Violência de fazendeiros gaúchos contra Lula tem origem secular, afirma João Pedro Stédile

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23 Março 2018

Para João Pedro Stédile, a origem dos homens que agridem a caravana de Lula no Rio Grande do Sul remonta ao século 18, quando receberam grandes extensões de terras pela matança de índios guaranis.

A reportagem é de Luciano Velleda, publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 22-03-2018.

João Pedro Stédile conhece como poucos os fazendeiros gaúchos. Afinal, lá se vão mais de 30 anos de embates entre o líder nacional do MST e os latifundiários do Rio Grande do Sul. A experiência, moldada na vivência de duros confrontos desde a ocupação da fazenda Anoni, em 1985, marco do movimento na luta pela reforma agrária, possibilita a Stédile uma análise ampla e histórica sobre quem são os homens que essa semana têm tentado impedir o avanço da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por terras gaúchas.

“Lá no Rio Grande, historicamente há um setor da oligarquia rural muito reacionário e fascista. Faz parte da sua origem histórica, que vem lá dos chimangos, dos lenços brancos, na disputa pela República. Depois apareceu também na época do Getúlio e, no golpe militar (de 1964) também houve uma vinculação muito grande com esses fazendeiros da fronteira. Em toda a fronteira do Rio Grande que coincide com a área de latifúndios (leia abaixo), sempre houve muitos quartéis e acabava havendo uma miscigenação entre oficiais e fazendeiros, que criava inclusive laços familiares. E mais recentemente é também nessa região que se desenvolveu a UDR (União Democrática Ruralista), por conta desse berço histórico tradicional, que tem essas conotações reacionárias e fascistas e se manifestam contra todas as mudanças”, avalia o líder do MST.

Stédile recorda que a virulência protagonizada nos últimos dias contra a caravana de Lula, é um comportamento já bem conhecido pelos integrantes do MST. A tática de cercar e provocar sempre foi a adotada pelos fazendeiros e latifundiários gaúchos. “Na região, tivemos o assassinato de diversos companheiros do MST, em situações de completa covardia. De modo que ali sempre houve uma cultura histórica e há uma base social com essas características. E que de fato difere de outras regiões do país onde há uma burguesia agrária, porém de origem urbana. É gente que foi pra agricultura pra ganhar dinheiro, comprou terra, que é o que acontece no Mato Grosso e em Goiás.”

Na análise do líder do MST, a tradição histórica dos fazendeiros situados próximos das fronteiras do Rio Grande do Sul com Uruguai e Argentina remonta à longínqua Guerra Guaranítica, ocorrida entre 1750 e 1756. O conflito, desencadeado pelos exércitos de Portugal e Espanha no sul do Brasil após a assinatura do Tratado de Madri e a delimitação de novas fronteiras, causou a morte de mais de 30 mil índios guaranis que viviam na região chamada de Sete Povos das Missões. Como recompensa pelo extermínio dos índios, os soldados ganharam das coroas de Portugal e Espanha grandes extensões de terra que antes pertenciam ao território guarani. “A origem deles já é perversa, se transformaram em latifundiários a base da mano militar. Por isso que naquela região existe muito latifundiário com sobrenome ‘espanholado’”, explica João Pedro Stédile.

Economia

Do século 18 para os dias atuais, o resultado prático dos fazendeiros da região da fronteira para a economia e o desenvolvimento do Rio Grande do Sul é contraditório. Segundo a Fundação de Economia e Estatística (FEE), autarquia ligada ao governo do estado, dos dez municípios gaúchos com maior PIB em 2015, apenas dois estão localizados na denominada “metade sul” do estado, região caracterizada por municípios de grande extensão territorial. 

Entre os maiores PIBs do RS, nenhum é de município com base no agronegócio

“Os 10 maiores municípios do Estado representaram 42% do PIB total do RS. Esses municípios possuem, em geral, maior participação da indústria e dos serviços no Valor Adicionado Bruto (VAB) e menor participação da agropecuária. O setor de serviços destaca-se como atividade mais importante nesses municípios, sendo responsável pela maior parte do valor gerado. Salienta-se também o fato de que são municípios bastante populosos, com população superior a 100 mil habitantes”, destaca o documento da FEE.

A situação se altera quando a FEE analisa apenas os municípios gaúchos com maior Valor Adicionado Bruto (VAB) da agropecuária. Embora entre os dez primeiros neste recorte nenhum esteja também entre os maiores PIBs do estado, sete estão localizados ou próximos da fronteira com Uruguai e Argentina: Uruguaiana (arroz e bovinos), Dom Pedrito (arroz e soja), Alegrete (arroz e bovinos), São Gabriel (soja e arroz), Itaqui (arroz), Santa Vitória do Palmar (arroz) e São Borja (arroz e soja). Porém, apesar dos dados mostrarem a importância do cultivo da soja na economia destes municípios (o Rio Grande do Sul foi o terceiro maior produtor de soja no Brasil entre 2013 e 2015), apenas dois deles (Dom Pedrito e São Gabriel) estão entre os maiores produtores desse grão no estado, conforme o Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul.

A diferença entre a “metade sul”, pobre, e a “metade norte”, mais rica, é uma constatação antiga na realidade do desenvolvimento social e econômico do estado gaúcho. Uma distinção que, para o líder do MST, tem ligação direta com a ocupação da terra.

“Se traçarmos um paralelo no mapa, a tal ‘metade sul’ corta o estado, e justamente Santa Maria está no meio e logo adiante São Borja. Dessa linha pra baixo fica o bioma do pampa, das pastagens, que deu origem a esse latifúndio. Na parte norte, montanhosa, onde havia também Mata Atlântica, a colonização foi obra de camponeses pobres originários da Europa, e que deram outra conformação econômica ao estado até os dias de hoje. Então você olha no mapa, o norte está superpovoado, com um monte de cidades, onde os camponeses desenvolveram, ao longo dos últimos 150 anos, uma colonização bastante igualitária, que distribuiu 25 hectares (de terra) pra cada família, e isso levou a um desenvolvimento econômico que combinasse a distribuição igualitária da terra, com a posterior instalação de agroindústrias, em que os próprios camponeses se desenvolveram em cooperativas e instalaram as primeiras agroindústrias do vinho, do leite, do suíno etc. E isso perdura até hoje, enquanto a metade sul permaneceu um latifúndio com a pecuária extensiva e desde recentemente está chegando um pouco da soja, mas sem alterar a estrutura produtiva”, explica João Pedro Stédile.

O líder do MST destaca que diversas teses de mestrado e doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) comprovam a relação de índices de pobreza, analfabetismo e de determinadas doenças, com o latifúndio. “Essa separação econômica que gerou essas classes diferentes, é a base de todo o comportamento ideológico que estamos assistindo.”

Calejado com manifestações, Stédile pondera que os atos contra o ex-presidente Lula vistos no Rio Grande do Sul, apesar de agressivos, fazem parte da “luta das ideias” e tiveram até mesmo um caráter pedagógico “para que a opinião pública se dê conta”. Como exemplo, cita a manifestação dos fazendeiros de Bagé contra a presença de Lula na Universidade Federal dos Pampas, na última segunda-feira (19), um tipo de instituição que a região nunca teve antes e que foi implementada pelo ex-presidente para atender reivindicação da população mais pobre. Stédile lembra que a universidade foi construída sob as bases de uma faculdade particular que faliu quando esteve “sob controle do latifúndio”.

“O Estado brasileiro estende a sua mão e democratiza o ensino naquela região, e aí esse bando de fascistas teve a petulância de ir lá protestar contra a presença do presidente Lula, o único que conseguiu levar uma universidade lá pra aquela região?”, questiona o líder gaúcho do MST, conhecedor dos seus conterrâneos.

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