07 Março 2022
"É um milagre que ação após reação não tenha levado a uma guerra nuclear, mas tudo isso demonstra a natureza catastrófica da política e da atual ordem global do mundo que nos trouxeram até aqui. Isso é tudo que precisamos mudar", escreve Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 05-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
A invasão russa da Ucrânia suscitou uma condenação sem “ses” nem “mas”, algo totalmente justo, pois, como disse João XXIII em "Pacem in Terris": "não é mais possível pensar que nesta nossa era atômica (vi atomica gloriatur), a guerra seja um meio apto para ressarcir direitos violados". E a Carta da ONU proíbe o uso da força contra a integridade territorial e a independência política de qualquer Estado.
Mas se não for pela guerra em si, os "ses" podem ser invocados sobre seus precedentes e os "mas" sobre as maneiras pelas quais se responde a ela.
Quanto aos precedentes, é claro que não teria havido guerra se não tivesse sido negada qualquer alternativa à entrada da Ucrânia na OTAN. De fato, não estavam em jogo os interesses vitais de ninguém, portanto teria sido suficiente um acordo de segurança sem deixar que a OTAN entrasse na Ucrânia. E se isso foi, como afirmam as acusações, apenas um pretexto aproveitado por Putin para saciar seus impulsos neoimperiais, desabafar sua fobia antiamericana, reconstituir a União Soviética e até restaurar o império milenar de Pedro, o Grande e de São Petersburgo, então por que não o colocar à prova, tirando-lhe tal pretexto?
Por outro lado, os Estados Unidos primeiro empurraram a Ucrânia até a linha de fogo e depois declararam que nem um único soldado estadunidense iria em seu país para defendê-la na guerra que eles provocaram.
Desta forma a Ucrânia foi tomada por ambos como vítima sacrificial, e como muitas vezes acontece com a vítima sacrificial, pelo menos segundo a análise de René Girard (com exceção de Jesus que desmascarou o mecanismo) a própria Ucrânia provocou seu sacrifício através de uma insensata e letal política de intransigência.
No que diz respeito às respostas à crise, foram impostas à Rússia sanções capazes de causar a máximo de dor ao seu povo, colocá-la fora do sistema monetário e de comércio mundial e, em suma, mergulhá-la na condição de pária. Tudo isso anunciado literalmente por Biden, e depois assumido pelo cortejo da Europa e de todo o Ocidente.
Agora, além da eficácia e automutilação dessas sanções, tirar de alguém o uso do dinheiro e do comércio pode parecer uma medida não militar e moderna, mas na realidade é uma medida apocalíptica e antiga. De fato, o apocalipse de João descreve a guerra final em que a besta representando os poderes mundanos coloca nas mãos e na testa de todos, "pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos", uma marca que, por assim dizer, os credencia; para que ninguém que não tenha tal marca possa "comprar e vender", ou seja, possa viver. Então, se a guerra é uma realidade apocalíptica, a proibição e exclusão do circuito do dinheiro é a outra face da violência apocalíptica. A mensagem que assim foi enviada à Rússia, juntamente com a expulsão do Conselho da Europa, das competições esportivas e tudo o mais, foi que a Rússia deve desaparecer da face da terra.
Dessa forma, cometeu-se o trágico erro de não deixar a Putin, tomado por louco e inimigo absoluto, outra saída senão a guerra.
É um milagre que ação após reação não tenha levado a uma guerra nuclear, mas tudo isso demonstra a natureza catastrófica da política e da atual ordem global do mundo que nos trouxeram até aqui. Isso é tudo que precisamos mudar.
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Os “ses” e “mas” da guerra. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU