05 Agosto 2023
"Luigi Bettazzi foi o único bispo italiano que assinou o Pacto das Catacumbas sobre a Igreja pobre e dos pobres. Assumiu sempre posições proféticas em favor da paz e dos pobres; realizou atividades pastorais inovadoras na Diocese de Ivrea e suas 'Cartas' abertas e contracorrentes tiveram sempre uma grande repercussão", escreve Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção-SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG.
Na manhã de domingo 16 de julho próximo, morreu, ou seja, fez sua Páscoa eterna em Albiano d'Ivrea (Piemonte, Itália), Dom Luigi Battazzi, nascido em 26-11-1923, em Treviso (Veneto, Itália). Ele era o último bispo italiano e europeu a ter participado do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) e completaria 100 anos de vida em novembro próximo.
Oito jovens, entre os quais eu, no dia 09-07-1966, na Basílica São Domenico de Bolonha, tivemos a graça de sermos ordenados padres por ele, bispo auxiliar do Cardeal Giacomo Lercaro há quase três anos.
Luigi Battazzi “foi testemunha, até o fim dos seus dias, da importância que o Concílio Vaticano II representou para a Igreja Católica” e “ficou conhecido pelas suas posições corajosas e contracorrentes, sempre pronto a empenhar-se pessoalmente por tudo o que diz respeito à paz e aos direitos do ser humano”.
Em toda sua vida, ele foi testemunha do Evangelho e profeta de Jesus de Nazaré, incomodando muitas vezes a própria Igreja. Foi também um dos poucos bispos da Itália e da Europa, que, pública e oficialmente, fizeram a opção pela Igreja pobre e dos pobres: a Igreja dos que querem seguir Jesus.
Após minha longa experiência de vida e de trabalho pastoral na Igreja, conhecendo casos concretos ditos “secretos”, tenho certeza que se Luigi Bettazzi tivesse feito a opção acima antes de ser bispo, nunca seria nomeado.
Infelizmente, nas questões fundamentais para a vida da Igreja, prevalece ainda a diplomacia (muitas vezes oportunista e interesseira), que não tem nada a ver com o Evangelho de Jesus ou com o Espírito Santo e é uma das faces do pecado estrutural da Igreja-Instituição. Ela precisa se libertar desse pecado.
Papa Francisco e Dom Luigi Bettazzi (Foto: Vatican Media)
Jesus nos ensinou: “Digam apenas ‘sim’, quando é ‘sim’; e ‘não’, quando é ‘não’. O que vocês disserem além disso, vem do Maligno” (Mt 5,37). Foi essa, ao longo de quase 100 anos, a maneira de viver - pensar, agir e lutar - de Luigi Bettazzi, que se tornou bispo da Igreja pobre e dos Pobres: a Igreja dos que amam a paz, são sedentos de justiça e seguem Jesus de Nazaré, hoje.
“A beleza de uma longa vida é que muitos, em diversos tempos e lugares, desfrutam de seus frutos, quando essa vida é cheia de valores civis, inspirações religiosas e transbordante de amor”.
Luigi Bettazzi é lembrado também como muito fraterno e acolhedor, como professor e amigo, e como assistente eclesiástico da Federação dos Universitários Católicos Italianos (FUCI). É lembrado ainda como bispo auxiliar de Bolonha, num tempo especial da Igreja bolonhesa, que foi o do Cardeal Lercaro, de Dossetti, do Avvenire d'Italia, do Centro de Estudos Religiosos de Pino Alberigo e Paulo Prodi.
Ele participou do Concílio Vaticano II - segunda sessão - a partir de 29 de setembro de 1963, uma semana antes de 4 de outubro, quando foi consagrado bispo auxiliar de Bolonha. “Estava entre os bispos mais jovens do Vaticano II. Ali ele falou pela paz e teve a coragem de se levantar em São Pedro para pedir aos Padres Conciliares, contra toda prudência eclesiástica, que procedessem à canonização conciliar do Papa João XXIII, tornando-o santo por aclamação, sem milagres e sem processos canônicos, porque nunca se tinha visto um papa assim, e justamente aquele Concílio era o seu legado mais precioso para a Igreja e para o mundo.
Depois do Concílio, ele ainda esteve próximo de Lercaro, antes que o arcebispo bolonhês fosse deposto por ter reivindicado a profecia da Igreja, e a não neutralidade, contra a guerra do Vietnã” (Ib.).
Em 1966, Luigi Bettazzi foi nomeado bispo de Ivrea (Piemonte) “para onde foi enviado por seus méritos (será?...), mas também para deixar o lugar em Bolonha ao cardeal Poma encarregado de normalizar a Igreja italiana após as ousadias do Concílio” (Ib.). Ele ficou em Ivrea até 1999. Foi também presidente da filial italiana da Pax Christi de 1968 a 1975 e presidente da Pax Christi Internacional de 1978 a 1985.
Luigi Bettazzi foi o único bispo italiano que assinou o Pacto das Catacumbas sobre a Igreja pobre e dos pobres. Assumiu sempre posições proféticas em favor da paz e dos pobres; realizou atividades pastorais inovadoras na Diocese de Ivrea e suas "Cartas" abertas e contracorrentes tiveram sempre uma grande repercussão.
Para Bettazzi, o Concílio Vaticano II “mudara profundamente a Igreja Católica, marcando-a para sempre. O que ele chamava de ‘revolução copernicana do Concílio’ trouxe a Comunidade de fiéis de volta ao espírito evangélico de suas origens, do qual não era mais possível voltar atrás, apesar das várias tentativas, mais ou menos óbvias, dos boicotes e dos contínuos encobrimentos”.
Ele “continuou a vivenciar pessoalmente o Concílio Vaticano II e a testemunhá-lo, circulando pela Itália, pelo mundo e por toda parte até poucos meses antes de sua morte, nunca recusando um convite para falar sobre o Concílio Vaticano II”.
O Papa Francisco “o recorda como um grande apaixonado pelo Evangelho que se destacou por sua proximidade aos pobres, tornando-se um sinal profético de justiça e paz em tempos particulares da história da Igreja” e se diz "grato ao Senhor por esta intrépida testemunha do Concílio".
Em 1986, Luigi Bettazzi participou conosco do 6º Encontro Intereclesial das CEBs, em Trindade, Goiás. Pessoalmente, a última vez que o encontrei foi há cerca de 5 anos, numa paróquia da Diocese de Reggio Emília (Itália), convidado para fazer uma conferência sobre o Concílio Vaticano II. Depois da conferência, na nossa conversa, contou brincando que sempre perguntam onde ele mora e que ele responde: “eu moro no trem”.
Luigi Bettazzi, presente! Estamos em comunhão de vida com a Igreja pobre e dos pobres! A caminhada continua”! A esperança nunca morre!
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Igreja pobre e dos pobres. Páscoa eterna de D. Luigi Bettazzi. Artigo de Marcos Sassatelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU