Papa Francisco, operação Pequim: por que é tão difícil o acordo com a China

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10 Janeiro 2018

Era o sonho de João Paulo II e o objetivo de Bento XVI. É a partida à qual o Papa Francisco está dedicando muitas energias: chegar a um acordo entre o Vaticano e a China e normalizar a situação dos católicos no imenso país, que, com o presidente Xi Jinping, assoma-se agora à cena internacional como potência global. Não mais – de acordo com a terminologia do regime – como “Grande Nação” (da guo), mas como “Nação Forte” (qiang guo).

A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 09-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O debate, que começou seriamente em 2007 com a “Carta aos sacerdotes e fiéis da Igreja Católica da China”, se adensou com o pontificado de Francisco. Nestes anos, pelo menos seis vezes foram realizadas reuniões bilaterais sino-vaticanas, dedicadas, em primeiro lugar, à questão das nomeações episcopais.

A perspectiva de um acordo às vezes parece próxima, às vezes se afasta. Porque vários elementos contrastantes compõem o labirinto chinês. Um excelente simpósio sobre a “Diplomacia de Francisco”, organizado recentemente em Paris pelo Centro de Pesquisas Internacionais da Faculdade de Ciências Políticas, sob a liderança de Alain Dieckhoff, François Mabille e Frédéric Martel, lançou nova luz sobre a relação entre as duas potências, das quais uma (a China) tem uma tenacidade “infinita”, e a outra (o Vaticano) possui uma tenacidade “eterna”.

Entre os conferencistas, estavam o jesuíta Benoît Vermander, professor da Universidade Fudan de Xangai, e Pierre Morel, ex-embaixador da França na China e junto à Santa Sé.

Um primeiro dado, substancialmente desconhecido para a opinião pública internacional, é que a gigantesca onda de capitalização da China, com o deslocamento de enormes massas do campo para as cidades, abalou profundamente as comunidades católicas rurais e embaralhou os estratos católicos urbanos, que haviam encontrado um nicho no “antigo regime comunista” anterior à revolução econômica.

O resultado é uma crise do catolicismo chinês, que, se em 2005 podia contar com mais de 12 milhões de fiéis (entre a Igreja oficial e a Igreja clandestina), hoje parece ter caído abaixo dos 10 milhões.

Anthony Lam, do Holy Spirit Center de Hong Kong, estima que, entre 1996 e 2014, as vocações masculinas (padres e religiosos) passaram de 2.300 para 1.260. As vocações femininas caíram de 2.500 para 156. Um papel decisivo foi desempenhado naturalmente também pela política estatal muito restritiva em relação à comunidade católica. O fato é que, de acordo com Lam, se, em 2000, registravam-se 134 ordenações sacerdotais, em 2014 eram 78.

O segundo elemento crítico é a forte ênfase que os atuais líderes chineses colocam na necessidade imprescindível de uma “chinesização” das comunidades religiosas: católicas, protestantes, muçulmanas, que, por um lado, são reconhecidas como “elemento positivo” da sociedade, mas, por outro, devem se mover absolutamente dentro do quadro ideológico-político ditado pelo Partido Comunista Chinês.

Além disso, a partir de 1º de fevereiro de 2018, entrarão em vigor novos regulamentos estatais que imporão fortes multas aos organizadores de eventos religiosos “não oficiais” e, como foi dito no simpósio, “proibirão as doações para as comunidades religiosas, a disseminação de informações religiosas online, o ensino de crianças”.

A tradição histórica do Império Chinês, observou-se durante os trabalhos do congresso, é a de um “pluralismo sem tolerância”. Isto é, a aceitação da existência de uma pluralidade de fés e confissões, mas sob o controle muito estrito da Autoridade. É uma abordagem que se transferiu substancialmente para a ideologia e para a prática da República Popular da China.

Certamente, foi positivo o advento de Francisco. Que não é europeu e, portanto, não provém das nações colonialistas nem dos países envolvidos na Guerra Fria. Um papa jesuíta, pertencente a uma ordem com laços de estima pela China. Um papa do Terceiro Mundo, isto é, a cena da política econômica na qual Pequim está se empenhando muito.

A China, especialmente diante do isolacionismo nacionalista dos Estados Unidos sob a liderança de Trump, optou pela estratégia de se apresentar como precursora de uma globalização positiva. Nesse sentido, o diálogo com o Papa Francisco pode se tornar importante.

Mas é ainda forte demais o medo em Pequim de uma Igreja cuja capital está no exterior. Uma Igreja que, embora se apresentando como não antagonista ao regime chinês (de acordo com uma linha que vai de Wojtyla, a Ratzinger, a Bergoglio), no entanto, pede independência na proclamação dos seus valores espirituais: é uma autonomia que os chineses não sabem manejar.

Francisco repetidamente instou Xi Jinping a um encontro. Teria sido possível em setembro de 2015, quando o papa foi às Nações Unidas em Nova York. No fim, foi o líder chinês que recuou.

Tanto na Igreja quanto na China, além disso, os campos estão divididos. Na China, os diplomatas estariam mais dispostos a um acordo, enquanto a burocracia do partido, encastelada na “Associação Patriótica” do clero chinês, continua sendo refratária a supostas interferências externas (isto é, vaticanas).

Dentro da Igreja, por sua vez, a uma maioria dos bispos chineses propensos ao realismo, contrapõe-se uma parte da hierarquia convencida (veja-se o cardeal Zen) que Francisco não entende nada do Partido Comunista Chinês.

No fim, a questão transcende os tecnicismos de um possível acordo sobre o mecanismo das nomeações episcopais. O padre Benoît Vermander, herdeiro da longa tradição de inculturação dos jesuítas na China, sublinha a exigência de uma “reconstrução cultural” das relações entre China e Igreja Católica. Para se entenderem melhor e terem confiança recíproca.

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