19 Novembro 2021
Resumo: A mineradora de Nabucodonosor; A estátua de ouro; A destruição do meio ambiente; O forno da mineradora; Os três jovens no forno; A resistência e reparação dos três jovens; O sonho de Nabucodonosor sendo ele mesmo uma árvore a sofrer.
O texto seguinte não é anacronismo, mesmo mencionando o que consta no livro do profeta Daniel com os acontecimentos da vida das famílias e comunidades que são atingidas por barragens e minerações.
O artigo é de Frei Givaldo Batista da Silva, ofmconv, Franciscano Conventual, que é bacharel em teologia pelo ISB e Pontifícia São Boaventura Seráfico, licenciado em Filosofia pelo ISB e Universidade Católica de Brasília e estudante de História Indígena.
Há muitas vozes unidas que se levantam e são mais preciosas que o brilho da estátua de ouro de Nabucodonosor. Vozes de vida que com justiça reivindicam seu espaço por direito. Neste Brasil muitas famílias sofrem como vítimas dos danos dos rompimentos de barragens. Muitos municípios foram atingidos.
No rompimento da barragem do Rio Doce: Timóteo, Gov. Valadares, Aimorés e Linhares. O rio ficou extremamente doente e os peixes morreram ou ficaram danificados. Além dos danos causados à vida humana e aos animais. E aqui friso a vida indígena do povo krenak que foi atingida e ameaçada...
E no rompimento da barragem de Brumadinho: Brumadinho, Betim, São Joaquim de Bicas, Juatuba, Florestal, Esmeraldas, Pequi, Fortuna de Minas, Maravilhas, Papagaios, Paraopeba, etc. As pessoas ficaram enterradas na lama ao longo do percurso no rio. Não podemos esquecer as memórias dessas pessoas mortas, das que sobreviveram e trazem em si as marcas dos danos e do rio que adoeceu!
Vozes preciosas, que trazem a experiência vivida de irmãs e irmãos nossos, seja representativa ou mesmo vivida nos momentos em que atravessaram seus sonhos causando pesadelos. Significa aqui os sofrimentos psíquicos, emocionais, além dos físicos. E outros sofrimentos, que não se pode esquecer de mencionar, o de manifestar seus direitos. Que, além de sofrerem as causas dos rompimentos, sofrem incompreensões e tentativas de deixá-los sem voz, no esquecimento. Não bastam as barragens não ter dado certo, tentam levantar outras barragens, como barreiras para impedir suas lutas. Em nome de Deus será mais uma barragem-barreira a cair, para o bem do que estão reivindicando.
Diante deste cenário apresentamos uma luz entre tantas boas luzes do povo em caminhada, uma reflexão, precisamente do livro de Daniel. Para fortalecer as lutas que são legítimas e éticas ambientais. Lançar luzes aos que lutam pelas vítimas por barragens e lutas pelo meio ambiente.
O livro de Daniel mostra as ações de Nabucodonosor que causa horror no ambiente para seu ideal do homem de ouro, a estátua. Para um falso bem-estar.
"O rei Nabucodonosor fez uma estátua de ouro, de sessenta côvados de altura e seis de largura e erigiu-a na planície de Dura, na província da Babilônia" (Dn 3,1).
A estátua de ouro era alta e larga. Foi feita com o objetivo de dominar todas as pessoas. A estátua era majestosa, tinha um brilho imponente e convincente aos olhos de quem via.
Entretanto, o brilho iludiu muita gente. E muitas autoridades no carreirismo deixaram-se encantar e as grandes massas do povo se alinharam. O que esses alinhamentos falavam ao Povo? O brilho do ouro da estátua segava os corações!
Toda máquina ou fabrica que produziu a estátua foi movimentada pelos operários desde a extração do minério até o derretimento do ouro e a montagem da estátua. Eram pelo menos três grupos de operários: os que trabalhavam na extração do minério, os que derretiam o ouro no forno, e os que faziam a estátua.
Os marqueteiros ou influenciadores da comunicação conduziram ao povo esse decreto:
"Quem não se prostrar para adorá-lo será precipitado sem demora na fornalha ardente" (Dn 3,6).
Possivelmente esta fornalha não foi feita exclusivamente para fazer a estátua. Tudo indica que faziam outros objetos.
Os negócios foram colocados no centro como coisas endeusadas. Desenvolveram o deus ourificado que atraía as pessoas a inserir seus objetivos deixando-se motivar no sonho que os mentores e influenciadores inseriam em suas mentes. A imaginação da população era manipulada a fim de corresponder a cabeça da estátua. A estátua representa os interesses de Nabucodonosor. Ora, a riqueza faz parte da vida, desde que por caminhos justos. Quais os rumos dessa riqueza? Não seria melhor politicas agroecológicas? Ou alto sustentáveis?
Não adoraram, não se curvaram e não deixam que falsas motivações tomasse conta de suas mentes. Nabucodonosor mandou lançá-los onde foi o processo de derretimento do ouro, fazendo-os oferendas ao seu deus de puro ouro.
Entretanto, os três jovens se ofereceram como se fossem holocausto de carneiros, de touros (Dn 3,40). Não se podia oferecer sacrifícios humanos, por isso se oferecem como cordeiros, transformando o lugar em lugar oração e conexão à vida em Deus. Quantas pessoas são vítimas dos desastres ambientais? Vítimas como na fornalha da mineradora de Nabucodonosor? Serão esquecidas? Tentativas de apagamento de suas memórias?
Sidrac, Misac e Abdenego que eram administradores de toda província da Babilônia (Dn 3,49) foram lançados no forno, por não concordarem com o que estava acontecendo por parte de Nabucodonosor. Os empreendedores e marqueteiros de Nabucodonosor, tentaram tirar de seus caminhos esses três jovens administradores. Mas eles não aceitaram segundo a fé que tinham e consequentemente para que não ferissem a integridade da criação.
O brilho cor de ouro que iludia na estética, tirava a consciência da epifania do outro para uma prisão na ótica dos negócios representado na grande estatua, onde a terra sofria a poluição das fornalhas.
Em meio ao caos, causado pela mineradora de Nabucodonosor, os três jovens fizeram uma reparação em si mesmos, como resistência. E dirige seus sentidos a toda biodiversidade. Foi uma pequena comunidade que olhou para o todo da natureza de modo universal desde o princípio e não se permitiram espaço para o egoísmo.
Os jovens fizeram a seguinte oração eco-reparadora.
"56.Sede bendito no firmamento dos céus, digno do mais alto louvor e de eterna glória! 57.Obras do Senhor, bendizei todas o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! {...} 62.Sol e lua, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! 63.Estrelas dos céus, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! 64.Chuvas e orvalhos, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! {...} 75.Montes e colinas, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! 76.Tudo o que germina na terra, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! 77.Mares e rios, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! {...} 80.Pássaros todos do céu, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! 81.Animais e rebanhos, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! 82.E vós, homens, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! 85.Vós que estais a serviço do templo, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! 86.Espíritos e almas dos justos, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! 87Santos e humildes de coração, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente! 88.Hananias, Azarias e Misael, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o eternamente, porque ele nos livrou da permanência nas trevas, salvou-nos da mão da morte; tirou-nos da fornalha ardente, e arrancou-nos do meio das chamas".
Observemos que o forno, se tornou um templo espiritual reparador. Começaram os louvores ao Deus da vida a partir do firmamento, estrelas, luzes, águas. Na sequência tudo o que existe. O texto segue a lógica do primeiro capítulo do livro do Gêneses. Mas, a diferença é que eles se dirigem aos seres vivos da natureza convidando-os aos louvores, enquanto eles mesmos estão sofrendo as dores psicológicas por estarem no forno. Enquanto são calados eles pedem aos seres do universo que se junte a eles na reparação.
Não é um que reza, rezam em comunidade. Lembramos das muitas pequenas comunidades unidas em oração e apostolado para superar suas dores nos desamparados.
"Tais eram as minhas visões do meu espírito, quando no meu leito eu via, no meio da região, uma árvore de alto porte. Essa árvore cresceu, E era vigorosa. O cimo tocava o céu, era avistada até nos confins da terra. Sua folhagem era bela, e seu abundantes frutos forneciam a todos o que comer. Á sua sombra abrigavam-se os animais terrestre, nos seus ramos permaneciam pássaros do céu e toda criatura tirava dela seu sustento. Na visão do meu espirito, quando no meu leito, viu também um santo vigilante que descia do céu, e começou a gritar com voz possante: derrubai a árvore, desgalhai-a, fazei cair as folhas e dispersai seus frutos.... Entretanto deixai o tronco na terra com a raízes acorrentadas" (Dn 4, 7-12a).
"Esta árvore és tu senhor!" (Dn 4,19).
Porque Nabucodonosor sonhou com uma grande árvore da vida? Porque no sonho ele mesmo era a árvore?
Se juntarmos os três eventos: a fornalha da usina, o ambiente danificado e a estátua de ouro, ao sonho de Nabucodonosor, entenderemos o porquê sonhou sendo ele mesmo a árvore. O sonho de Nabucodonosor é a prova traumática de que nada está bem com ele mesmo e com o meio ambiente.
Quando cai em silêncio, o sono vem e como que meio dormindo acordado, a cabeça produz imagens, mesmo na linguagem onírica, que alerta sobre os rumos dos empreendimentos devastadores. Em seu sonho, Nabucodonosor era uma árvore esplendorosa, majestosa, cheia de vida, e só é possível se estiver em um bom ambiente. Ora, no sonho a árvore sofreria as dores da depredação. Sendo ele mesmo a árvore e sente as dores. Ele mesmo que empreendeu a criação da estátua de ouro. Agora em seu leito a consciência pesa.
É evidente que se projetava a si mesmo na estátua. Mas, agora, é uma árvore a sofrer. Não é melhor se comparar a uma árvore grande e cheia de vida, do que se ostentar em uma estátua de ouro, que só foi possível depois de poluir e destruir o ambiente? Parece loucura escrever essas coisas, mas, há quem se projeta em heróis em quadrinhos “como se fizesse parte de si mesmo” quando o herói é colocado em temas para discursão. Ao escrever que Nabucodonosor sofre sendo ele mesmo a árvore representando tantas que ele fez sofrer, é mais humanizador. E tudo está interligado.
Quantas pessoas cheias de razão leva a morte os ecossistemas? E quantas poesias que dá sentido, aproxima, preenche lacunas interiores no sentir e raciocinar, fazendo se reconstruir dos escombros, dos cacos, retalhos da história?
O Movimento Atingidos Por Barragens, criaram um brasão de uma Imagem do Cordeiro Crucificado. E associam seus sofrimentos aos sofrimentos do cordeiro. Transformam em “lugar itinerante” não aceitando as consequências das “fornalhas”.
O cântico entoado pelos jovens é cantado por toda igreja nos dias solenes e festivos. Como louvores oficiais. E neste nosso contexto atual em que as autoridades eclesiásticas do oriente e ocidente manifestam preocupações com a degradação do meio ambiente, nos marca os sentidos ao eco da vida! Esses teólogos voltados a ecologia buscam reforçar com fundamentação teológica ambiental com este cântico para dirigir as ações de cuidados com o ambiente. Neste entendimento, dado pela palavra do cântico, ilumina a mente e o coração para continuar nas lutas do cuidado da criação.
Por que cantamos sempre e pouco nos damos conta de que é um hino restaurador ou reparador para sermos mais salvaguardas da criação?
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Uma breve teologia ambiental inspirada no capítulo 3 do livro de Daniel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU