O silêncio dos teólogos. Custódia da comunhão e medo cúmplice

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21 Janeiro 2020

"Sem o ofício desempenhado pelos teólogos, com sua autonomia, os 'ofícios pastorais' saem da rota e se perdem. A teologia nunca pode proceder apenas ex-authoritate. Se isso acontecer, prejudica a Igreja".

A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, em artigo publicado por Come Se Non, 20-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo. 

É bastante natural, e eu diria necessário, que haja passagens eclesiais nas quais teólogos, que exercem na Igreja uma função que não é errado definir de "magisterial" (o magistério da cátedra, diferente do magistério pastoral, de acordo com as palavras de São Tomás de Aquino), devam usar sua competência com a virtude da prudência, bem como com justiça, fortaleza e temperança. E a prudência, como é certo, também pode exigir silêncio.

O silêncio dos teólogos, portanto, pode ser o exercício de uma justa prudência. Mas a virtude da prudência não contempla apenas o silêncio. Para ser prudentes, e justos, e fortes e temperantes, há casos em que o silêncio não apenas pode, mas deve ser quebrado, deixar o espaço devido a uma palavra de verdade, clara e límpida, sem rodeios.

Em vez disso, tenho a impressão de que grande parte da teologia católica, não apenas italiana, tenha se resignado a uma fácil identificação entre prudência e silêncio. Já que a prudência nunca pode faltar, a maioria é inclinada a ficar calada.

Mas eu me pergunto: quem deveria falar em meio a essas longas e complexas diatribes sobre o "magistério dinâmico" providencialmente recuperado pelo Papa Francisco e pelos Sínodos que celebramos nos últimos anos, se não os teólogos? Por que razão, ao contrário, muitos bons teólogos silenciam? Vou tentar responder, de forma mais geral.

Breve história do recente silêncio teológico

Um efeito inesperado do Concílio Vaticano II, que parecerá paradoxal para alguns leitores, foi precisamente uma possibilidade mais ampla de silêncio por parte dos teólogos. Por quê? Porque desde que o magistério pastoral - o conciliar e o subsequente papal - fez a sua virada e de "magistério negativo" (magistério de dogmas e de cânones de condenação) tornou-se um "magistério positivo", nos iludimos, ou nos convencemos, que a função da teologia fosse simplesmente "de comentar" o magistério pastoral.

Essa evolução, de fato, corroeu o espaço de liberdade respeitosa, na qual a teologia desde sempre desempenhou seu papel de crítica e de abertura. Para usar as palavras fortes com as quais o Papa Francisco falou aos escritores da Civiltà Cattolica em 2017, precisamos inclusive hoje de uma teologia obrigada à "inquietação", à "incompletude" e à "imaginação". Se a teologia prefere a "quietude", a "completude" e a "definitividade", só pode se limitar a pensar e ao ensinar no âmbito circunscrito da "realidade magisterial", sem audácia, sem crítica e sem fantasia.

Esse fenômeno distorcido faz com que, diante do magistério pastoral, a teologia acadêmica amadureça no mesmo um sentido de inferioridade e uma tarefa de afasia. Para não ser "magistério paralelo", renuncia a sua própria função. Aqui surge um problema que não diz respeito à teologia como tal, mas à Igreja, colocando em crise o equilíbrio de seu pensamento e de sua ação. Sem o ofício desempenhado pelos teólogos, com sua autonomia, os "ofícios pastorais" saem da rota e se perdem. A teologia nunca pode proceder apenas "ex-authoritate". Se isso acontecer, prejudica a Igreja.

Casos recentes: o silêncio obstinado diante da negação do Concílio Vaticano II

Quando alguém aprende a calar e está convencido de que não há alternativa, confunde seu ministério com sua caricatura burocrática. E é justificada como "custódia da comunhão" uma verdadeira inadimplência, que pode ser devida ao medo ou, pior, ao silêncio de cumplicidade. Eu gostaria de dar alguns exemplos fáceis. Se um documento papal, como foi "Summorum pontificum" (2007), justifica a liberalização do rito pré-conciliar, dizendo que "a reforma litúrgica não é contestada", os teólogos não têm o dever de repetir uma justificação que não se sustenta. E nem precisam escalar espelhos para justificar o que não pode ser justificado. Em vez disso, eles deveriam sinalizar, honestamente, sua discordância e o perigo intrínseco a uma justificativa falsa. Deveriam fazê-lo com todo respeito pelas autoridades, mas também com todo respeito pela verdade, sobre a qual estão acostumados a argumentar cuidadosamente.

Se depois outro documento papal, dez anos mais tarde, como foi Magnum principium (2017), formalmente modifica os critérios de tradução dos textos litúrgicos, e o Prefeito da Congregação, obstinadamente, propõe uma interpretação claramente contraditória com o próprio texto, os teólogos não devem esperar que o papa corrija com uma sua carta as palavras do Prefeito, mas deveriam, de acordo com a ciência e a consciência, denunciar imediatamente o abuso hermenêutico e o obstáculo ao caminho eclesial. Assim pede a própria estrutura da vida eclesial.

O livro sobre celibato e a afasia dos teólogos

O último caso é certamente o mais preocupante. Se um prefeito da Congregação e o Bispo emérito de Roma escrevem em dupla um texto sobre o "celibato", do qual emerge uma teologia do sacerdócio e da igreja em parte unilateral e em parte delirante, os teólogos têm o dever de reagir, nesse sentido com toda a liberdade devida, não sendo o livro nem um ato magisterial nem a expressão de uma posição oficial. No entanto, mesmo nesse caso, o silêncio prevalece de uma maneira muito mais incompreensível. No entanto, o texto oferece uma reconstrução tão lacunosa, unilateral e parcial da tradição que a diligência normal do teólogo deveria não apenas percebê-la, mas sinalizá-la e pedir sua integração e esclarecimento. Em vez disso, parece que a corrida seja apenas daqueles que subestimam a questão ou jogam apenas a "encontrar continuidades ocultas" sob evidentes e chamativas descontinuidades.

O magistério dos pastores e o magistério dos teólogos

Gostaria de concluir com um desejo. Acredito que pelo menos parte das tensões "entre os dois papas", que são em parte forçadas pela comunicação e em parte diferenças reais de perspectivas, exijam integrar a maneira de interpretá-las. Entre os dois papas, ou melhor, entre o único papa e seu predecessor emérito, querendo ou não, existe um "corpo doutrinário", uma síntese doutrinária e uma fonte com autoridade de identidade, que assumiu a forma de textos do Concílio Vaticano II e dos Sínodos seguintes a ele.

Para resolver as questões que surgem dentro da vida da Igreja e encontrar um ponto de equilíbrio prudente, justo, forte e moderado, os teólogos ajudam a propor hermenêuticas razoáveis desses textos. E quando uma instância eclesial, de uma maneira mais ou menos justificada, coloca sob tensão elementos de tais sínteses, terá que lidar com a força daquela síntese, que aos teólogos é dado preservar e promover. Preservar a comunhão, portanto, significa dar palavra àquela síntese que orienta. Mesmo quando é um "superior" quem fala. Sobre isso nunca se pode confundir comunhão com o silêncio conivente.

Como E. Juengel disse, em uma bela fórmula sintética: "O teólogo deve fazer duas coisas: oferecer esclarecimentos e salvar os fenômenos". Isso também compete ao teólogo católico. Que às vezes poderá até ficar calado. Mas, mais frequentemente, poderá e terá que falar. Com toda a paciência e a audácia de que é capaz. Se ele não o fizer, quem deveria fazê-lo?

 

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