21 Julho 2023
Um relatório da Human Rights Watch documenta, com mais de 20 testemunhos, tortura e abusos infligidos a africanos de pele escura, requerentes de asilo e refugiados.
A reportagem é de Paolo Lambruschi, publicada por Avvenire, 20-07-2023.
Durante anos, a Tunísia não foi um porto seguro para os africanos de pele escura, independentemente do seu estatuto legal. Acusar as autoridades tunisinas não são apenas as graves violações dos direitos humanos pela deportação para o deserto sem comida nem água nestes dias quentes de julho de 1.200 pessoas expulsas para a Líbia e Argélia por serem acusadas de imigração ilegal. Um relatório divulgado ontem pela organização internacional "Human Rights Watch", uma das primeiras a denunciar a violência racial no país norte-africano, documenta de fato com mais de 20 testemunhos espancamentos, torturas, detenções arbitrárias, detenções em massa, expulsões coletivas, ataques de grupos armados, despejos forçados de habitações, roubo de dinheiro e celulares pelas forças de segurança. A única razão: a cor da pele. E quem pediu aos agentes que nem sequer pediram documentos explicassem os motivos da detenção foi informado que os estrangeiros tiveram de sair do país. A poucos dias da assinatura do controverso memorando com a UE, novas sombras se lançam sobre a gestão dos fluxos migratórios, um dos pontos do pacto pelo qual a União Europeia pagará a Tunis 105 milhões de euros.
Dinheiro dos contribuintes que, segundo a pesquisadora do "Human Rights Watch" Lauren Seibert, se soma a um valor pouco claro, mas que segundo os documentos recolhidos oscila entre um mínimo de 93 e um máximo de 178 milhões de euros pagos de 2015 a 2022 por Bruxelas para equipar os guardas fronteiriços e a marinha de Túnis para prevenir a imigração irregular e parar os barcos com destino à Europa.
Apenas 20 milhões de euros, segundo a pesquisa, foram para projetos de mobilidade profissional e migração legal e 5 milhões para repatriações voluntárias. À enorme soma gasta em programas de segurança somam-se os fundos pagos por Berlim, Madrid, Roma e Paris em acordos bilaterais.
A Itália, por exemplo, forneceu barcos e veículos para 138 milhões desde 2011 e assistência técnica para controle de fronteiras para outros 12 milhões. A Alemanha também cedeu barcos, enquanto a Espanha ofereceu assistência de TI. Um investimento que não rendeu muito, já que a maior parte dos 80.000 migrantes que desembarcaram na Itália até agora vem da costa da Tunísia. Sem contar os afogados.
O relatório documenta o clima de racismo generalizado em cidades como Tunis, Sfax e Ariana, agravado após o discurso xenófobo sobre a tentativa de substituição étnica feito pelo presidente Saied no início de fevereiro. A xenofobia que não poupou, por exemplo, um maliano de 31 anos com autorização de residência regular detido arbitrariamente em Sfax pela polícia na rua. "Não me pediram os meus documentos - disse o homem - nem o meu amigo que foi detido comigo, um oficial guineense que veio à Tunísia para tratamento médico e com visto regular no passaporte."
Um mecânico senegalês, Moussa Baldé, com permissões válidas, foi arrastado para fora de um táxi após o discurso proferido por Saied por um agente que lhe disse que, por ser negro, não tinha o direito de ficar sentado ali. Ele foi preso por dois dias sem acusações, espancado e recebeu comida apenas uma vez, dormindo no chão. Quando foi libertado, os policiais, que nem mesmo pediram seus documentos, ordenaram-lhe abruptamente que deixasse o país.
Outro cidadão senegalês, Abdoulaye Ba, foi preso em fevereiro em um local onde trabalhava informalmente com marroquinos, tunisianos e subsaarianos. "A polícia levou apenas quem tinha pele escura", declarou aos pesquisadores. "Ficamos detidos por algumas horas, depois roubaram nossas carteiras e celulares e nos libertaram, ordenando que saíssemos da Tunísia." Cerca da metade dos entrevistados e, segundo outras ONGs tunisianas e internacionais, vários milhares de subsaarianos abandonaram o país em 2023, aterrorizados.
Violências, torturas e abusos também foram denunciados por solicitantes de asilo e refugiados expulsos de suas casas, que estão manifestando em frente à sede da OIM e do ACNUR em Túnis desde a última primavera. Dois refugiados, um eritreu e um centro-africano, relataram o uso de taser por parte dos agentes durante as prisões.
Outras cinco pessoas relataram à "Human Rights Watch" abusos sofridos pela guarda costeira durante e após as interceptações e resgates em Sfax, incluindo espancamentos, roubos de dinheiro e celulares, danos às embarcações com manobras perigosas e uso de gás lacrimogêneo. Essas acusações foram confirmadas por três ONGs tunisianas. Os ministérios aos quais a "Human Rights Watch" escreveu não forneceram explicações.
A organização conclui que, diante dos abusos das forças de segurança e dos ataques xenófobos, somados à falta de legislação nacional sobre asilo, a Tunísia não possui os requisitos legais mínimos para ser considerada pela UE um país terceiro seguro, como proposto pelo governo italiano algumas semanas atrás no último Conselho Europeu.
Segundo a "Human Rights Watch", Bruxelas e os Estados membros deveriam suspender os financiamentos e apoios previstos no memorando assinado no último domingo com as forças de segurança tunisinas para controle de fronteira ou, pelo menos – e isso já seria uma novidade – condicioná-los ao respeito aos direitos humanos dos subsaarianos.
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Violência racial na Tunísia. Relatório chocante acusa o país - Instituto Humanitas Unisinos - IHU