12 Julho 2023
Nos últimos meses, foram registradas diferentes anomalias climáticas que estabeleceram novos recordes históricos na trágica progressão da mudança climática global.
A reportagem é de José Seoane, publicada por La Haine, 10-07-2023. A tradução é do Cepat.
Em junho, a temperatura da superfície no Atlântico Norte atingiu o aumento máximo de 1,3°C em relação aos valores pré-industriais e em sentido semelhante – embora em valores mais baixos – a temperatura média dos mares aumentou em escala global. Por outro lado, a retração do gelo antártico atingiu um novo limite, atingindo a diminuição histórica de 2016, mas vários meses antes em plena estação fria.
A combinação desses registros levou os cientistas que acompanham esses processos a alertar para o perigo de estar diante de uma mudança profunda nas correntes que regulam a temperatura e a vida nos oceanos e em escala global. As ondas de calor registradas nas últimas semanas nas costas de grande parte do mundo (Irlanda, México, Equador, Japão, Mauritânia, Islândia, etc.) podem, por sua vez, ser uma prova disso.
Esses fenômenos, é claro, não se limitam aos mares. No dia 4 de julho, a temperatura global da atmosfera atingiu os 17,18°C (temperatura global de 2m, medida a 2 metros do solo) pela primeira vez na história dos últimos séculos. Enquanto isso, a temperatura nos continentes, principalmente no Norte, também bateu recordes: 40ºC na Sibéria, 50ºC no México, o junho mais quente na Inglaterra na série histórica iniciada em 1884.
E sua contrapartida, temos as secas, como a que assola o Uruguai, onde a escassez de água doce desde maio obrigou a utilizar crescentes fontes salobras, tornando a água potável imprópria para os habitantes da área metropolitana de Montevidéu, onde se concentra 60% da população do país. Uma seca que, se persistir, pode deixar diretamente aquela região do país sem água potável, tornando-a a primeira cidade do mundo a sofrer esta catástrofe.
Mas o calor sufocante e as secas também trazem consigo incêndios vorazes como o da floresta boreal que há semanas percorrem o Canadá com mais de 500 focos espalhados por diversas regiões do país, muitos deles incontroláveis, e as imagens divulgadas de uma Nova York apocalíptica escurecida e tingida de vermelho sob um manto de cinzas.
Esse acúmulo de evidências trágicas, contra todas as narrativas negacionistas, torna inegável que a crise climática já está aqui, entre nós. Da mesma forma, indica o fracasso absoluto das políticas e iniciativas adotadas para reduzir a emissão ou a presença de gases de efeito estufa na atmosfera. Nesse sentido, em maio deste ano, os níveis de dióxido de carbono (CO2) medidos no observatório de referência global NOAA, no Havaí, atingiram o máximo histórico de 424 partes por milhão (ppm), chegando a ser 50% mais altas do que antes do início da era industrial e, os do período de janeiro a maio de 2023, 0,3% superiores aos do mesmo período de 2022 e 1,6% em relação a 2019 (Carbon Monitor, 2023).
De acordo com o último relatório de 2023 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, a temperatura da superfície global aumentou mais rapidamente desde 1970 do que em qualquer outro período de 50 anos durante pelo menos os últimos 2.000 anos, o mesmo período em que acordos internacionais e iniciativas locais foram implantados para combater as causas das mudanças climáticas (IPCC, 2023).
O fracasso dessas políticas aparece também, em nosso presente, na persistência e força de um capitalismo fóssil e sua pilhagem e destruição socioambiental; marcado por uma guerra regional global e pelos avanços do extrativismo extremo, principais dimensões da crise civilizatória do capital que hoje ameaça a vida no planeta com sua Sexta Extinção (Seoane, 2023).
Fracassaram não apenas as chamadas políticas de mitigação, mas também são fracas ou totalmente ausentes as chamadas políticas de adaptação que visam minimizar os impactos previsíveis das mudanças climáticas. Suas consequências, que sobrecarregam principalmente os setores populares, suscitam não apenas a urgência de uma transição socioecológica, mas também a necessidade de elaborar, a partir desses setores, seus próprios planos de adaptação social.
Nesta mesma direção, o relatório anual da Organização Meteorológica Mundial (OMM, Global Annual to Decadal Climate Update), divulgado em maio de 2023, alertou que muito provavelmente (66% de probabilidade) a temperatura média global anual superará o 1,5°C em pelo menos um ano dos próximos cinco (2023-2027), é possível (32% de probabilidade) que a temperatura média dos próximos cinco anos ultrapasse o 1,5°C e é quase certo (98% de probabilidade) que pelo menos um dos próximos cinco anos, ou mesmo os cinco anos como um todo, será o mais quente já registrado (OMM, 2023). Vale lembrar que o IPCC estimou sérias consequências no caso da superação permanente dessa temperatura.
Este conjunto de evidências da atualidade e gravidade da crise climática que apontamos também nos alerta para a proximidade em que nos encontramos de ultrapassar um ponto de inflexão a partir do qual estes processos se retroalimentam e escapem a todo o controle ou moderação.
Quão perto deste ponto nos levará o fenômeno El Niño neste ano e possivelmente nos próximos? O El Niño é um evento de origem climática que se expressa no aquecimento do Oceano Pacífico equatorial e oriental e se manifesta em ciclos de entre três e oito anos. Com antecedentes que remontam ao século XIX, em 1924 o climatologista Gilbert Walker cunhou o termo "Oscilação Sul" para identificá-lo e em 1969 o meteorologista Jacob Bjerknes sugeriu que esse aquecimento incomum no Pacífico oriental poderia desequilibrar os ventos alísios e aumentar as águas quentes em direção ao leste, ou seja, em direção às costas intertropicais da América do Sul.
Mas não se trata simplesmente um fenômeno meteorológico tradicional que se repete em períodos anuais irregulares. Não se trata de um fenômeno natural; não importa quantas tentativas sejam feitas, repetidas vezes, para invisibilizar ou negar suas causas sociais. Pelo contrário, nas últimas décadas, a dinâmica da crise climática aumentou tanto sua frequência quanto sua intensidade. No início de 2023, terminou o terceiro episódio contínuo do La Niña, a terceira vez desde 1950 que durou três anos e cada vez com maior intensidade. Da mesma forma, em 2016, o El Niño levou ao recorde de temperatura média alcançado pelo planeta. E vários cientistas estimam hoje que este super-Niño pode se repetir com consequências desconhecidas, dados os níveis de gases de efeito estufa e a dinâmica da atual crise climática.
Tornam-se hoje mais imperiosas e urgentes as bandeiras de uma mudança inspirada na justiça social e climática e os caminhos efetivos dessa transição socioecológica propostos pelos movimentos populares. É possível propor um plano popular de mitigação e adaptação das emergências. Mas para tornar socialmente audíveis estas alternativas, para romper com a cegueira ecológica que se quer impor, é preciso primeiro quebrar a construção epistemológica que pretende inscrever estas catástrofes, de forma repetitiva e persistente, num mundo de natureza supostamente pura, em um campo supostamente externo, alheio e fora do controle social humano.
Trata-se de uma matriz de naturalização que, ao mesmo tempo que exclui os grupos sociais e o modo de organização socioeconômico de qualquer responsabilidade nas crises atuais, quer transformá-los em acontecimentos imprevisíveis e incognoscíveis que só deixam a opção da resignação, da alienação religiosa ou da resiliência individual. Os questionamentos a estes olhares inserem-se não apenas nos discursos mas também nas práticas e emoções, na resposta à catástrofe com a (re)construção de laços solidários, coletivos, comunitários e sociais, suportes indispensáveis da mudança emancipatória.
Carbon Monitor (2023). “Total CO2 Emissions Per Year”. Disponível aqui.
IPCC (2023). Synthesis report of the IPCC sixth assessment report (AR6), Nova York: Nações Unidas.
OMM (Organização Meteorológica Mundial) (2023). Global Annual To Decadal Climate Update. Londres: OMM.
SEOANE, José (2023). “¿Un mundo en crisis o la crisis de este mundo? Debates y significaciones sobre la crisis en el capitalismo neoliberal”. In: Seoane, J. (comp.). Neoliberalismo catastrófico. Buenos Aires: Luxemburg.
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