24 Agosto 2023
Após duas décadas no berço do keynesianismo da Universidade de Cambridge, o economista sul-coreano Ha-Joon Chang se mudou para a Universidade de Londres. Contudo, suas críticas às ciências econômicas neoclássicas hegemônicas, há décadas, não mudaram.
A entrevista é de Andy Robinson, publicada por La Vanguardia, 20-08-2023. A tradução é do Cepat.
O historiador da Universidade de Cambridge, Gary Gerstle, acaba de anunciar “a queda da ordem neoliberal”…
Parece-me que o anúncio da morte do neoliberalismo é prematuro. O pensamento neoliberal não é tão forte, nem abrange tanto como antes. Contudo, sua capacidade de resistência é realmente assombrosa, dada a magnitude da crise que provocou em 2008. Todo o ideário neoliberal deveria ter perdido sua credibilidade, mas não houve nenhum reconhecimento de que o sistema estava errado.
Inicialmente, sim, houve...
Isso durou pouco, cerca de oito ou nove meses. Então, fizeram o que era necessário para que a ideologia dominante e as principais instituições não fossem desacreditadas. A crise do euro foi decisiva para resgatar o sistema. Permitiu adotar o discurso cultural, aquilo de que os espanhóis e os gregos são preguiçosos e esbanjadores. Foi uma parte importante do arsenal para manter o status quo.
Ou algo pior ainda do que o status quo...
Sim. O incrível é que com as políticas de expansão monetária aboliram o mercado de capitais para manter o sistema à tona. Colocaram a taxa de juros em zero ou menos. Assim, forneceram uma oferta sem limites de dinheiro às instituições financeiras, embora não ao restante da economia.
Acredito que as pessoas não percebem a importância dessas políticas monetárias. Os mercados financeiros se desacoplaram totalmente da economia real. É um sistema concebido para proteger as instituições financeiras e os ultrarricos. Foi o que vimos claramente, durante a pandemia, nos Estados Unidos e no Reino Unido, onde o processo de financeirização foi mais longe. As economias entraram em colapso, mas os mercados bateram recordes.
Quanto à economia global, a narrativa midiática mudou. O jornal The New York Times já anuncia o fim da globalização devido à primazia de questões geopolíticas e a deterioração da relação com a China...
Isso é um absurdo. Apresentam a questão como se fosse a segunda guerra fria. Na Guerra Fria, os dois blocos nem sequer mantiveram relações comerciais. Agora, a economia estadunidense não pode se manter em pé sem as importações baratas da China. O salário médio está estagnado desde os anos 1970; as pessoas da classe baixa só conseguem obter algum poder aquisitivo graças às importações baratas da China e porque possuem enormes dívidas. Dependem da China.
Isso continua sendo verdade?
Sim. A China tem 13% dos títulos do Tesouro. Como você pode enfrentar um país que torna possível seu modelo de consumo e que tem um sétimo de sua dívida? Na realidade, os Estados Unidos e a China são gêmeos siameses. Não podem se separar. Os Estados Unidos perceberam que a China se tornou forte demais, mas levariam décadas para se desvincular.
Não é possível retirar as fábricas de multinacionais da China em um passe de mágica. Podem tentar fazer isso com outros países asiáticos, como o Vietnã. Você pode relocalizar uma fábrica de camisetas ou brinquedos, mas se quiser relocalizar uma fábrica de iPhones, isso é outra história.
A Foxconn (fabricante taiwanesa do iPhone) afirma que retirará parte de sua produção de Shenzhen.
Vão dizer isso. Contudo, podem agir assim? E em quanto tempo? A Intel vai construir sua fábrica de microprocessadores na Malásia, a primeira fora da China, mas é apenas uma fábrica. E essas indústrias não podem ser repatriadas para os Estados Unidos. É uma fantasia. Os Estados Unidos já destruíram sua base industrial.
Você pode trazer a fábrica, mas não tem trabalhadores qualificados, pesquisadores em universidades, pequenos fornecedores. Não pode fazer isso da noite para o dia. Talvez possa relocalizá-la em outro país que tenha alguma base industrial, mas se a transfere para o Vietnã, a Malásia ou para onde quer que seja, em que sentido isso é o fim da globalização? O que está sendo dito sobre a morte da globalização é uma bobagem.
Em termos geopolíticos, os Estados Unidos, sim, querem reduzir o poder da China, certo?
Em um sentido geopolítico, sem dúvidas, mas acredito que chegam tarde. Se queriam parar a China, deveriam ter atuado há dez anos. Essas restrições às exportações de microprocessadores para a China podem ter o efeito oposto e acelerar a velocidade da China em se atualizar nessas áreas. A China já é uma economia muito avançada, líder em tecnologias de mudança climática, inteligência artificial e nanotecnologia. Estão igualados com os Estados Unidos. E estão encurtando a distância em outras áreas.
Os Estados Unidos estão pressionando muito a Coreia, Taiwan e os japoneses para que boicotem a China, mas será eficaz? Nesse momento, temos governos pró-americanos em países como a Coreia do Sul que, de momento, são receptivos às pressões de Washington. Contudo, não é a guerra fria. Todos têm os pés nos dois lados. E pode chegar um momento em que digam para os Estados Unidos: “Sentimos, mas a China é mais importante para nós do que vocês”.
A Espanha registrou crescimento melhor do PIB e a inflação mais baixa da zona do euro. E o desemprego diminui. No entanto, não parece que as pessoas estejam muito satisfeitas.
Por isso, discordo daqueles que acreditam que o neoliberalismo acabou. Você pode reduzir seu alcance, modificá-lo, tingi-lo diferente, mas no núcleo tudo permanece igual. Mesmo os partidos de esquerda têm que participar do jogo, caso contrário, os investidores vão embora.
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“Discordo daqueles que acreditam que o neoliberalismo acabou”. Entrevista com Ha-Joon Chang - Instituto Humanitas Unisinos - IHU