Em diálogo com pentecostais e evangélicos: a unidade se faz caminhando

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27 Janeiro 2017

“O estado das relações e as características específicas de católicos, pentecostais e evangélicos sugerem que existe um caminho próprio a se percorrer que não coincide necessariamente com os caminhos empreendidos na promoção da unidade com ortodoxos, anglicanos e protestantes. Os princípios católicos para o ecumenismo se demonstraram muito válidos, mas a maneira de aplicá-los, os temas, os métodos e os percursos exigem abertura mental e criatividade eclesial, pastoral e teológica.”

A opinião é do monsenhor colombiano Juan Fernando Usma Gómez, chefe de escritório da Seção Ocidental do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, em artigo publicado no jornal L’Osservatore Romano, 26-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

No ano da comemoração comum dos 500 anos da reforma de Lutero, não será fácil para mim chamar a atenção para as relações entre católicos, pentecostais e evangélicos. Porém, nos caminhos do mundo, é mil vezes mais provável que um católico encontre – ou se defronte com – um pentecostal ou um evangélico do que com um luterano.

A “pentecostalização” do cristianismo é um fato que nos coloca diante de um modo de ser cristão com uma espiritualidade – culto, música e devoção –, com uma abordagem missionária e com uma forma teológica – testemunho – próprios, com os quais entramos em contato direta ou indiretamente, com mais frequência do que podemos imaginar.

Se a unidade dos cristãos é vontade de Cristo, e católicos e pentecostais são os dois grupos cristãos mais numerosos no mundo, então a promoção das relações entre católicos e pentecostais se apresenta como um dos campos privilegiados de trabalho, e a sua falta representa um grave problema em todas as latitudes. Muitos defendem que o campo não está pronto. Muitos católicos e muitos pentecostais se ignoram e sofrem por isso, muitas vezes não são favoráveis ao diálogo, persistem aversão e desconfiança recíprocas, e a consciência dessa situação faz com que muitos desapareçam sem sequer tentar mudar as coisas.

Usando imagens bastante cruas do Otavário para a Unidade 2017, podemos afirmar que os muros de divisão entre católicos, pentecostais e evangélicos são muitas vezes feitos de “falta de amor, ódio e desprezo, falsas acusações, discriminação, perseguição, comunhão despedaçada, intolerância, abuso de poder, estranhamento, orgulho e até mesmo guerra de religiões” (cfr. Celebração ecumênica, Divisi dai nostri peccati).

A descrição é dramática e ainda pior, se considerarmos que não se trata de uma avaliação histórica, mas sim de uma realidade latente nos nossos dias. Confessar essas atitudes e pedir perdão mutuamente é um caminho proposto na celebração ecumênica deste ano, um caminho já tomado pelo Papa Francisco na sua visita à Igreja Pentecostal da Reconciliação de Caserta.

Mas, como o próprio Papa Francisco gosta de repetir, “a unidade se faz caminhando”: todas as relações, para serem tais, exigem um processo de purificação, de conhecimento, de esclarecimento, de maturidade e, não raramente, de cura. O pedido de perdão em nome da Igreja Católica deve inaugurar uma nova etapa nas relações entre todos.

O estado das relações e as características específicas de católicos, pentecostais e evangélicos sugerem que existe um caminho próprio a se percorrer que não coincide necessariamente com os caminhos empreendidos na promoção da unidade com ortodoxos, anglicanos e protestantes. Os princípios católicos para o ecumenismo se demonstraram muito válidos, mas a maneira de aplicá-los, os temas, os métodos e os percursos exigem abertura mental e criatividade eclesial, pastoral e teológica.

Entre as iniciativas de nível internacional que tentaram desencadear um processo de superação de mal-entendidos através do conhecimento recíproco e mediante a mútua edificação com base nas próprias espiritualidades, incluem-se o Diálogo Católico-Pentecostal (inaugurado em 1972), a Consulta Internacional com a Aliança Evangélica Mundial (até agora, três séries de consultas, a última das quais terminou em 2015) e as conversas com líderes das novas Igrejas carismáticas.

Aparentemente, três comissões mistas semelhantes a todas as outras que levam em frente o diálogo teológico, mas, quando vistas de perto, damo-nos conta de que o percurso foi diferente, porque os parceiros eram diferentes, o estado das relações era diferente, e sua abordagem teológica, missionária e eclesial era diferente. Se conseguirmos superar essa primeira constatação das diferenças que permanecem e pudermos explorar juntos as nossas abordagens eclesiais e de espiritualidade, poderemos não só esclarecer os mal-entendidos e explicar as diversas posições, mas, mesmo também conseguiremos encontrar novas estradas para crescer na comunhão.

Esse é o caso do sexto relatório final produzido pelo diálogo católico pentecostal recentemente publicado. Trata-se do texto Non estinguete lo Spirito. I carismi nella vita e nella missione della Chiesa [Não extingam o Espírito. Os carismas na vida e na missão da Igreja]. Depois de cinco anos de estudo, escuta, oração e intensos debates, católicos e pentecostais chegaram a uma reflexão comum sobre uma questão muito sentida nas diversas latitudes:

“Católicos e pentecostais concordam que o trabalho supremo do Espírito Santo, que concede os Seus dons divinos, é uma bênção para a Igreja. Pelos verdadeiros carismas, deve-se rezar, esperar e confiar neles como dons divinos. Apesar disso, em muitos lugares, em vez da alegria, do estupor, da renovação e da edificação do corpo de Cristo, o exercício dos carismas é fonte de tensão e de preocupação. Tanto os líderes católicos quanto pentecostais estão preocupados com o fato de que, na base dessas tensões, haja um discernimento insuficiente dos carismas, e que isso leve a práticas manipuladoras e desonestas, como a promessa de certos resultados ou reivindicações de uma superioridade espiritual por parte daqueles que exercem tais carismas e, consequentemente, ao descrédito de outras Igrejas e cristãos. Católicos e pentecostais não aceitam o exercício de carismas que pareçam colocá-los acima da Palavra de Deus”.

O diálogo católico-pentecostal, consciente da urgência do tema, oferece uma síntese daquilo que católicos e pentecostais têm em comum, expõe o fundamento bíblico, propõe uma breve referência histórica sobre o assunto e apresenta uma reflexão sobre três carismas: a profecia, a cura e o discernimento dos espíritos. O texto conclui falando da responsabilidade pastoral acerca do exercício dos carismas, uma questão que continua sendo um ponto de divergência.

Sobre o documento, o padre Raniero Cantalamessa afirma no seu comentário crítico: “Li com interesse e com grande enriquecimento pessoal o relatório, fruto da sexta etapa do diálogo católico-pentecostal. Na minha opinião, trata-se de um texto excelente pela amplitude das referências bíblicas e pela atenção à história das respectivas tradições. Ele toca um aspecto da doutrina e da vida da Igreja em que, diferentemente de outros âmbitos, registra-se com satisfação um fundamental e encorajador acordo entre católicos e pentecostais”.

Só resta convidar a estudar e a aprofundar esse texto para descobrir ou redescobrir e “recolher aquilo que o Espírito semeou neles como um dom também para nós” (Evangelii gaudium, 246), na esperança de podermos escutar juntos os sussurros e gemidos inefáveis do Espírito (cf. 1Reis 19, 12; Romanos 8, 26), Aquele que nos levará à unidade.

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