14 Janeiro 2022
"Não podemos nos iludir de que responsabilizar a comunidade cristã no processo de designação seja isento de riscos e parcialidade; mas, mesmo com essa eventualidade, vale a pena ressaltar que o ministério, que continua dom sacramental gratuito de parte de Deus, é um termo relativo que implica a comunidade na qual e dentro da qual ele é oferecido; por que não buscar o melhor que realmente inclua uma comunidade… bem servida?", escreve o Cosimo Scordato, teólogo de Palermo, em artigo publicado por Come Se Non, blog do teologo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, 13-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Na sequência do post de ontem, o amigo Cosimo Scordato, teólogo de Palermo, me enviou este artigo, que continua e amplia a reflexão. Agradeço-lhe de coração e publico o seu belo texto (ag)", diz Andrea Grillo.
Na linha das reflexões propostas por Andrea Grillo, que retoma de forma concisa e essencial as solicitações já oferecidas por G. Lafont, vamos nos associar para aprofundar ainda mais a reflexão proposta.
Em primeiro lugar, queremos recordar a lúcida contribuição que Giuseppe Colombo deu nas décadas seguintes ao Concílio sobre a identidade (apostólica) do ministério ordenado a partir do bispo, incluindo concentricamente o presbiterado e o diaconato. Este ponto de partida, por um lado, no plano dogmático, devia que superar aquela incerteza sobre a sacramentalidade do episcopado, que havia perdurado até o Concílio Vaticano II; por trás dela estão escondidas as tantas ambiguidades que ofuscaram a clareza do ministério; pelo outro lado, no plano pastoral, recomeçar pela figura do bispo, permitiu o reaparecimento da Igreja local como articulação necessária e intrínseca da Igreja tout court.
A nova orientação conciliar, elaborada com lucidez pela teologia pós-conciliar, deveria ter sinalizado um profundo repensamento tanto da espiritualidade do ministério ordenado, quanto das diversas práticas eclesiais, oriundas do passado e comprometidas pelo arranjo teológico agora ultrapassado; limitamo-nos a observar apenas algumas óbvias consequências.
Em primeiro lugar, deve-se afirmar a estreita correlação entre o ministério episcopal e a identidade da Igreja local; a recuperação da sacramentalidade do episcopado possibilitou a afirmação decisiva da Igreja local que, até o Concílio Vaticano II, girava em torno do termo diocese, termo caracterizado mais pelo aspecto jurídico e organizativo do que pelo conteúdo eclesial; a Igreja local, por outro lado, é a primeira realização da subjetividade concreta da eclesialidade em um lugar e um tempo bem específicos; tal consciência é fruto do dado neotestamentário, que, sobretudo nas cartas paulinas, afirma a eclesialidade a partir de cada comunidade local, que por sua vez, postas em circularidade com as outras Igrejas, tornam possível aquela que, de forma recapitulativa, mas com um tom levemente ideal, podemos chamar de Igreja universal.
Tal correlação entre bispo e igreja local não pode deixar de comportar consequências sobre o procedimento que conduz à designação do bispo, como pessoa chamada a partilhar o caminho, as alegrias e as tristezas, os esforços e as esperanças de toda a comunidade eclesial naquele lugar e naquele tempo precisos.
Para tal designação, no momento existem apenas consultas, secretas e a serem mantidas secretas, iniciadas por Roma com pessoas eclesialmente significativas para reunir pareceres sobre os candidatos, na maioria das vezes propostas pelas Conferências Episcopais locais, se não diretamente por Roma.
Sem pretensão de enfatizar o tema conjugal, que em todo caso tem uma grande tradição patrística e teológica, surge um questionamento: se o bispo simboliza o esponsal de Cristo para com sua Igreja noiva, não seria óbvio que exista uma escolha recíproca entre noivo e noiva? Como implementar este procedimento de recíproca escolha não é fácil de ser configurado em detalhes; mas certamente deve-se começar a pensar em algo de radicalmente diferente em relação ao procedimento atual, que mediamente promove principalmente a ignorância entre os dois parceiros (!), ou seja, o bispo e sua esposa; nada mais anacrônico, que agora ofende a nossa sensibilidade contemporânea.
O segundo aspecto é relativo ao que poderíamos chamar de preparação para o ministério ordenado. No momento, a única preparação prevista, segundo a reforma iniciada pelo Concílio de Trento e que ainda agora resiste, é aquela do seminário; é o local oficial de preparação do ministério presbiteral, pensado principalmente segundo o modelo tradicional; uma série de características eram atribuídas ao presbítero, muitas vezes expropriadas ao povo cristão: o termo 'sacerdote', a ideia de que seja o homem da oração ou do sagrado, identificável porque chamado ao carisma (sacrifício) do celibato…; em todo caso, é dado como certo acolher nele aqueles que dizem ter "a vocação", mesmo que ela deva ser verificada pelos responsáveis. Conotações que têm uma certa ambiguidade porque não parecem oferecer os elementos da 'especificidade' do ministério presbiteral em relação à identidade batismal e crismal do povo cristão e ao carisma da vida religiosa.
Em todo caso, se o Concílio deu uma virada em toda a estrutura teológico-pastoral do ministério ordenado, o seminário mostra seu aspecto anacrônico (para além das boas intenções dos atuais sujeitos nele envolvidos); através dele se perpetua a ideia da centralidade do presbítero, entendido como figura princeps da ministerialidade na Igreja.
Perguntamo-nos muito banalmente: por que não pensar em um seminário que prepare para a ministerialidade na Igreja tout court, dando percursos específicos para o ministério diaconal, presbiteral e episcopal, destacando em cada um deles os verdadeiros traços essenciais e as correspondentes qualidades ministeriais que deveriam competir? Sim, também seminário 'episcopal', já que este ministério não pode ser improvisado e exigiria uma formação particular na direção da Igreja local.
Neste contexto, ao lado da referida nova preparação (que não deve ser exagerada), não se deve descurar um procedimento de consenso de parte da comunidade eclesial nas suas diversas articulações. Sabemos que apenas um resíduo desse consenso permaneceu na liturgia quando na ordenação presbiteral o povo cristão é solicitado a expressar o próprio consenso (agora inevitável) à ordenação do candidato. Não seria desejável, em vez disso, um caminho em que o povo cristão fosse envolvido (sinodalmente, finalmente?!) para manifestar um consenso e, portanto, a disponibilidade de acolher os ministros que o Senhor quer colocar a seu serviço? Por outro lado, se falarmos de serviço, quem deve escolher as "pessoas de serviços" senão aqueles que precisam de tal serviço? O exercício concreto do ministério não deve excluir um bom grau de satisfação entre uns e outros!
Essas solicitações poderiam parecer peregrinas; do nosso ponto de vista, elas têm apenas a tarefa de redimensionar gradualmente aqueles procedimentos, que atualmente vêm principalmente de cima e dentro das quais se insinuam também jogos não claros nem transparentes aos olhos do povo cristão. Tampouco não podemos nos iludir de que responsabilizar a comunidade cristã no processo de designação seja isento de riscos e parcialidade; mas, mesmo com essa eventualidade, vale a pena ressaltar que o ministério, que continua dom sacramental gratuito de parte de Deus, é um termo relativo que implica a comunidade na qual e dentro da qual ele é oferecido; por que não buscar o melhor que realmente inclua uma comunidade… bem servida?
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Episcopado e igreja local. Artigo de Cosimo Scordato - Instituto Humanitas Unisinos - IHU