O PSDB morreu, não é mais um partido, diz Giannotti

Mais Lidos

  • “Os israelenses nunca terão verdadeira segurança, enquanto os palestinos não a tiverem”. Entrevista com Antony Loewenstein

    LER MAIS
  • Golpe de 1964 completa 60 anos insepulto. Entrevista com Dênis de Moraes

    LER MAIS
  • “Guerra nuclear preventiva” é a doutrina oficial dos Estados Unidos: uma visão histórica de seu belicismo. Artigo de Michel Chossudovsky

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

04 Setembro 2017

Aos 87 anos, o professor aposentado de filosofia na USP e pesquisador do Cebrap José Arthur Giannotti mantém o gosto pelo debate.

No livro recém-lançado "Os Limites da Política" (ed. Companhia das Letras), ele e o professor de filosofia da Ufscar Luiz Damon Santos Moutinho discutem temas como o lugar da democracia no capitalismo contemporâneo.

A entrevista é de Naieff Haddad, publicada por Folha de S.Paulo, 04-09-2017.

Na entrevista, Giannotti comenta aspectos do livro e expõe, com contundência, as suas opiniões sobre a política brasileira.

Amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e considerado por décadas uma das referências intelectuais do PSDB, o professor afirma que "o partido morreu".

Giannotti tampouco poupa o governo Michel Temer e os partidos da oposição, como o PT e o PSOL.

Para ele, a crise atual da política e do Estado no Brasil é pior que a de 1964, quando houve o golpe dos militares. "Quem hoje diz ter a solução para a crise? Ninguém".

Eis a entrevista

Há um trecho do novo livro em que o senhor diz: "Os cidadãos começam a exercer a cidadania pelo consumo. A política contemporânea tem que se ocupar dessa tragédia". Como a política poderia levar para um outro caminho?

Não digo que exista outro caminho. Digo no livro como a política pode ou deve pensar nesse conflito e como conviver com ele. Se não há uma solução no nosso horizonte, como vamos conviver com o capital?

A primeira obrigação da esquerda deveria ser a compreensão do que é o capital moderno. Ela entende? Não. No Brasil e nos demais países da América Latina, o que nós tivemos foi populismo, isto é, pensar num capital que existia há 50 anos e querer distribuir aquilo que não poderia. Outro dia vi o programa do PSOL e pensei que estivesse no século 19.

Por quê?

Porque eles pensam a revolução e o capital nos termos do século 19. A esquerda precisa pensar o que é o capital, e o capital moderno é o do conhecimento, é o que produz a base para uma diferença de tecnologia. É assim que os EUA estão saindo da crise.

No caso do Brasil, a situação é apavorante porque o populismo destruiu as condições para que tivéssemos grandes avanços nas pesquisas. O populismo foi, sob esse ponto de vista, altamente nocivo. Nós saímos da crise, mas não saímos do século 20.

O que quer dizer com "não saímos do século 20"?

Não temos estrutura para produzir a tecnologia necessária para o capitalismo moderno.

Quando fala em populismo no Brasil, refere-se a quem?

Ao caso da Dilma, que é extraordinário. Ela pensou que podia, por meio do BNDES, criar um novo capitalismo, com novos atores, com jurinhos bonitinhos... Só que ela gastou muito mais com isso do que com o Bolsa-Família. E ela mesmo se impichou porque não tinha mais condições de operar.

Ela terminou o primeiro mandato, promoveu-se como continuadora de um processo e, em seguida, negou esse processo ao nomear o Joaquim Levy para o ministério da Fazenda. Não me esqueço que, logo depois, uma das vozes do PT, o André Singer, falou em "estelionato eleitoral" na Folha.

Como o senhor avalia o governo Temer?

Apareceu como um governo querendo resolver impasses do capitalismo brasileiro. Não esqueça que a equipe econômica do Temer é a aquela que o Lula queria impor à Dilma, e ela que não quis. Era o Henrique Meirelles [ministro da Fazenda]. Só que esse projeto econômico não está sendo realizado, por isso não sei o que vai acontecer.

Além disso, temos no Brasil uma crise de Estado. Lembre-se da definição do [alemão Karl] Weber, para quem o Estado tem o monopólio do poder. Nós não temos o monopólio do poder hoje, veja o Rio. É, portanto, uma profunda crise de Estado.

O governo Temer está tentando resolver isso? Por enquanto, não conseguiu. E também não resolveremos o problema com esse Congresso, que foi atravessado pela corrupção.

No Brasil, a corrupção passou a ter, em alguns momentos da história, como o atual, uma função política. Se não fosse assim, não teria nascido a Lava Jato, que é um processo jurídico-político.

Qual é a sua opinião sobre a Lava Jato?

Às vezes, vejo exageros, às vezes, algumas loucurinhas, mas, de modo geral, é formidável. É um processo de renovação da política brasileira. Agora, pode dar certo ou não.

A Operação Mãos Limpas, na Itália, não deu certo porque os parlamentares se uniram e liquidaram o movimento. No Brasil, eles conheciam o caso italiano e têm sido mais inteligentes. Em vez de metralhar todo o sistema político, metralharam quem estava no governo ou próximo dele.

Caso o ex-presidente Lula seja absolvido no tribunal de segunda instância, ele tem chance de voltar a ser eleito?

Não sei. Conheço bem o Lula, não esqueça que fui um dos fundadores do PT. E saí logo (risos). O Lula é um gênio político, é absolutamente extraordinário. Até que ponto ele foi tomado pela corrupção a Justiça vai dizer. As pesquisas mostram que o Lula tem chance, mas, se entrar, vai haver muito protesto.

Além disso, Lula não tem ecos dentro do próprio PT. Ele só consegue botar no lugar dele postes, e postes que são pouco iluminadores.

Um dos nomes que despontam é o do deputado federal Jair Bolsonaro (PEN). O que o senhor pensa sobre ele?

Eu não penso, eu me jogo da ponte [risos]. No Brasil, costumava haver o seguinte: o país caía em uma crise, e os militares entravam [no poder]. Isso, felizmente, não aconteceu desta vez. Por outro lado, sempre existem os substitutos dos militares, e um deles é o Bolsonaro. Seria um desastre.

Se ele vencer a eleição, nós, que já não saímos do século 20, daríamos um passo atrás na democracia.

Há essa movimentação no Congresso para uma reforma política. Qual o modelo funcionaria melhor?

O que mais se aproxima dos meus ideais é o distrital misto. Só que ele pode se tornar uma sacanagem na maneira como se desenham os distritos.

Aliás, fiquei puto com o editorial da Folha sobre o teto do funcionalismo público. De modo geral, é mesmo um escândalo. Mas há certas situações em que o teto não pode ficar como está.

Falo das universidades paulistas. Se for mantido o teto dos professores universitários no limite do salário do governador, que é um político e ganha R$ 21 mil, criam-se situações como a de São Carlos, onde se faz pesquisa.

Você sai da USP, atravessa a ponte e chega à Ufscar [Federal de São Carlos], onde o teto é de um ministro do STF [R$ 33 mil]. Como deixar que o pesquisador da USP ganhe menos que o da federal? Aí ele acaba trocando uma pela outra. Ou acaba indo embora, deixa o país.

Essa é uma situação séria. Se quisermos ser um país moderno, precisamos ter uma pesquisa forte e abundante.

O senhor nasceu em 1930 e entrou na filosofia da USP em 1950...

Oficialmente, sim. Mas eu fiz um curso de letras clássicas como ouvinte registrado antes, em 1948.

Por tudo o que o senhor já viveu, há algum momento da história recente do Brasil que possa comparar com os dias de hoje?

Não. A nossa crise é pior que a de 1964.

Por quê?

Lá tinha a merda dos militares. Eles mataram gente etc., mas botaram ordem. Agora nem isso nós temos. Não quero a volta dos milicos não [enfático]. Mas hoje não temos processos de resolução da crise. Isso é um problema muito sério. Quem diz ter a solução para a crise? Ninguém.

O senhor acredita que nossa situação hoje é pior que a de 1964 mesmo considerando o fato de vivermos numa democracia, em que temos a opção de mudar o governo?

Veja bem, tudo no Brasil é formal. Vivemos numa democracia formal. A população se manifesta hoje? Não, isso só aconteceu em 2013, quando foi para as ruas. As eleições são falsificadas pelos rios de dinheiro, pela propaganda nas TVs. Isso é melhor do que o populismo na Venezuela, mas é uma boa democracia? Não é.

O senhor foi considerado por muitos anos uma referência intelectual dentro do PSDB...

[ele interrompe]  Esse é um problema deles, não meu.

Sou muito amigo do Fernando Henrique, mas no governo dele, fui eleito [ele enfatiza a palavra 'eleito'] para o Conselho Nacional de Educação. E fiquei pouco tempo. Briguei e fui embora.

Não quero participar de governo, não é minha função. Ao integrá-lo, eu deixo de ser o crítico que quero ser.

Como avalia esse impasse do PSDB de ficar ou não no governo Temer?

O PSDB morreu. Quer que eu fale de defuntos? O PSDB não é mais um partido. Funcionava como um partido quando as decisões eram tomadas em bons restaurantes e todos estavam de acordo. Agora isso não há mais. E não existe alguém como Lula para aglutinar todos.

Quanto a divulgação do áudio do Aécio Neves com o Joesley Batista prejudicou o partido?

Você me pede uma medida do desgaste? Não sei, a medida será o voto. Foi escandaloso, mas não sei qual será o efeito nas eleições.

Há um trecho do novo livro em que o senhor critica situações "quando a decisão política se transforma na gestão de uma empresa". O senhor se referia ao prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB)?

Não, quando escrevi, o Doria não existia [escreveu antes da candidatura de Doria à prefeitura]. Além disso, eu não estaria falando dele de jeito nenhum porque gestor de empresa ele não é. Ele é um bom comunicador, que se veste de gari e assim por diante. Até agora não vi ele provar ser um grande gestor.

Qual é o seu próximo projeto?

Estou planejando um livro sobre o que aconteceu na filosofia do século 20. Houve dois pontos de ruptura, Heidegger [1889-1976] e Wittgenstein [1889-1951], ambos mal compreendidos, que botaram em xeque a ideia de razão. A partir dos anos 60, houve um recuo na filosofia.

*

O livro recém-lançado "Os Limites da Política – uma Divergência" nasceu das discordâncias de dois professores de filosofia. Discordâncias expostas com cordialidade, o que tem se tornado raro no debate público no Brasil.

Luiz Damon Santos Moutinho, professor da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), ficou estimulado com a leitura do texto "A Política no Limite do Pensar", do colega José Arthur Giannotti.

Damon escreveu um ensaio em resposta a Giannotti e enviou a ele por e-mail. Vieram tréplicas. E eles perceberam que tinham um livro em mãos.

A obra aborda pontos como a situação da democracia em meio a uma economia que gera desigualdades crescentes.

"Giannotti sai em defesa de uma política que nega a política", critica Damon. O professor da USP discorda da avaliação.
No campo das ideias, Damon situa-se à esquerda de Giannotti. Ambos concordam.

OS LIMITES DA POLÍTICA - UMA DIVERGÊNCIA
AUTORES José Arthur Giannotti e Luiz Damon Santos Moutinho
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 45 (164 págs.)

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

O PSDB morreu, não é mais um partido, diz Giannotti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU