Possível transição histórica na principal nação católica da África está prestes a ocorrer

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09 Fevereiro 2018

Uma transição de cúpula está ocorrendo em uma das principais nações católicas do mundo, desde que o Papa Francisco nomeou, nessa terça-feira, 6, um novo bispo coadjutor para a Arquidiocese de Kinshasa, na República Democrática do Congo, lançando efetivamente as bases para a eventual despedida do cardeal Laurent Monsengwo Pasinya, de 78 anos.

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 07-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Antigo chefe de Estado de facto do Congo, será difícil suceder Monsengwo – um prelado de alto perfil e confidente papal que mais ou menos encarnou a experiência católica africana durante meio século, na qual as lideranças católicas muitas vezes acabam desempenhando papéis explicitamente políticos. Estes podem parecer estranhos às sensibilidades ocidentais sobre a separação Igreja/Estado, porque, na África, a Igreja às vezes é a única instituição que goza de uma confiança social básica.

Na terça-feira, Francisco indicou o arcebispo Fridolin Ambongo Besungu, capuchinho ex-chefe da Arquidiocese de Mbandka-Bikoro, como “coadjutor” em Kinshasa, o que significa que ele tem um direito de sucessão automático quando Monsengwo sair.

Com uma população de 80 milhões, que conta com estimados 80-85% de cristãos, cerca da metade dos quais são católicos, o Congo já é uma das maiores nações católicas do mundo e está destinado a crescer. Com base em projeções demográficas, em 2050, o Congo será a maior nação católica na África e a quinta maior do mundo, atrás apenas do Brasil, do México, das Filipinas e dos Estados Unidos.

Ambongo, 58 anos, tem formação em teologia moral, tendo estudado na prestigiosa Academia Alfonsiana, em Roma, administrada pela ordem redentorista. É ex-professor universitário e superior dos capuchinhos, tendo sido originalmente nomeado como bispo de Bokungu-Ikela em 2005, aos 44 anos, e tendo assumido depois o cargo de arcebispo de Mbandka-Bikoro há dois anos, em 2016.

No fim das contas, Francisco, jesuíta, parece gostar de bispos com antecedentes na vida religiosa, admirando em particular a propensão pela colegialidade e pelo consenso que as ordens religiosas tendem a promover.

Embora tudo dependerá do papa quando chegar a hora, Ambongo poderia herdar não só a liderança da Igreja no Congo, mas também o posto de Monsengwo como um dos nove cardeais conselheiros do pontífice provenientes de todo o mundo.

Francisco criou um conselho de cardeais em abril de 2013, apenas um mês após sua eleição, e usou o órgão não apenas para discutir a reforma da Cúria Romana, mas também praticamente para todas as principais decisões de governança que ele fez.

Em todo o caso, Ambongo terá alguns grandes obstáculos para vencer na tentativa de seguir Monsengwo, que esteve no centro de quase todos os dramas sociais e políticos do seu país desde que foi nomeado bispo em 1980 pelo Papa São João Paulo II.

No início dos anos 1990, aquele que era então o Zaire estava caminhando sem o homem forte Mobutu Sese Seko, que governou o país de 1965 a 1997. Um “Alto Conselho da República”, órgão de transição, precisava de alguém com autoridade moral e uma reputação de independência para liderar o processo de redação de uma nova constituição, atuando como líder nacional de facto durante o período de fim do regime.

Ninguém da classe política se encaixava no perfil, então a nação se voltou para o então bispo auxiliar de Kisangani, um clérigo polido e urbano chamado Laurent Monsengwo Pasinya. Ele não só atuou como presidente do conselho, mas também como membro transitório do Parlamento nacional em 1994.

Monsengwo recebeu críticas mistas sobre o modo como ele lidou com o papel – em parte porque não foi realmente sua diplomacia que levou ao fim o governo de Mobutu, mas sim a Primeira Guerra do Congo e os exércitos de Laurent-Désiré Kabila. Quando Monsengwo, mais tarde, se pronunciou contra as tendências antidemocráticas de Kabila, as acusações de que o arcebispo tinha sido “pró-Mobutu” se tornaram um elemento básico da retórica do governo.

Alguns católicos concordaram que Monsengwo tinha sido suave demais, especialmente devido à perseguição que eles experimentaram nas mãos do regime de Mobutu.

Em certo ponto, Mobutu ordenou que todos os cristãos do país adotassem nomes não cristãos e, em outro momento, ele ordenou que crucifixos e fotos do papa fossem retirados das escolas católicas e substituídos por imagens dele mesmo.

Durante um tempo, o cardeal Joseph-Albert Malula, de Kinshasa, foi forçado ao exílio.

Os admiradores, no entanto, dizem que Monsengwo estava tentando encontrar uma terceira via entre a ditadura e o caos, observando que uma coisa é ficar de fora do processo político e jogar pedras, outra coisa é ficar dentro dele e tentar fazer algo.

Nascido em Mongobele, naquela que agora é a República Democrática do Congo, em 1939, Monsengwo pertence à família real de sua tribo Basakata; seu nome, na verdade, significa “parente do chefe”. Quando jovem, foi enviado a Roma para estudar, primeiro na Pontifícia Universidade Urbaniana, casa dos seminaristas do mundo em desenvolvimento, e depois para o prestigioso Pontifício Instituto Bíblico.

Ele também passou um período no Pontifício Instituto Bíblico em Jerusalém, onde um de seus professores era um promissor jesuíta italiano chamado Pe. Carlo Maria Martini, que se tornaria cardeal de Milão e uma das principais luzes intelectuais da Igreja Católica. Em Jerusalém, Monsengwo tornou-se o primeiro africano a obter um doutorado em estudos bíblicos no instituto.

Depois de fazer o trabalho pastoral e ensinar no seminário local durante as anos 1970, Monsengwo tornou-se bispo em 1980, aos meros 40 anos. Ele foi consagrado pelo próprio Papa João Paulo II durante a viagem do papa em maio de 1980 ao Zaire, sua primeira viagem à África.

Monsengwo foi imediatamente eleito presidente da Conferência Episcopal Congolense, um cargo que ele deteria novamente em 1992. Ele se tornou arcebispo de Kisangani em 1988 e arcebispo de Kinshasa em 2007. Bento XVI elevou-o ao cargo de cardeal em novembro 2010.

Bento XVI não só o criou cardeal, depois de um longo período em que muitas pessoas achavam que a janela de oportunidades de Monsengwo havia se fechado, mas, em 2008, Bento também nomeou Monsengwo como relator, ou secretário-geral, do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus. Em fevereiro de 2012, Bento XVI também convidou o prelado africano a ministrar o retiro anual de Quaresma do Vaticano.

(Notavelmente, diz-se que Monsengwo “se defende” em pelo menos 14 idiomas, incluindo as principais línguas europeias e uma grande variedade de dialetos tribais.)

Os primeiros sinais são de que Ambongo pode ser um protagonista semelhante nas questões congolesas. Durante uma recente polêmica em torno do atraso de Kabila nas eleições, que poderia levar a uma transferência de poder, Ambongo defendeu fortemente os católicos que organizaram manifestações pró-democracia (e, portanto, antigoverno), que provocaram uma resposta violenta por parte da polícia e das forças de segurança do Congo.

Uma declaração da Conferência Episcopal assinada por Ambongo e por outro prelado disse que eles “deploram o ataque à vida humana” e ofereceu condolências às famílias das “vítimas inocentes”. Eles também pediram uma “investigação séria e objetiva” para determinar quem foram os responsáveis pela violência.

Em sua declaração, os bispos também condenaram “a violação da liberdade de culto garantida em qualquer Estado democrático, a profanação de certas igrejas e a agressão física contra os fiéis, incluindo ministros e padres”.

Em geral, Ambongo tem sido um líder entre os bispos, exigindo que Kabila não assuma outro mandato como presidente e permita a realização de eleições livres e justas.

Uma nota de rodapé sobre a sucessão em Kinshasa: se Ambongo assumir o lugar de Monsengwo no conselho dos cardeais conselheiros, ele se tornaria o segundo membro capuchinho – o cardeal Sean O’Malley, de Boston, outro capuchinho, também atua nesse conselho.

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