23 Julho 2021
Quando o Papa Francisco invoca Nossa Senhora para desfazer os nós da pandemia, ele não realiza um ritual milagreiro, mas uma operação refinada de evangelização. “Com a tua obediência desataste o nó da desobediência de Eva; com a tua fé dissolveste o que Eva tinha ligado à sua incredulidade”, disse Bergoglio, dirigindo-se ao ícone alemão de Maria que desata os nós, concluindo uma “maratona” de rosários com uma cerimônia nos jardins do Vaticano.
O comentário é de Iacopo Scaramuzzi, publicado por mensal Jesus, julho de 2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A fórmula, analisada profundamente pela constituição conciliar Lumen Gentium, remonta a São Justino, o primeiro a traçar o paralelo entre Eva e Maria, e foi retrabalhada por Santo Irineu, segundo o qual o que foi feito de errado no passado deve ser corrigido, refazendo o mesmo caminho de maneira correta, o que está amarrado não se desata a não ser seguindo a ordem inversa da amarração.
A pandemia, então, não é apenas um evento casual de luto, mas se torna uma ocasião de conversão: revelou "nós do egoísmo e da indiferença, nós econômicos e sociais, nós de violência e guerra", disse o papa, que apenas uma redescoberta fraternidade pode dissolver. A arte - pagã - da magia camponesa e popular, fotografada no sul da Itália pelo grande antropólogo Ernesto de Martino, ecoa nessa amarração e desatamento, nesse fazer e desfazer. Uma visão do mundo que as personalidades católicas mais avisadas souberam evangelizar relendo-a à luz da dinâmica de morte e ressurreição de Jesus, que liberta a humanidade do pecado assumindo-o pessoalmente. E reintegra o povo de Deus na história graças a uma devoção que não o aliena, mas lhe restitui dignidade.
Leia mais
- “Entramos na era da insegurança ou na era do medo”. Entrevista com Gilles Lipovetsky
- O Papa, o sentimento religioso e o apelo pelos “últimos”
- Egoisticamente, a solidariedade é a única escolha que temos. Artigo de Slavoj Žižek
- O vírus sacode a Igreja. “Chega de egoísmo.” Entrevista com Francesco Montenegro
- “O egoísmo, o vírus social que alimenta a epidemia”
- Papa Francisco e o vírus do egoísmo indiferente
- Pandemia e solidariedade. “Para ter um futuro, pensemos bem: não foi um episódio”
- A Economia do Bem Viver: uma reflexão para a sociedade pós-pandemia
- O dispositivo de poder neoliberal e seus efeitos subjetivos no atual contexto de pandemia
- Encíclica social do Papa Francisco é ‘revolução fraternal’ em tempos de individualismo
- “Hoje há muito individualismo, os mortos são só números”. Entrevista com Umberto Galimberti
- Pandemia e as falácias do homo economicus. Artigo de Castor Bartolomé Ruiz
- A pandemia e o fim do neoliberalismo pós-moderno
- “Com a reclusão compulsória, assistiremos a um fortalecimento do individualismo”. Artigo de David Le Breton
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O rosário e os nós de uma sociedade doente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU