25 Outubro 2017
"A ideologia é o discurso do poder especialmente do poder dominante. O poder é dominante porque ele domina várias áreas sociais. As elites brasileira têm tanto poder a ponto de comprarem as demais elites. Pelo fato de serem dominantes, impõem sua ideia sobre a crise brasileira, culpando o Estado como ineficiente e perdulário, os líderes como corruptos e a política como o mundo do sujo", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.
O tema da ideologia está em pauta: ideologia de gênero, política, econômica, religiosa etc. Tentemos tirar a limpo esta questão.
1.Todos têm uma determinada ideologia. Quer dizer, cada um se faz uma ideia (daí ideologia) da vida e do mundo. Tanto o pipoqueiro da esquina, quanto a atendente do telefone ou o professor universitário. Esta é inevitável, porque somos seres pensantes com ideias. Querer uma escola sem ideologia é não entender nada de ideologia.
2.Cada grupo social ou classe projeta uma ideologia, uma visão geral das coisas. A razão é que a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Se alguém tem os pés na favela, tem uma certa ideia de mundo e de sociedade. Se alguém tem os pés num apartamento de luxo junto à praia, tem outra ideia do mundo e da sociedade. Conclusão: não só o indivíduo, mas também cada grupo social ou classe, inevitavelmente elaboram sua visão da vida e do mundo a partir de seu lugar social.
3. Cada ideologia pessoal ou social, bem como todo saber, tem por detrás interesses, nem sempre explicitados. O interesse do operário é aumentar o seu salário. O do patrão, o de aumentar o seu lucro. O interesse de um morador da favela é sair daquela situação e ter uma casa decente. O interesse do morador de um apartamento de classe media é poder manter esse status social, sem ser ameaçado pela ascensão de gente do andar de baixo. Os interesses não convergem porque se aumenta o salário, diminui o lucro e vive-versa. Aqui se instaura um conflito.
4. O interesse escondido atrás do discurso ideológico deve ser qualificado: ele pode ser legítimo e importa explicitá-lo. Por exemplo: tenho interesse que esse grupo de famílias crie uma pequena cooperativa de produtos orgânicos, de hortaliças, tomates, milho etc. Esse interesse é legítimo e pode ser dito publicamente. O interesse pode ser ilegítimo e é mantido oculto para não prejudicar quem o propõe. Exemplo: há grupos que combatem o nu artístico para, na verdade, encobrirem a homofobia, a supremacia da raça branca e a perseguição aos grupos LGBT. Ou um politico de um partido neoliberal cujo projeto é diminuir salários, reduzir as aposentadorias e privatizar bens públicos apresenta-se como alguém que vai lutar pelos direitos dos trabalhadores, dos aposentados e defender a riqueza do Brasil. Ele ideologicamente oculta os reais interesses partidários para não perder votos. Essa ocultação é a ideologia como falsidade e ele, um hipócrita.
5. A ideologia é o discurso do poder especialmente do poder dominante. O poder é dominante porque ele domina várias áreas sociais. As elites brasileira têm tanto poder a ponto de comprarem as demais elites. Pelo fato de serem dominantes, impõem sua ideia sobre a crise brasileira, culpando o Estado como ineficiente e perdulário, os líderes como corruptos e a política como o mundo do sujo. Por outro lado, exaltam as virtudes do mercado, as vantagens das privatizações e a necessidade de reduzir as reservas florestais da Amazônia para permitir o avanço do agronegócio. Aqui se oculta conscientemente a corrupção do mercado onde atuam as grandes empresas que subtraem milhões dos impostos devidos, mantém caixa dois, promovem juros altos que favorecem o sistema especulativo financeiro que drena dinheiro público, tirado do povo, para os bolsos de minorias, que, no caso brasileiro, são seis bilionários, possuindo igual riqueza que 100 milhões de brasileiros pobres. Essas elites ocultam as agressões ecológicas, a desnacionalização da indústria e fazem propaganda de que o Agro é pop. Praticam deslavada ideologia como enganação. Há redes de televisão que são máquinas produtoras de ideologia de ocultação, negando ao povo, dados sobre a gravidade da situação atual, gerando espectadores alienados, pois creem em tais versões irreais. Para encobrir sua dominação, apoiam projetos que beneficiam crianças ou secundam grandes eventos artísticos para parecerem benfeitores públicos. Por detrás ocultam falcatruas e apoiam abertamente determinados candidatos, satanizando a imagem do principal opositor.
Há também a ideologia dos sem-poder, dos sem terra e sem teto e outros que para se sustentaram, elaboram discursos de resistência e de esperança. Mas essa ideologia é benéfica pois os ajuda a viver e a lutar.
A ideologia é como uma sombra: sempre nos acompanha. Para superar as ilegítimas, faz-mister desmascará-la e trazer à luz os interesses escusos. E quando falamos a partir de um determinado lugar social, convém explicitar no discurso nossa ideologia. Conscientizada, a ideologia se legitima e democraticamente pode ser discutida ou aceita.
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