17 Novembro 2022
Os bispos dos Estados Unidos elegem um presidente que os liderará em 2024, eleito um conservador, enquanto os alemães se encontram com o Papa e a Cúria em Roma em uma franca discussão sobre as reformas do processo sinodal.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 16-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não são dois cismas, como alguns temem, mas vistos de Roma, seu impulso é centrífugo. A Igreja dos EUA e a Igreja da Alemanha embarcaram em uma trajetória divergente, mas, em por uma ironia no calendário, ambas enfrentam um ponto de etapa crucial nesta semana. Os bispos dos Estados Unidos elegeram seu novo presidente, Timothy P. Broglio, durante uma assembleia em Baltimore (14 a 17 de novembro) que confirmou sua distância de um papa, Francisco, com quem a sintonia nunca foi forte. Nos mesmos dias (14-18) os bispos alemães se encontrarão com Bergoglio e os principais representantes da cúria em Roma para uma discussão que promete ser franca sobre seu percurso sinodal, um projeto reformista que há algum tempo suscita alguma apreensão no Vaticano.
Na terceira votação, os bispos dos Estados Unidos elegeram Timothy P. Broglio como presidente para os próximos três anos, portanto incluindo o ano das eleições presidenciais de 2024, Timothy P. Broglio, militar com formação diplomática: na época em que viveu em Roma, foi secretário do então Cardeal Secretário de Estado Angelo Sodano. Dos dez candidatos pré-selecionados para a eleição, apenas um, Paul D. Etienne, de Seattle, pode ser considerado "bergogliano". Era quase dado como certo que um conservador seria eleito: o confronto, no máximo, era entre bispos engajados na guerra cultural (“culture war”) contra a secularização, como William E. Lori, que depois de um confronto direto com Broglio foi eleito vice-presidente, personalidades ainda mais extremistas, como o arcebispo Salvatore J. Cordileone, e conservadores clássicos, como o novo presidente.
“É uma situação parecida com o que está acontecendo no Partido Republicano, com o confronto entre a velha guarda e a alma trumpiana ou pelo menos radical”, comenta Massimo Faggioli, historiador do cristianismo da Villanova University, na Pensilvânia. Para um veículo católico progressista como o National Catholic Reporter, no entanto, a mensagem é clara: "Bispos elegem um anti-Francisco como presidente".
Tema recorrente nas polêmicas, inclusive eclesiais, dos últimos anos, o direito ao aborto tem gerado uma dura polêmica entre a maioria dos bispos católicos, de um lado, e, do outro, o presidente Joe Biden e a congressista Nancy Pelosi, ambos católicos "liberais". Muitos prelados gostariam de colocar no papel a proibição para a comunhão, mas a Santa Sé interveio para atenuar o conflito. As fricções poderiam voltar em breve. “A verdadeira questão que pesa na assembleia dos bispos”, analisa Faggioli, “são as eleições presidenciais de 2024 e como repensar a questão pró-vida à luz das eleições de meio de mandato”.
Ao longo dos anos, o Papa Francisco iniciou uma mudança na Igreja dos EUA. Ele nomeou arcebispos com uma marca de diálogo como cardeais. Ele pediu uma abordagem mais pastoral, insistindo nos temas da migração, meio ambiente e justiça social. Ele não poupou críticas a um presidente, Donald Trump, que usufruía de certa aprovação de vários bispos. Francisco, explica Faggioli, “tem uma relação muito particular com a Igreja dos Estados Unidos, muito polarizadora, mais do que em outros contextos: detestado pela direita, cegamente elevado a herói pelos liberais”. Agora os bispos escolheram um presidente conservador, uma dupla mensagem para a Casa Branca e para o Palácio Apostólico.
Enquanto isso, os bispos alemães chegaram a Roma para uma "visitatio ad limina apostolorum" particular. Ao contrário das outras visitas periódicas ao Vaticano, de fato, está marcado para sexta-feira um encontro extraordinário com o Papa e os chefes de departamentos da Cúria Romana. No centro do debate, o "percurso sinodal" alemão, que há meses mantém os homens do Vaticano em alerta.
Iniciada em 2019 pelo cardeal Reinhard Marx para enfrentar as causas profundas da crise dos abusos sexuais do clero, essa discussão terminará em março do próximo ano. Em cima da mesa estão questões polêmicas como o celibato compulsório, a moralidade sexual, a homossexualidade e o papel da mulher. Enquanto na Alemanha cresce a impaciência, em Roma aumenta o temor de uma ruptura doutrinária: o cardeal Kurt Koch fez recentemente um paralelo entre o sínodo alemão e o nazismo que provocou a imediata reação indignada do presidente dos bispos alemães, mons. Georg Baetzing, e as rápidas desculpas do Cardeal da Cúria.
O mecanismo adotado pelos bispos alemães realmente neutraliza esse risco. Cada proposta deve primeiro ser aprovada por dois terços das assembleias (bispos e leigos juntos), depois novamente endossados por dois terços dos bispos (entre os quais não faltam conservadores, a começar pelo cardeal de Colônia Rainer Maria Woelki, muito contestado em sua diocese).
Os alemães, mesmo os mais progressistas, não pensam em introduzir inovações que contradigam o magistério ou o catecismo. No entanto, o impulso é forte: antes de partir para Roma, por exemplo, o vice-presidente da conferência episcopal, Franz-Josef Bode, voltou a pedir a instituição do diaconato feminino, sem excluir a ordenação sacerdotal para mulheres no futuro. Se alguém grita pelo cisma, no entanto, na sede do episcopado há a convicção de que o verdadeiro cisma é aquele que ocorre em centenas de milhares de católicos que abandonam a Igreja todos os anos porque não seguem mais seus ensinamentos ou estão escandalizados pelos abusos.
O Papa teme uma fuga maior. Recomenda prudência. Ele pede aos bispos alemães que convirjam no sínodo global em andamento até 2024, para que a Igreja mundial possa encontrar um equilíbrio e uma síntese entre as diferentes posições. Ele sabe que dentro da catolicidade existem posições muito diversas, não quer comprimi-las nem mesmo exacerbá-las. “Vimos”, disse ele no final de um sínodo em 2015, “que o que parece normal para um bispo de um continente pode resultar estranho, quase como um escândalo – quase! – para o bispo de outro continente; o que é considerado violação de um direito em uma sociedade pode ser um preceito óbvio e intangível em outra; o que para uns é liberdade de consciência, para outros só pode ser confusão”. Os impulsos dos bispos alemães e estadunidenses confirmam isso. Para o pontífice latino-americano, somente juntos podemos encontrar um caminho viável para todos.
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Os impulsos centrífugos que preocupam Roma: a semana-chave da Igreja nos Estados Unidos e na Alemanha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU