Apresentado às pressas, plano de Temer para ensino médio acende debate entre especialistas

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23 Setembro 2016

O Ministério da Educação anunciou nesta quinta-feira uma série de mudanças no ensino médio brasileiro que devem, efetivamente, começar a entrar em funcionamento no país a partir de 2018. As principais alterações são a flexibilização do currículo escolar, a ampliação da carga horária dos alunos para até 1.400 horas anuais (hoje são 800 horas), a possibilidade de inserir o ensino técnico já no ensino médio e o aproveitamento dos conteúdos aprendidos nesta fase da educação quando os estudantes ingressarem na universidade.

A reportagem é de Afonso Benites e Marina Rossi, publicada por El País, 22-09-2016.

Se aprovado o projeto, um aluno de escola pública deixaria de ter a obrigação de fazer cursos de Artes e Educação Física, por exemplo. Cai, ainda, a obrigatoriedade do espanhol no currículo. Há, dúvidas, ainda, se Sociologia e Filosofia deixariam de ser obrigatórios. Essa mudança aconteceria porque a obrigação atual de estudar 13 disciplinas por três anos cairia para o prazo de um ano e meio. Depois, disso, os jovens escolhem os conhecimentos específicos de cinco áreas: ciências humanas, ciências da natureza, linguagens, matemática e formação técnica profissional.

As mudanças chegam por meio de uma medida provisória, sem um debate prévio com o Congresso Nacional ou com a sociedade. A justificativa, segundo o ministro da Educação, Mendonça Filho, é a de que o Governo Michel Temer está com pressa para alterar a situação de “falência do ensino médio” do país. “O jovem de hoje tem menos conhecimento de matemática e português do que no fim da década de 1990. Temos 1,7 milhão de jovens entre 15 e 25 anos que não estudam e nem trabalham e só 18% dos jovens ingressam no estudo superior”, justificou. “Ao longo de 30 anos vi várias medidas econômicas tomadas com o clamor de urgência, e quando é educação reclamam de pressa?” O presidente Michel Temer também compareceu ao anúncio do plano. Segundo ele, o plano proposto vai garantir “um salto de qualidade do ensino médio”.

Um outro fator que pesou na decisão de agilizar esse processo foi o de que o Legislativo estará debruçado nos próximos meses em projetos que tocam fundamentalmente na área econômica, como a proposta de emenda constitucional (PEC) do teto de gastos públicos, as reformas trabalhista e previdenciária, além das alterações nas regras de exploração do pré-sal. Logo, o projeto mostraria a digital do Governo Temer no setor de educação no sentido de colocar o debate em pauta. Algumas das propostas, contudo, já vinham sendo debatidas durante o Governo Dilma.

O plano visa reduzir a evasão escolar e preparar os jovens para o mercado de trabalho. A proposta tenta aproximar a educação brasileira do método utilizado em outros países como Austrália, Coreia do Sul, Finlândia, França, Portugal e Inglaterra. As alterações valem para escolas públicas e particulares. Não há no projeto, contudo, pontos específicos de valorização de professores ou emprego de tecnologia (computadores) em salas de aula a exemplo das nações mais desenvolvidas.

Todas as mudanças dependerão ainda dos governos estaduais, que terão a autonomia em definir seus currículos. A demora na implementação das novas regras ocorre primeiro porque a medida provisória ainda precisa tramitar no Legislativo (o que deve ocorrer até o fim deste ano) para depois ser definida uma base nacional curricular, que é a referência para os Estados definirem como serão o currículo base. Além disso, será dada um prazo para a adequação às novas regras.

As discussões em torno do novo ensino médio duram ao menos 15 anos, segundo técnicos do Ministério da Educação. Ganharam força recentemente depois que o país registrou uma estagnação no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB) desde 2011 e o alarmante número de evasão escolar que atinge 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos que nem estudam nem trabalham. Ana Inoue, assessora para a educação do Itaú BBA lembra que essa Medida Provisória é baseada em um projeto de lei de autoria do deputado petista Reginaldo Lopes. “Desde 2013 esse projeto de lei tramita na Câmara dos Deputados e nunca é votado”, diz. “Todo o teor do projeto foi discutido no Ministério da Educação na gestão de Aloizio Mercadante, ministro da pasta entre os anos de 2012 a 2014 e depois entre 2015 e 2016”, diz ela.

Muitos detalhes ainda não estão claros e os especialistas do setor ainda estão digerindo o anúncio do Governo. Mas com as informações divulgadas até agora já há opiniões divididas entre especialistas em educação. Um dos pontos mais polêmicos é tirar a obrigatoriedade sobre certas matérias. “Tirar sociologia, artes e filosofia fará com que volte a um ensino médio mais técnico. Sabemos que um problema dessa juventude é a deficiência na formação humana”, professora Ângela Soligo, do departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Unicamp. O ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro segue a mesma linha. “Filosofia poderia ser o grande lugar da discussão da ética e da política. Sociologia, do conhecimento de como se produzem pobreza e riqueza numa sociedade capitalista.

Junto com Artes e Educação Física, são disciplinas que importam para a vida das pessoas - claro, se forem bem dadas!”, escreveu Ribeiro em sua página no Facebook. Para ele, retirar espanhol do currículo “é uma forma de nos afastar dos vizinhos”.

O aumento da carga horária, por outro lado, pode ser visto como um projeto ambicioso e interessante, mas o Governo não deixa claro de onde tiraria recursos para completar essa grade, principalmente num momento em que debate teto para gastos. “Não haverá redução de verbas para educação”, garantiu Temer. Trata-se, porém, de um projeto ambicioso que não deixa claro questões como as escolas do período noturno. Se o investimento maior vai ser no período integral, como ficarão os alunos da noite? “Há uma grande preocupação de que essa reforma provoque mais evasão do que já há hoje”, diz Ângela Soligo. “É preciso pensar em escola em tempo integral na realidade brasileira, de muitos jovens que precisam ajudar as suas famílias. Haverá política de bolsas?”, questiona.

A especialista questiona, ainda, a falta de debate sobre a Medida Provisória. "Este projeto não parte de discussões, não parte de escuta nem da comunidade escolar e nem acadêmica", diz. “É um projeto frágil, preocupante e que vai esbarrar em resistências com o próprio corpo docente”.

Outra questão importante, de acordo com ela, é que as escolas não serão obrigadas a oferecer as cinco possibilidades de formação. "Na prática, isso vai limitar as possibilidades de escolha", diz. "Por exemplo, um jovem que mora na Lapa (na zona oeste), em São Paulo, e quer a especificidade que só tem Itaquera (zona leste) ele não vai até lá. Ele vai escolher a especificidade se tiver na escola dele". Além disso, a professora crê que as mudanças podem resultar em demissões, já que algumas disciplinas como educação física, espanhol e artística serão opcionais no novo modelo. "Dispensar é desastroso e transferi também é um problema, porque você mexe com a vida do professor", diz.

Há inclusive quem não acredite que é o Ensino Médio a etapa que mais precisa de mudanças. Para o professor Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP, a reforma deveria ser feita nos últimos anos do ensino fundamental. "O Ensino Médio não é o gargalo da educação", diz. "Os alunos saem do ensino fundamental muito velhos, por causa da repetência de ano, e normalmente com a proficiência, especialmente em leitura, muito baixa. Chegam no Ensino Médio, não conseguem ir adiante e desistem".

Ana Inoue, Itaú BBA, avalia que o anúncio de hoje é apenas o início de um longo caminho. Muitas coisas ainda precisam ser definidas. "O trabalho está só começando", acredita. O relator da reforma na Câmara, Wilson Filho (PTB-PB), entretanto, mostrou disposição de imprimir um ritmo veloz à discussão na Casa. Ele afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que a tramitação agora “será acelerada”.

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