O bem viver ancestral. Uma cosmovisão indígena

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20 Janeiro 2018

Embora a menção possa ter passado despercebida para a maioria, não o foi para o povo mapuche e as comunidades originárias andinas. Não foi por ingenuidade que o Papa incluiu a expressão em sua homilia. Durante a etapa chilena de sua viagem e falando em Temuco, Francisco disse que “somos chamados ao bem viver (Küme Mongen), como nos recorda a sabedoria ancestral do povo mapuche”.

A reportagem é publicada por Página/12, 19-01-2018. A tradução é de André Langer.

A ideia do “bem viver” (Sumak kawsay em quechua e Suma qamaña em aimara), que também pode ser traduzido como “vida em plenitude”, é um conceito coletivo cunhado pelos povos originários da região andina, que se baseia em uma visão ética de uma vida digna e implica uma atitude de respeito pela vida e a natureza e em estreito contato com ela. Assim entendida, a natureza inclui tanto as pessoas como todos os seres vivos e deixa de ser apenas um recurso ou meramente um lugar para habitar.

O “bem viver” vem de uma cosmovisão indígena que se opõe à exploração indiscriminada dos bens materiais e à perspectiva capitalista do desenvolvimento e expressa uma concepção de vida que busca harmonizar a existência comunitária com a natureza e o respeito pelas pessoas. Isso também exige que as comunidades originárias sejam respeitadas em seus direitos e que se garanta a elas o direito de viver de acordo com os critérios e os valores decantados em sua cultura.

Também a teologia católica vem retomando o conceito de “bem viver”, reconhecendo a contribuição desta cosmovisão. Já em 1992, o Papa João Paulo II, falando aos bispos latino-americanos reunidos em sua Conferência Geral em Santo Domingo (República Dominicana), lembrava que “o elemento central nas culturas indígenas é o apego e a proximidade com a mãe-terra. Vocês amam a terra e querem permanecer em contato com a natureza”, disse ele naquela ocasião. E, por isso, dizia o papa polonês, “eu uno a minha voz à de quantos demandam a implementação de estratégias e meios eficazes para proteger e preservar a natureza criada por Deus. O respeito devido ao meio ambiente deve ser sempre protegido dos interesses exclusivamente econômicos ou da exploração abusiva de recursos em terras e mares”.

O “bem viver” também está presente na encíclica Laudato Si’ (2015) de Francisco, que se refere ao cuidado casa comum. Dado que “os problemas atuais requerem um olhar que leva em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora a refletir sobre os diferentes elementos de uma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humana e social” (LS 137), disse Francisco em sua encíclica. E acrescentou que “a visão consumista do ser humano, incentiva pelos mecanismos da economia globalizada atual, tende a homogeneizar as culturas e a enfraquecer a imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade” (144).

Poucas linhas depois, o Papa concluiu dizendo que “é indispensável prestar especial atenção às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outros, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas um presente de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem em seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são pressionados para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura” (146).

A isso se referia Francisco quando falou de Küme Mongen para a comunidade mapuche.

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