06 Fevereiro 2023
Um dos teólogos ortodoxos mais importantes e influentes, o metropolita ortodoxo Ioannis Zizioulas, morreu em Atenas em 2 de fevereiro aos 92 anos. Ele foi uma figura proeminente na Ortodoxia contemporânea e no movimento ecumênico. Como estudante, estudioso e professor percorreu várias etapas (Grécia, Genebra, Roma, Reino Unido e Estados Unidos) ao longo as quais recolheu e ofereceu muitos estímulos intelectuais. Aluno do grande teólogo russo George Florovskij, pioneiro da neopatrística, Zizioulas tratou de eclesiologia, antropologia, teologia da criação, relação entre filosofia e teologia e, por fim, do tema da unidade dos cristãos.
A reportagem é de Dimitrios Keramidas, publicada por Settimana News, 04-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em sua trajetória, o Metropolitano moveu-se com muita originalidade, liberdade e criatividade. Inspirando-se em seus mentores, ele quase imediatamente mostrou uma autoridade própria e originalidade de pensamento. Já na década de 1960, em sua dissertação de doutorado em Atenas, havia oferecido uma análise minuciosa e cuidadosa das fontes eclesiásticas e patrísticas dos primeiros três séculos, graças à qual pôde elaborar uma eclesiologia centrada na pessoa do bispo e na Eucaristia, enfatizando a natureza sacramental e escatológica da Igreja.
A escatologia acompanhou o pensamento eclesiológico de Zizioulas do começo ao fim. Para ele, de fato, a escatologia não é apenas uma questão do "fim dos tempos", mas é a realização do reino de Deus. Uma realização antecipada na história na Eucaristia e na vida dos santos. Trata-se de uma escatologia com forte cunho pneumatológico. Zizioulas considera o Espírito Santo não simplesmente aquele que perpetua a missão de Cristo, mas uma "fonte" de Cristo e da Igreja. “Cristo instituiu a Igreja, mas é o Espírito Santo que a constitui”, argumentava. O espírito é comunhão e cria comunhão; a Igreja é pneumatológica no sentido de sua natureza de comunhão.
Quanto à importância da Eucaristia para a compreensão da natureza da Igreja, Zizioulas releu criticamente a eclesiologia eucarística de Nicolau Afanassieff, que havia lançado as bases para a revalorização sacramental - e não jurídica - da Igreja, e a desenvolveu de forma a afirmar a necessidade de estruturas que garantam visivelmente a unidade em comunhão inerente à Igreja.
Afanassieff havia defendido a "catolicidade" absoluta da Igreja onde quer que o sacramento da Eucaristia fosse celebrado. Além disso, considerava que a unidade era uma questão de oração, fé e amor em que se deixa ao Espírito a função de unir todos os que creem em Cristo. Zizioulas assumiu a primazia da Eucaristia sobre qualquer outra definição da Igreja (primazia do eschaton sobre a história), mas ofereceu uma forma mais orgânica, tendo consciência de que os efeitos do sacramento da unidade - a Eucaristia, justamente - devem ser refletidos também nos ministérios eclesiásticos. Essa ideia, que se tornou uma constante em seus escritos, revelou-se particularmente fecunda nos diálogos ecumênicos, onde o problema de como realizar estruturalmente a unidade da Igreja foi abordado várias vezes e de maneiras diferentes.
Zizioulas foi delegado ortodoxo em numerosos diálogos bilaterais, mas também no Conselho Mundial das Igrejas. Grande parte de sua produção nasceu justamente graças às discussões que teve não só por ocasião de encontros ecumênicos formais e informais, mas também em encontros de caráter acadêmico. Muitas de suas intervenções estão reunidas em seus livros (que não são muitos, mas são intensos), que oferecem a possibilidade de explorar seu pensamento e se deixar fascinar por seu estilo literário: um estilo claro, agudo e bem enraizado nas fontes eclesiásticas. Grande parte do corpus ziziouliano foi escrito em inglês, confirmando a universalidade de seu pensamento.
Pode-se afirmar, sem exagero, que Zizioulas foi um dos arquitetos do atual diálogo entre as Igrejas Ortodoxa e Católica. Primeiro como leigo e, desde 1986, como metropolita de Pérgamo, serviu esse diálogo desde o seu início, tornando-se posteriormente seu copresidente (de 2005 a 2016). A sua eclesiologia eucarística, a sua concepção de unidade na comunhão, a sua concepção da simultaneidade entre o "uno" e os "muitos" (o próprio Deus é Uno e Trino - há uma simultaneidade entre a unicidade e a multiplicidade), abriram um grande terreno de convergência entre as duas tradições teológicas do Oriente e do Ocidente.
Fruto desse trabalho foram os documentos do diálogo teológico oficial dos anos 1980, em cuja redação Zizioulas trabalhou com empenho e paixão, mas também os dois últimos documentos de Ravenna (2007) e Chieti (2016), que tentaram focalizar "primazia" e "sinodalidade" nos três níveis de organização eclesiástica: local, regional e universal. No pensamento de Zizioulas existe uma correlação entre primado e sinodalidade que permeia todos os níveis da vida da Igreja, a começar pela Igreja local, na qual a pessoa do bispo como expressão de unidade emerge justamente no âmbito de sua função de presidente da Convocação eucarística.
Do nível eucarístico-local sobe-se ao nível regional (de comunhão entre as Igrejas), até chegar ao nível universal, onde - em analogia ao que acontece nos dois primeiros níveis - Zizioulas afirma abertamente que só pode existir uma relação orgânica entre primado e sinodalidade: o primeiro, expresso pelo bispo de Roma; a segunda, pelos concílios ecumênicos. Como, porém, primado e sinodalidade existem em relação um com a outra, porque este é o modo de ser do próprio Deus (a comunhão entre as três Pessoas divinas), o primado não pode ser concebido sem a sinodalidade e, inversamente, a sinodalidade não pode ser realizada sem um serviço de primazia.
Segundo o metropolita, “o primado, como tudo mais na Igreja, também no ser de Deus (a Trindade) é relacional (...). Isso é precisamente o que afirma clara e explicitamente o conhecido 34 ‘cânon dos apóstolos’ (...) Exige que o primeiro seja uma condição sine qua non para a instituição sinodal, portanto uma necessidade eclesiológica e que o sínodo seja igualmente um pré-requisito para o exercício do primado".
O fato de Zizioulas não enquadrar o primado fora de uma realidade de comunhão teve uma dupla vantagem: de um lado, permitiu à teologia ortodoxa afirmar a necessidade de um primado também em nível "universal"; enquanto, do outro, levou a teologia católica a explorar o contexto sinodal em que a primacialidade deve ser exercida. Ortodoxos e católicos podem dizer hoje que se encontram em um ponto de grande convergência quanto à possibilidade de acolher uma possível e recíproca compenetração de seus respectivos instrumentos de governo. E acho que isso possa ser atribuído como mérito da teologia desenvolvida, com coerência e maestria, pelo Metropolita Zizioulas por mais de meio século. Uma teologia que se mostrou capaz não só de expressar visões teóricas, mas também de ser um pensamento "aplicado" e, portanto, sob todos os efeitos, uma teologia realista.
Também a contribuição de Zizioulas para a unidade da Igreja Ortodoxa não deve ser subestimada. Sabemos que a Ortodoxia se orgulha em afirmar que sua práxis sinodal é um modelo de unidade "democrática"; também sabemos que nem todas as Igrejas Ortodoxas estão dispostas a reconhecer a necessidade de um primado. A tese fundamental de Zizioulas sobre a origem sacramental e eucarística do ministério episcopal, ministério de unidade por excelência, tornou possível nos últimos anos desmontar muitos preconceitos sobre a necessidade do serviço primacial em nível pan-ortodoxo, bem como pan-cristão.
O metropolita grego dirigiu várias reuniões interortodoxas nos últimos quarenta anos em preparação ao Concílio Pan-Ortodoxo, no qual participou dando sua contribuição na redação dos documentos conciliares. Por exemplo, o documento sobre a missão da Igreja Ortodoxa no mundo contemporâneo, em cujo prólogo encontramos muitos dos princípios que compõem o pensamento eclesiológico de Zizioulas, entre eles a prioridade da escatologia sobre a história.
Para o teólogo grego, o eschaton, o reino de Deus, é o lugar onde a Igreja se descobre pelo que é e onde a pessoa humana transcende todas as divisões da história (étnicas, raciais, sociais, etc.). No Reino, o homem não será mais um ser condicionado pelas divisões da história e da biologia, mas estará em perfeita comunhão com o Deus Trino, que é comunhão. A Igreja não deve deixar-se aprisionar pelas divisões, pelas fragmentações da história; a Igreja o eschaton, não é deste mundo, mas antecipa no mundo - na Eucaristia - os valores do Reino.
O mundo ortodoxo e todos os cristãos tem para com este grande homem e refinado teólogo uma forte dívida de gratidão. É nosso dever lembrar Ioannis Zizioulas em nossas orações, reflexões e encontros ecumênicos. Ele foi muito além das divisões entre Oriente e Ocidente, buscando um espírito de síntese, bem ciente dacatolicidade da teologia ortodoxa, que não pode ser "católica" se permanecer indiferente a um cristianismo "amputado", como costumava dizer. É ainda nossa tarefa restabelecer a unidade entre as Igrejas, fazendo florescer tanto quanto possível os frutos do Reino também na história.
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Ioannis Zizioulas. Em memória - Instituto Humanitas Unisinos - IHU