17 Novembro 2022
"Pela complexidade da máquina sinodal não faltaram limites. A amplitude e o número de textos tornaram difícil a comunicação externa e, em particular, com Roma, onde as vozes mais críticas chegaram com mais facilidade. Só recentemente houve o esforço de um diálogo direto de alguns bispos com as instâncias romanas", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 16-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A visita ad limina dos 67 bispos alemães (14 a 18 de novembro) começou com a celebração eucarística no túmulo de Pedro, nas grutas do Vaticano. O presidente da Conferência, o bispo de Limburg, Georg Bätzing, recordou o dom da unidade da Igreja, mas também a responsabilidade das Igrejas locais para anunciar e renovar.
Citando a Exortação pós-sinodal da Amazônia, vinculou a tarefa tanto à transformação das culturas induzidas pela fé quanto ao enriquecimento da fé através da presença do Espírito nas culturas. Na quinta-feira, 17, haverá um encontro conjunto dos responsáveis pelos dicastérios, dos bispos e do papa, enquanto, no dia seguinte, haverá o encontro direto dos bispos com o papa.
A visita anterior foi em 2015 e é a primeira vez que D. Bätzing participa como presidente. Os temas previsíveis dos cinco dias de encontro, além do relatório de cada diocese, alguns problemas de particular urgência (como o agora intolerável caso de D. Rainer Maria Woelki em aberto conflito com muitas instâncias da diocese de Colônia), sobretudo será o Caminho Sinodal Alemão, o sínodo iniciado em 2019 e do qual foram celebradas quatro sessões (a última de 8 a 9 de setembro) esperando para concluí-lo em março de 2023.
Desde o início, o processo foi acompanhado pela suspeita de uma deriva cismática. As esperadas mudanças normativas e teológicas preparariam uma saída do catolicismo alemão da catolicidade da Igreja. Nos círculos tradicionalistas e em alguns setores da cúria isso é considerado provável.
Por outro lado, eles não percebem os cismas já em curso, como, por exemplo, a saída em massa de crentes da filiação confessional (em trinta anos, os católicos alemães caíram de 28,3 milhões para 22,2 milhões) e o estranhamento dos crentes em relação às indicações morais que, nas gerações mais jovens, resultam completamente removidas.
Muito difícil explicar hoje, por exemplo, a grave condenação moral da masturbação ou da coabitação antes do casamento. Condições e convicções amplamente presentes nas comunidades cristãs do Ocidente.
E curiosos que de cisma falem apenas os críticos nas mídias. Nenhuma voz interna, seja de indivíduos ou de grupos, jamais acenou a ideia.
Um dos principais bispos me disse: “Para fazer um cisma nacional seria preciso um monte de dinheiro, um respaldo forte no poder político e, acima de tudo, uma interpretação original do cristianismo. Não existe nenhuma dessas condições. Nossa referência é o Evangelho, o Vaticano II e o Papa Francisco. Ninguém quer a separação de Roma. Propor isso de novo é um ato de preguiça mental e uma fácil manipulação”.
Num comunicado conjunto do presidente da Conferência Episcopal, George Bätzing, e da presidente do Comitê Central dos Católicos Alemães (ZdK), Irme Stetter-Karp, após a nota crítica da Secretaria de Estado datada de 21 de setembro de 2022, foi falado: “Nunca nos cansaremos de enfatizar que a Igreja na Alemanha não almeja um ‘percurso especial alemão’”.
Outro bispo, citado por La Croix (14 de novembro), disse que não se discutem os conteúdos da fé, mas os elementos que estão ligados à mudança cultural. Além disso, “o sínodo não propõe normas para o mundo inteiro, mas para a convivência da fé na Alemanha”.
Há alguns meses, D. Reinhard Marx (Munique) havia dito: "Ninguém quer substituir o papa, anular o direito canônico ou reescrever o dogma da Igreja". Irma Stetter-Karp, presidente do Comitê Central dos Católicos Alemães, disse: "Aqueles que acreditam poder evitar as mudanças necessárias com acusações genéricas de sujeição ao 'espírito do tempo' ignoram a gravidade da situação" após os abusos.
Os conflitos com Roma estão se amenizando e se aplainando. Houve plena aceitação pelos bispos do recente documento para a etapa continental do sínodo universal. Para Bätzing o texto soa como um encorajamento e o encontro em Roma como uma grande oportunidade. A ação conjunta de alguns bispos que visitaram os responsáveis da cúria está suavizando a dureza dos julgamentos.
O prudente secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, Mons. Armando Matteo destacou as modificações de moderação que já haviam ocorrido nos textos do sínodo alemão: “Se os bispos alemães saírem de seus horizontes e se abrirem a encontros com outras posições, o intercâmbio pode ser muito proveitoso e rico”.
A favor de posições de diálogo sempre foi o card. Mario Grech, presidente da secretaria do Sínodo. Ele rejeitou as críticas mais acaloradas: "Tenho confiança na Igreja Católica na Alemanha, nos bispos, porque acredito que eles estão cientes do que estão fazendo". A condição sofrida dos bispos é um sinal do esforço e da coragem da Igreja alemã.
Primeiro o card. Reinhard Marx (Munique), depois D. Stefan Heße (Hamburgo), D. Hans-Josef Becker (Paderborn) e, recentemente, D. Ludwig Schick (Bamberg) apresentaram sua renúncia, mesmo que o papa só tenha aceito aquelas de Becker e Schick. A difícil gestão dos abusos soma-se ao normal trabalho pastoral e às exigentes exigências de reforma.
O detonador que provocou o recurso ao sínodo nacional foram os números dos abusos. No estudo discutido pelos bispos em 2018, entre 1946 e 2014, foram registradas 3.677 vítimas e 1.670 padres predadores. Números ainda mais inflados pelos relatórios diocesanos que ainda estão saindo, cada vez reabrindo as feridas.
Estima-se que 5,1% dos padres estejam envolvidos (atualmente pouco mais de 12.000). A reação pública foi muito forte, com a consequente queda de credibilidade da Igreja. Mas os abusos expuseram problemas mais amplos e radicais. Eles complicam a Igreja há décadas e já encontraram expressão no Sínodo de Würzburg (1971-1975).
Os católicos alemães reclamam que Roma nunca deu uma resposta àqueles documentos que destacavam problemas ainda atuais. Está em curso uma crescente erosão e queda da fé, uma grave crise do clero, uma necessária renovação da pastoral. Diante do desgaste de credibilidade, algumas reformas estruturais são a condição mínima para poder recomeçar. A tarefa principal, que é o anúncio e a evangelização, está ligada à credibilidade das estruturas eclesiais.
“Temos que chegar a algumas decisões sobre a estrutura eclesial – sublinha o meu interlocutor – para obter uma credibilidade que se perdeu. Sabemos muito bem que a reforma eclesial não nasce de uma assembleia sinodal, mas do testemunho cristão de cada crente e do movimento sinodal global da Igreja. O verdadeiro ponto crucial é a evangelização em uma sociedade pós-secular, mas sem reformas, inclusive estruturais, não conseguiremos recomeçar”.
Os 230 sinodais, incluindo 70 bispos, se dividiram em quatro fóruns: poder e responsabilidade na Igreja, o papel das mulheres, os padres e suas vivências, o amor e a sexualidade. Cada fórum elaborou um documento de referência e um segundo texto de indicações práticas. Outros foram adicionados a estes ao longo do caminho. Alguns já foram aprovados (como o texto sobre poder e responsabilidade e sobre o papel da mulher).
Um foi rejeitado, o da sexualidade, mas será reapresentado como material para o sínodo universal. Os demais devem atingir a maturação com a última montagem. A aprovação ocorre com dois terços dos membros do sínodo e dois terços dos votos dos bispos. Por isso, exige uma ampla convergência. E, em todo caso, os textos não são vinculantes e são confiados a cada um dos bispos no que diz respeito à sua execução prática.
Em sua elaboração posterior, desapareceram as posições mais radicais, como a demanda de ordenação sacerdotal para mulheres ou a abolição do celibato eclesiástico. Mas não faltam pedidos exigentes como a formação de um “conselho sinodal permanente”. O envolvimento direto dos leigos em algumas escolhas vai gerar muita discussão, mas os bispos franceses também pedem algo parecido.
Será solicitado o envolvimento das mulheres nos serviços eclesiais (do ensino ao diaconato, passando pelas funções curiais), uma renovação radical na formação dos padres, espaço para os viri probati e um serviço de presidência não litúrgica para leigos com formação teológica e para crentes de reconhecida autoridade, a pesquisa contínua sobre os ministérios ordenados para as mulheres.
Temas que encontram confirmação nos relatórios das conferências nacionais para o sínodo universal e no documento recentemente publicado para sua etapa continental.
Sobre a urgência de propor um ensinamento moral positivo coerente com o arcabouço bíblico e algumas conquistas da modernidade muitos voltaram, apesar do rocambolesco voto na última assembleia (o texto não passou por um punhado de votos entre os bispos).
O texto é uma apresentação das condições humanas da sexualidade vivida, atualmente condenadas moralmente e disciplinadas pelo magistério católico, com vistas a uma reconsideração da doutrina católica que leve em conta o valor das experiências e das escolhas vividas segundo a consciência, do conhecimento trazido pelas ciências humanas, da complexidade e multiformidade da experiência sexual que não pode ser reduzida à pura genitalidade e à naturalidade da reprodução da espécie e, sobretudo, da boa nova evangélica do amor incondicional de Deus para cada ser humano ser - assim como ele é - que sela uma dignidade inviolável.
Se a lista é um clássico (pessoas não binárias, homossexualidade, divorciados recasados, masturbação etc.) do debate teológico e das práticas pastorais, o tema se destaca por sua tentativa de argumentar, diante do magistério atual, razões fundamentadas para uma sua reconfiguração: Escritura, Vaticano II, magistério do Papa Francisco, antropologia, psicologia, biologia, são convocadas para ampliar o quadro da reflexão normativa da doutrina católica sobre a sexualidade.
Um texto que fundamenta e argumenta para convencer e não para impor uma visão própria – sobre a qual se pode e se deve debater. O bispo de Aachen, Helmut Dieser, julga a atual formulação da doutrina moral muito simplista e carente das necessárias nuances. Para Franz-Josef Bode, bispo de Osnabrück, é oportuna uma reflexão geral sobre a antropologia cristã.
Pela complexidade da máquina sinodal não faltaram limites. A amplitude e o número de textos tornaram difícil a comunicação externa e, em particular, com Roma, onde as vozes mais críticas chegaram com mais facilidade. Só recentemente houve o esforço de um diálogo direto de alguns bispos com as instâncias romanas.
As traduções para outras línguas dos textos foram escassas e as relações com os episcopados vizinhos pouco cultivadas. “Não conseguimos nos livrar da imagem de quem quer ensinar os outros, mesmo que não corresponda à realidade”. A dimensão espiritual da assembleia, o papel da oração na pesquisa, a experiência do discernimento no Espírito é pouco evidente e contada.
Como confirmação dos trabalhos sinodais, mas também como crítica, convém reler a carta do Papa Francisco ao "povo de Deus que está em caminho na Alemanha", sobretudo quando acentua a dimensão horizontal e vertical do processo, a centralidade da evangelização, a relação entre as Igrejas locais e a Igreja universal, o perigo da burocratização e da redução elitista do povo de Deus (29 de junho de 2019).
As críticas internas foram duras, embora não numerosas: do cardeal Rainer Maria Woelki (Colônia) aos bispos Stephan Oster (Passau), Rudolf Voderholzer (Regensburg), Dominikus Schwaderlapp (auxiliar de Colônia), Gregor Maria Hanke (Eichstätt) etc.
Tiveram maior ressonância as posições contrárias do card. Gerhard Ludwig Müller e dois outros cardeais que certamente não podem ser categorizados como conservadores, como Walter Kasper e Kurt Koch. Três grupos episcopais participaram: o polonês (fevereiro de 2022), alguns países do norte da Europa (março de 2022) e cerca de setenta bispos entre os EUA e a África (abril de 2022).
As respostas de D. Bätzing podem ser resumidas da seguinte forma: muitas vezes as observações não correspondem ao que realmente foi discutido e aos textos aprovados; o que é possível em nível local e o que envolve toda a Igreja está claramente presente no sínodo; seguir em frente como sempre foi feito, causa sérios danos para as comunidades do futuro; o problema dos abusos envolve praticamente todas as Igrejas e é preciso enfrentá-lo com vigor; não pode ser atribuído ao depositum fidei tudo o que se sedimentou na história; o espírito do tempo e suas derivas culturais são algo muito diferente dos "sinais dos tempos" que o Concílio indicou como necessários para compreender a ação de Deus na história humana.
Até o Papa Francisco não deixou de expressar algumas reservas, sobretudo de forma mais jocosa. Em 6 de novembro, ao retornar do Bahrein, ele repetiu que “a Alemanha tem uma grande e bela Igreja Protestante. Não desejaria uma segunda, que não seria tão boa quanto a primeira”.
Em comunicações informais, ele fala do sínodo alemão como sogenannte (o assim chamado). Há um ano, ele disse a alguns visitantes: os alemães "jogam no sínodo, mas se esqueceram do Espírito Santo". Elementos pontuais que, nos recentes encontros diretos com alguns bispos, foram melhor discutidos e definidos.
Agora, na visita ad limina, eles encontrarão uma formulação mais completa e ponderada. Também em razão das informações diretas. É possível que se esteja caminhando para um compromisso criativo, finalizando o trabalho do sínodo alemão no âmbito do sínodo universal, onde encontraria críticas, mas também muitos consensos.
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Sínodo alemão: o possível compromisso. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU