quarta-feira (27), o julgamento da ação sobre o Marco Temporal, decidindo pela não sustentação da tese que considerava serem passíveis de titulação somente as Terras Indígenas ocupadas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Durante a análise do caso, no entanto, outras 12 teses complementares surgiram e foram aprovadas pelos ministros do Supremo.
A principal mudança trazida pelos ministros na forma como terras indígenas são demarcadas e tituladas no Brasil é a possibilidade de pagamento de indenização da terra para produtores rurais que forem removidos de suas propriedades. A tese não estava prevista na legislação e a Constituição falava apenas em indenização pelas benfeitorias feitas.
Segundo a decisão do Supremo, a partir de agora, caberá indenização quando houver ocupação “de boa-fé”, quando o proprietário tiver um título expedido pelo Estado e em casos em que os indígenas não estavam no território e não havia disputa judicial ou conflito possessório em 5 de outubro de 1988.
Não cabe indenização para áreas já “pacificadas”, ou seja, no caso de Terras Indígenas já reconhecidas e declaradas, exceto em casos já judicializados.
Em outras palavras: nos casos que ainda estão sub judice, o ocupante pode ter o direito à indenização, dentro dos requisitos estipulados.
Segundo o Instituto Socioambiental, a nova tese pode tornar mais demoradas e dificultosas as demarcações, dificultando também o acesso das comunidades aos seus direitos e territórios.
Isso porque, segundo a organização, no caso de comunidades que estejam fora de seus territórios tradicionais – muitas foram deslocadas à força – há o risco de que elas tenham o direito de reocupá-las somente após o Estado definir o valor da indenização e realizar o depósito para o ocupante.
“A indenização prévia relativa à terra nua pode tornar o acesso das comunidades indígenas às suas terras ainda mais demorado do que já é”, diz o coordenador do Programa Povos Indígenas no Brasil (PIB) do ISA, Moreno Saraiva Martins, lembrando que em algumas demarcações o território continuou indisponível para os indígenas por mais de 20 anos.
Outra tese aprovada pelos ministros do Supremo também se tornou alvo de críticas, pois abre a possibilidade de o governo assentar uma comunidade indígena em outra área que não a de ocupação tradicional, em casos de “absoluta impossibilidade” da demarcação. Nesses casos, alerta o ISA, as comunidades indígenas seriam ouvidas, mas não teriam o direito de vetar a decisão.
Além disso, o STF definiu que qualquer ampliação de TI só poderá ocorrer em até cinco anos após a “demarcação anterior” e somente se comprovado que houve erro grave na definição dos limites territoriais anteriores. A regra não abrange ações judiciais ou pedidos de revisão desses limites já registrados na Funai.
Por pouco os ministros do STF também não tiveram que decidir sobre a possibilidade de exploração mineral e construção de hidrelétricas em Terras Indígenas.
A proposta havia sido defendida pelo ministro Dias Toffoli e conseguiu apoio de outros magistrados, mas, no último momento, pouco antes da votação final das teses complementares, foi retirada pelo próprio Toffoli.
((o))eco procurou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) para comentar as teses complementares, mas a organização informou que ainda estuda as novas normas.
No mesmo dia em que o STF finalizou o julgamento do Marco Temporal, decidindo pela sua invalidade, o Senado aprovou, às pressas, por 43 votos a 21, o projeto de Lei 2.903/2023, que justamente estabelece a tese do marco temporal.
O texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado pela manhã e colocado em votação pelo Plenário na parte da tarde. Como já passou pela Câmara – foi aprovado em maio pelos deputados federais -, ele vai para sanção presidencial.
Diante da decisão do STF, Lula deverá vetar os trechos que estipulam o marco.
(transcrito da transmissão do julgamento e sujeito a revisão com base no texto que será publicado)
1- A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena.
2 – A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e das necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo os seus usos, costumes e tradições, nos termos do parágrafo primeiro do Artigo 231 do texto constitucional.
3 – A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente, à data da promulgação da Constituição.
4 – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias previsto no Parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição Federal de 1988.
5 – Ausente a ocupação tradicional indígena, ao tempo da promulgação da Constituição Federal, ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição Federal, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada, relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular o direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis pela União, e quando inviável o reassentamento dos particulares caberá a eles indenização pela União com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área correspondente ao valor da terra nua paga em dinheiro ou em título da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitida autocomposição e o regime do Artigo 37, parágrafo 6° da Constituição.
6 – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de Terras Indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados em andamento.
7 – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das Terras Indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida em todo caso a comunidade indígena, buscando-se se necessário a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas, Artigo 16.4 da Convenção 169 da OIT.
8 – O procedimento de redimensionamento de Terra Indígena não é vedado, em caso de descumprimento dos elementos contidos no Artigo 231 da Constituição da República, por meio de instauração de procedimento demarcatório, até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da Terra Indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento.
9 – O laudo antropológico, realizado por meio do Decreto 1.775/1996, é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com os seus usos, costumes e tradições e observado o devido processo administrativo.
10 – As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nela existentes.
11 – As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis.
12 – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas.
13 – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutir seus interesses sem prejuízo nos termos da lei, da legitimidade concorrente da Funai e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.
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Marco Temporal não passou, mas teses complementares podem atrasar titulação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU