23 Fevereiro 2023
O debate sobre a natureza e a composição de sínodos e concílios está em aberto. Mas o método continua válido, em um mundo atravessado por transformações cada vez mais rápidas e exigentes.
O comentário é de Giovanni Maria Vian, jornalista italiano e ex-diretor do L’Osservatore Romano, de 2007 a 2018. O artigo foi publicado em Domani, 19-02-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em outubro, ocorrerá no Vaticano a primeira parte do Sínodo sobre a “Igreja sinodal”. Parece um jogo de palavras, senão até um solilóquio, mas, nas intenções do papa, o objetivo é tão antigo quanto ambicioso: a reforma de toda a Igreja – ecclesia semper reformanda, ou seja, “sempre deve ser reformada”, repete-se pelo menos desde a Idade Média –, graças a um método que remonta às origens do cristianismo.
Uma segunda etapa desse processo será realizada em outubro de 2024. Enquanto isso, até o fim de março, serão concluídas as sete assembleias continentais (duas para a América e duas para a Ásia), que estão puxando a fila da fase local, aberta em outubro de 2021.
A assembleia para a Europa concluiu-se recentemente em Praga, para onde convergiram reivindicações reais a partir dos debates realizados em dioceses e paróquias. Vozes naturalmente não unânimes, senão pela reiterada denúncia dos abusos e o pedido transversal de um maior espaço para as mulheres, que constituem a maioria dos batizados, mas continuam às margens da Igreja.
No entanto, o interesse da opinião pública foi muito escasso, bem diferente daquele despertado pelas notícias midiaticamente muito mais suculentas referentes ao “Caminho Sinodal” (synodaler Weg). Iniciado na Alemanha ainda no fim de 2019, o sínodo alemão – como é indevidamente chamado – provocou diversos atritos com Roma, que já interveio várias vezes para frear uma aceleração considerada excessiva, a ponto de parecer cismática: como sobre a bênção dos casais homossexuais, para nos limitarmos a um ponto em que a atenção midiática é precisamente forte.
O próprio pontífice voltou a se manifestar sobre a questão alemã, na longa entrevista concedida à Associated Press publicada em 25 de janeiro. Certamente de forma coloquial, mas em termos duramente críticos: “A experiência alemã não ajuda, porque não é um sínodo, um caminho sinodal a sério. É um chamado ‘caminho sinodal’, mas não da totalidade do povo de Deus, mas feito por elites”.
Imediatamente, as duras críticas papais receberam a resposta no mesmo tom do chefe do Comitê Central dos Católicos Alemães, um poderoso órgão formado por leigos. Mas já alguns meses antes de seu início, em 2019, o Papa Bergoglio havia escrito pessoalmente uma longa carta, que lhe custou “um mês”, mas foi formulada em termos bastante vagos.
Na entrevista, Francisco conectou esta nova temporada aos tempos em que, perto do fim do Concílio, Paulo VI “se deu conta, ou já sabia, mas não o disse, que a Igreja latina havia perdido a dimensão da sinodalidade”. De fato, em 1965, três meses antes de concluir o Vaticano II, o Papa Montini instituiu o Sínodo dos Bispos, uma representação do episcopado mundial que podia ajudar o pontífice. Algumas semanas depois, um decreto conciliar afirmaria que o organismo recém-nascido, presidido pelo papa, “demonstra que todos os bispos são partícipes, em hierárquica comunhão, da solicitude da Igreja universal”.
E, cerca de 20 anos depois, o novo Código de Direito Canônico trataria do Sínodo dos Bispos em terceiro lugar: depois do papa e do episcopado, antes do cardinalato. Em mais de meio século, desde 1967, o Sínodo dos Bispos se reuniu em média a cada dois ou três anos, cerca de 30 vezes, em assembleias ordinárias ou extraordinárias que envolveram cada vez cerca de 200 bispos, quase todos eleitos e apenas em parte escolhidos por Roma.
Pouco a pouco, o mecanismo sinodal foi retocado, para tentar superar as limitações que surgiam. Foram relevantes a simplificação desejada em 2006 por Bento XVI, para permitir um debate menos enjaulado, depois a reforma desenhada pela constituição apostólica Episcopalis communio, de 2018.
Esse documento, embora no âmbito de um órgão reservado aos bispos, visa a tornar o Sínodo dos bispos cada vez mais “um instrumento privilegiado de escuta do povo de Deus”, ou seja, sobretudo dos fiéis leigos, que nele são admitidos, mas de forma muito reduzida e apenas como “auditores”.
No entanto, deve-se reconhecer que, em pouco mais de meio século, os sínodos celebrados até agora contribuíram para desenvolver a colegialidade episcopal. Essa dimensão caracteriza o cristianismo desde as primeiras décadas de sua história e, na era contemporânea, foi retomada e acentuada no catolicismo pelo Vaticano II, a fim de equilibrar a supremacia papal absoluta que havia sido definida em 1870 por outro concílio, o Vaticano I.
O próprio termo – sýnodos, em grego “caminho comum”, traduzido pelo latim como concilium – expressa esse método, que evoluiu ao longo da história. Mas, se “sínodo” e “concílio” são termos equivalentes no nível terminológico, os acontecimentos históricos e os desenvolvimentos doutrinais das diversas confissões distinguiram essas assembleias, geralmente compostas principalmente por bispos.
Os sínodos são reuniões locais, já os concílios (chamados de ecumênicos ou, com nuances diferentes, de gerais) representam idealmente toda a ecumene cristã. No entanto, como vimos, o novo Sínodo dos Bispos é diferente. Sínodos e concílios, contudo, sempre foram atravessados por tensões mais ou menos fortes sobre seu poder real.
O primeiro caso, envolto na idealização das origens, remonta até a cerca de 20 anos depois da crucificação de Jesus: por volta do ano 50, de fato, ocorreu o chamado Concílio de Jerusalém, descrito pelo evangelista Lucas no capítulo 15 dos Atos dos Apóstolos com características edulcoradas, mas não a ponto de esconder a dureza do debate naquela comunidade. O nó a se desatar, de fato, era decisivo para a expansão do cristianismo, pois se discutia se era necessário impor a circuncisão e as outras prescrições judaicas aos convertidos do paganismo. Em vez disso, graças a uma solução de compromisso, prevaleceu a linha de abertura aos pagãos, apoiada sobretudo por Paulo.
Na antiga galáxia cristã – constituída por uma federação de Igrejas e onde o primado romano, logo reconhecido, afirmou-se apenas progressivamente – as primeiras notícias de “fiéis” (portanto, presumivelmente, não só bispos e clérigos) reunidos “frequentemente e em diversos lugares” remonta a meados do século II e refere-se à Ásia, ou seja, a territórios hoje incluídos na atual Turquia. Por sua vez, sínodos quase exclusivamente de bispos se sucederam nas décadas posteriores também na Palestina e nas principais sedes: Antioquia na Síria, Alexandria no Egito, Cartago, Roma, que pretendia se impor.
Tudo mudou com Constantino, o imperador que em 325 convocou e presidiu o primeiro dos concílios posteriormente definidos como ecumênicos: o de Niceia, cujo 17º centenário coincidirá com o jubileu romano. A importância para a fé cristã dos primeiros – além do Niceno, o primeiro Constantinopolitano de 381, o Efésio de 431 e o Calcedônio de 451 – é tamanha que o Papa Gregório Magno afirmou aos patriarcas orientais, em uma carta sinódica de 591, para “acolher e venerar os quatro concílios como os quatro livros do santo evangelho”, que são reconhecidos e compartilhados teologicamente pela maioria das confissões cristãs.
Até o Niceno II em 787 (o sétimo considerado ecumênico), quem os convocava e os presidia era sempre o imperador, enquanto o papa de Roma, nunca presente, enviava seus representantes e depois aprovava seus atos.
A história das assembleias posteriores, que se multiplicavam, é muito diversificada entre Oriente e Ocidente, enquanto o fosso entre as duas principais partes do mundo cristão se alargava cada vez mais. As histórias dos concílios e dos sínodos são intrincadas, mas importantes para a evolução das confissões cristãs.
No entanto, são de importância decisiva os debates dos teólogos e dos canonistas medievais, especialmente quando no Ocidente, diante de três papas em conflito, o caminho do concílio pareceu ser a única solução. Assim, em 1417, foi o Concílio de Constança que elegeu um pontífice, Martinho V, com o qual se concluiu o grande cisma, mas não acabaram – pelo contrário, se acentuaram – os contrastes sobre as teorias conciliaristas, que queriam o concílio superior ao papa.
Na maioria das vezes, entretanto, essas assembleias não conseguiram sanar as divisões, que, pelo contrário, muitas vezes aumentaram, mesmo dentro das Igrejas individuais. O último exemplo dramático é o fracasso em 2016 do Concílio Pan-Ortodoxo de Creta, afundado pelo Patriarcado de Moscou.
O debate sobre a natureza e a composição de sínodos e concílios também está em aberto. Mas o método continua válido, em um mundo atravessado por transformações cada vez mais rápidas e exigentes, que deveriam interpelar os cristãos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Colegialidade episcopal: por que os Sínodos sempre foram um campo de batalha na Igreja. Artigo de Giovanni Maria Vian - Instituto Humanitas Unisinos - IHU