01 Setembro 2022
“Podemos amar nosso país, embora reconhecendo que nós, como o povo de Israel no Antigo Testamento, somos um povo pecador que precisa do perdão e da graça de Deus. Amar nosso país não é incompatível com reconhecer o pecado da escravidão, o genocídio contra os povos indígenas e nosso papel no aquecimento global. Como cristãos, somos chamados a confessar nossos pecados, fazer penitência e corrigir nossas vidas”, escreve o jesuíta estadunidense Thomas Reese, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 31-08-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Quando eu era menino na década de 1950, os filmes de cowboys eram populares. Era fácil distinguir os mocinhos dos bandidos porque, nos filmes, os mocinhos usavam chapéus brancos e montavam cavalos brancos, e os bandidos usavam chapéus pretos e montavam cavalos escuros.
Infelizmente, na vida real, muitos de nós querem dividir as pessoas em mocinhos e bandidos. Os mocinhos são nossos amigos e vizinhos, os bandidos são qualquer pessoa de outra nacionalidade, credo, cor ou partido político. Os mocinhos são membros da nossa igreja, os bandidos não são. Outros crentes vão para o céu, todos os outros vão para o inferno.
Nas Escrituras Hebraicas encontramos que o povo de Israel também via o mundo dividido em mocinhos e bandidos. O povo de Israel era o mocinho porque tinha uma aliança especial com Deus, e muitas vezes achava que isso excluía todos os outros do contato com Deus.
Alguns livros do Antigo Testamento, como Rute e Jonas, desafiaram essa visão. Um dos autores de Isaías, conhecido pelos estudiosos das Escrituras como Trito-Isaías, lembra ao povo de Israel que Deus chama todas as pessoas. No Trito-Isaías o Senhor diz: “Eu venho para reunir nações de todas as línguas; eles virão e verão a minha glória.”
Este mesmo tema é retomado no Evangelho de Lucas, onde Jesus nos diz que “as pessoas virão do leste e do oeste, do norte e do sul, e tomarão seus lugares na festa do reino dos céus”.
A vontade salvífica de Deus é universal; estende-se a todas as pessoas. A cada pessoa na terra é oferecido o amor e a graça de Deus. Na medida em que responderem, serão envolvidos no amor de Deus. Na medida em que disserem sim a Deus, estarão unidos a Deus. Isso pode acontecer sem batismo. Pode até acontecer quando uma pessoa leva uma vida amorosa sem reconhecer o amor de Deus em sua vida.
Isto é o que a Igreja Católica afirmou no Concílio Vaticano II (1962-1965). O ecumenismo consiste em reconhecer que Deus pode falar a todas as pessoas, mesmo aquelas fora da Igreja Católica e mesmo aquelas fora do cristianismo.
Os Evangelhos nos pedem para olhar além das fronteiras de nossa comunidade, além das fronteiras de nossos bairros e além das fronteiras de nossa nação. Um cristão deve ver todas as pessoas como irmãos e irmãs capazes de ouvir o Espírito de Deus. Podemos aprender a ouvir melhor o Senhor ouvindo e respeitando uns aos outros. É disso que se trata o diálogo ecumênico e inter-religioso.
Hoje, muitos estadunidenses abraçam o nacionalismo cristão, argumentando que os fundadores de nossa república eram cristãos e queriam que fôssemos uma nação cristã. Embora seja historicamente verdade que a maioria de nossos fundadores eram cristãos, também é verdade que eles queriam um governo secular, livre de religião. Eles viram como a união da política e da religião na Europa levou a perseguições religiosas e guerras. Essas guerras e perseguições levaram muitos a fugir da Europa para a América. Os fundadores queriam um governo que tratasse as pessoas de todas as religiões igualmente.
Para John Adams, isso significava até permitir o asilo dos jesuítas.
“Não gosto do reaparecimento dos jesuítas”, escreveu a Thomas Jefferson em 1816. “Não teremos enxames regulares deles aqui, em tantos disfarces como apenas um rei dos ciganos pode assumir, vestidos como impressoras, editores, escritores e mestres da escola? Se alguma vez houve um corpo de homens que mereceram a condenação na Terra e no Inferno, é esta Companhia de Inácio de Loyola. No entanto, somos obrigados pelo nosso sistema de tolerância religiosa a oferecer-lhes um asilo.”
O nacionalismo cristão também está errado teologicamente. É verdade que, como cristãos, devemos amar nosso país, mas Jesus nos diz que devemos amar a todos como nossos irmãos e irmãs, mesmo aqueles de outros credos. Isso inclui nossos concidadãos e os de outras nações.
Não podemos ignorar a pobreza, a fome e as doenças que afligem as pessoas fora do nosso país. Não podemos ignorar as violações dos direitos humanos e dos direitos dos trabalhadores que nos fornecem mercadorias baratas do exterior. Não podemos ignorar o aquecimento global porque temos ar condicionado. Não podemos ignorar a exploração do meio ambiente porque ele não está no nosso bairro.
Como cristãos, não podemos dar as costas aos refugiados do Haiti, da África, do México e da América Central. Todos são nossos irmãos e irmãs.
Podemos amar nosso país, embora reconhecendo que nós, como o povo de Israel no Antigo Testamento, somos um povo pecador que precisa do perdão e da graça de Deus. Amar nosso país não é incompatível com reconhecer o pecado da escravidão, o genocídio contra os povos indígenas e nosso papel no aquecimento global.
Como cristãos, somos chamados a confessar nossos pecados, fazer penitência e corrigir nossas vidas. Um verdadeiro nacionalismo cristão seria capaz de confessar nossos pecados e nos comprometer a fazer melhor.
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Por que o nacionalismo cristão é anticristão. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU