As breves lições de igualdade de Atkinson. Artigo de Thomas Piketty

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29 Janeiro 2016

No seu novo livro, Anthony Atkinson nos oferece as diretrizes de um novo reformismo radical.

A resenha é do economista francês Thomas Piketty, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 24-01-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Anthony Atkinson ocupa um lugar especial entre os economistas. No último meio século, apesar das tendências dominantes, ele conseguiu colocar o tema da desigualdade no centro do seu trabalho, demonstrando que a economia é, acima de tudo e principalmente, uma ciência social e moral.

No seu novo livro, "Desigualdade. O que se pode fazer?" – mais pessoal do que os seus anteriores e totalmente centrado em um plano de ação – nos oferece as diretrizes de um novo reformismo radical. Aqui, há algo que lembra o reformismo social progressista do britânico William Beveridge, e o leitor poderá apreciar o modo pelo qual Atkinson apresenta as suas ideias.

Atkinson, estudioso inglês cuja prudência é lendária, revela um lado mais humano, se joga na disputa e apresenta uma lista de propostas concretas, inovadoras e convincentes para demonstrar que as alternativas ainda existem, que a batalha pelo progresso social e a igualdade deve reivindicar a própria legitimidade, aqui e agora.

Ele propõe benefícios universais para as famílias financiadas pela renda de uma tributação progressiva. Ele também defende a ideia de postos de trabalho garantidos no setor público de salário mínimo para os desempregados e a democratização do acesso à propriedade de bens através de um inovador sistema nacional de poupança, com rendimentos garantidos para os depositantes.

Em "Desigualdade. O que se pode fazer?", Atkinson deixa o campo da pesquisa acadêmica e se aventura no campo da ação e da intervenção pública. Ao fazer isso, ele retorna ao papel do intelectual público, que ele nunca abandonou realmente, desde o início da sua carreira.

Ele assume riscos e propõe um verdadeiro plano de ação. Atkinson traça distinções e toma posição de um modo mais drástico do que aquele que geralmente a sua cautela inata o induz a fazer. Ele não escreveu um livro divertido, mas, nas suas páginas, encontramos a ironia mordaz que os seus alunos e colegas conhecem bem.

A ideia de voltar a uma estrutura fiscal mais progressiva tem um papel decididamente importante no plano de ação proposto por Atkinson. O economista não deixa qualquer dúvida: a espetacular redução das alíquotas fiscais para as rendas mais altas contribuiu fortemente para o aumento da desigualdade a partir dos anos 1980, sem produzir benefícios correspondentes para a sociedade como um todo.

Por isso, não devemos perder tempo, em vez disso, devemos jogar para as urtigas o tabu segundo o qual as taxas de imposto marginais nunca devem superar os 50%. Atkinson propõe uma reforma de amplo alcance do imposto britânico sobre a renda, com alíquotas máximas aumentadas para 55% para rendas anuais superiores a 100.000 libras esterlinas e para 65% para aquelas acima de 200.000, além de uma elevação do teto para as contribuições para a Previdência Social.

Tudo isso tornaria possível financiar uma significativa expansão da segurança social e do sistema de redistribuição da renda na Grã-Bretanha, em particular com um claro aumento dos benefícios para as famílias (que duplicariam, até mesmo quadruplicariam em uma das variantes propostas) e também com um aumento dos benefícios de pensões e para o desemprego para aqueles que têm menos recursos.

Se essas propostas, justificadas estatisticamente e financiadas pela renda fiscal, fossem adotadas, se verificaria uma queda significativa dos níveis de desigualdade e de pobreza no Reino Unido. De acordo com as simulações, esses níveis cairiam dos seus valores atuais quase norte-americanos até o ponto de se aproximar das médias dos países europeus e da OCDE.

Esse é o objetivo central do primeiro grupo de propostas de Atkinson: não se pode esperar da redistribuição fiscal, mas, mesmo assim, é a partir daí que se deve começar.

O plano de ação de Atkinson, porém, não para por aí. No centro do seu programa, está uma série de propostas que visam a transformar o próprio funcionamento dos mercados de trabalho e do capital, introduzindo novos direitos para aqueles que hoje têm menos.

Em vez de entrar nos detalhes das propostas, quero me concentrar em particular sobre o problema do acesso mais amplo ao capital e à propriedade. Atkinson, aqui, apresenta duas ideias particularmente inovadoras.

Por um lado, requer a constituição de um programa nacional de poupança que permita que cada poupador receba um rendimento garantido sobre o próprio capital (abaixo de um certo limite de capital individual). Dada a fortíssima desigualdade de acesso a rendimentos financeiras justos, em consequência sobretudo da escala dos investimentos a partir dos quais uma pessoa parte (situação que, com toda a probabilidade, foi agravada pela desregulamentação financeira das últimas décadas), eu acho essa proposta particularmente válida.

Na perspectiva de Atkinson, ela está estreitamente ligada ao problema mais amplo de uma nova abordagem à propriedade pública e ao possível desenvolvimento de uma nova forma de fundo patrimonial soberano. A autoridade pública não pode se resignar a continuar simplesmente acumulando dívidas sobre dívidas e privatizando incessantemente tudo o que possui.

Por outro lado, junto com esse programa de poupança garantida e assegurada, Atkinson propõe que se institua uma "herança para todos", que assumiria a forma de uma dotação de capital atribuída a cada cidadão jovem ou que esteja prestes a entrar na idade adulta, isto é, prestes a completar 18 anos. Essa dotação seria financiada por impostos sobre os imóveis e por uma estrutura fiscal mais progressiva.

A única crítica que se pode fazer ao plano de ação de Atkinson é a sua excessiva concentração na Grã-Bretanha. Todas as suas propostas sociais, fiscais e orçamentais são concebidas para um governo britânico, e o espaço dedicado às questões internacionais é relativamente limitado.

Por exemplo, ele levanta brevemente a ideia de um imposto mínimo sobre as grandes multinacionais, mas, depois, a possibilidade de tal imposto se limita à categoria das "ideias a serem buscadas", sem qualquer proposta concreta.

Dado o papel central que o Reino Unido tem na concorrência fiscal europeia, assim como no mapa mundial dos paraísos fiscais, seria de se esperar um tratamento mais relevante de propostas para a definição de uma taxação comum sobre os lucros ou para o desenvolvimento de um registro mundial (ou, ao menos, euroamericano) dos títulos financeiros.

Atkinson alude claramente a esses aspectos, assim como à criação de uma "Autoridade Fiscal Mundial" e ao possível aumento das ajudas internacionais a 1% do PIB, mas dedica a isso menos atenção do que às propostas estritamente relacionadas com o Reino Unido.

Esse mesmo limite, no entanto, também constitui o principal ponto de força do livro. Atkinson nos diz que os governos, embora tenham temores, não têm nenhuma desculpa real para a inação, porque ainda é possível agir sobre uma base nacional.

O núcleo central do plano de ação proposto por Atkinson poderia ser realizado no Reino Unido, sem ter que se preocupar em esperar nebulosas perspectivas de cooperação internacional. Se é por isso, elas poderiam ser adaptadas e aplicadas também em outros países.

  • Anthony Atkinson. Disuguaglianza. Che cosa si può fare? (Ed. Raffaello Cortina, 392 páginas).

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