23 Abril 2024
"Precisamos recomeçar pelas periferias." E Dom Gherardo Gambelli as vivenciou pessoalmente: na África, como missionário durante onze anos; atrás das grades da prisão onde esteve e continua a ser guia espiritual entre "aqueles que cometeram erros mas devem ter a possibilidade de resgate", faz questão de ressaltar. Um sacerdote de fronteira e nas fronteiras do mundo e do humano. Um sacerdote de traços humildes e sorriso gentil que o Papa Francisco escolheu como novo arcebispo de Florença. Um pároco florentino da Igreja florentina, como não acontecia desde o episcopado de Silvano Piovanelli, o cardeal que dirigiu a arquidiocese da capital toscana de 1983 a 2001. Justamente o pastor que ordenou Gambelli padre em 1996. Tinha 27 anos. Hoje tem 54 anos. E completará 55 anos no dia 23 de junho, um dia antes de sua ordenação episcopal e do início de seu ministério marcado para a solenidade de São João Batista, padroeiro da cidade de Florença.
"Sinto que posso dizer que a nomeação de um padre de Florença é um sinal de estima e confiança do Papa para com a nossa diocese. Uma comunidade eclesial que conheço e onde espero partilhar a riqueza da experiência missionária", conta o arcebispo eleito ao Avvenire. Com um horizonte que já indica e que parece ser a pedra angular da sua agenda futura: "É preciso responder ao que ele nos pede: a conversão missionária da Igreja. Portanto, é necessário um impulso para a marginalidade que nos ajude a redescobrir a beleza do Evangelho".
E numa das periferias da arquidiocese de Florença, Gambelli amadurece o seu chamado ao sacerdócio: Castelfiorentino. Numa família onde o serviço aos mais vulneráveis marca o cotidiano. Com o padre (ou melhor, o “pai”) que também foi presidente nacional da Confederação das Misericórdias da Itália. A proximidade como chave de leitura de uma vocação nascida do compromisso com a Ação Católica e depois da vida sacerdotal de Padre Gambelli que o levou a ser vigário paroquial e depois pároco. Até 2011, quando pediu ao cardeal Giuseppe Betori, seu arcebispo, para ser enviado como “fidei donum” ao Chade. Primeiro na arquidiocese da capital, N'Djamena, onde foi pároco, professor no seminário nacional, capelão penitenciário; depois, para Mongo, onde em 2018 foi erigido o vicariato apostólico pela Santa Sé e onde Dom Gherardo foi chamado a acompanhar a nova Igreja local que também o veria como vigário delegado. Há um ano regressou a Florença, onde é pároco de Madonna della Tosse, capelão da prisão de Sollicciano e vice-diretor espiritual do Seminário. Porque, como ressalta Betori na sua saudação, "a raiz mais profunda da sua figura sacerdotal está na Palavra de Deus escutada e estudada com amor". Padre missionário, mas também especialista em Sagrada Escritura aprofundada em Jerusalém até o doutorado em teologia bíblica.
A entrevista é de Giacomo Gambassi, publicada por Avvenire, 19-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
O que traz consigo dos seus anos na África?
As Igrejas jovens ensinam-nos a capacidade de viver a fidelidade ao Evangelho mesmo com números limitados. Penso, por exemplo, no dos padres que também aqui estamos vivendo. É preciso um envolvimento cada vez mais difundido dos leigos que devem ter papéis de responsabilidade. A experiência no Chade me diz que as comunidades têm condições de enfrentar os desafios que surgem. De fato, trata-se de voltar à Igreja das origens: aquela feita de pequenas realidades atentas ao contexto e que atuavam “ombro a ombro”.
A Igreja no sul do mundo está crescendo. Aquela da Europa está em dificuldades...
Vejamos a França. Na noite de Páscoa, doze mil adultos foram batizados. É um fato que pode surpreender-nos, mas também mostra como a pastoral deve ser reorientada. Podemos atrair as mulheres e os homens do nosso tempo se soubermos anunciar o Evangelho com coragem e com as obras, mais que com os discursos.
Florença, laboratório de paz também seguindo os passos de Giorgio La Pira.
Perante a ameaça da expansão das guerras, sentimo-nos mais do que nunca chamados a trabalhar tenazmente pela paz que se constrói de forma artesanal, prestando atenção aos gestos cotidianos de perdão e de reconciliação. La Pira foi um exemplo. Também porque foi um homem de oração, que colocava a Palavra de Deus no centro. Recordamos a sua referência à profecia de Isaías, à urgência de transformar as espadas em arados e as lanças em foices. Precisamente a escuta da Palavra nos exorta a não nos resignarmos diante das violências e das injustiças.
Na sua mensagem à diocese recordou o empenho pelo diálogo ecumênico e inter-religioso.
As religiões nunca são instrumentos de antagonismo ou de conflito: estão ao serviço do bem e da humanidade. Da minha parte, sempre haverá o desejo de caminhar juntos. E a oração nos une, a começar por aquela pela paz.
Florença é também uma encruzilhada de encontro entre Igreja e mundo político?
Há uma tradição que gostaria de continuar para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, no respeito pela dignidade de cada pessoa, especialmente das mais pobres e excluídas. Trata-se de uma colaboração que deve ser expressa na preocupação com aqueles lugares liminares que não devem ser esquecidos.
Incluindo a prisão.
As Escrituras afirmam: “Lembrem-se dos prisioneiros, como se vocês fossem seus companheiros de prisão.” Como bispo, pretendo estar próximo das necessidades das irmãs e dos irmãos detidos, bem como daquelas de tantos descartados pela nossa sociedade. Considero a pastoral carcerária uma das prioridades. Se, por um lado, os presos são chamados a cumprir a pena, por outro, a sociedade é obrigada a garantir a eles percursos de reeducação. A todos deve ser garantida a possibilidade de uma nova vida.
Como recebeu a decisão do Papa?
Com um “tsunami” de sentimentos, emoções, pensamentos. A Providência quis que o anúncio caísse na semana anterior ao Domingo do Bom Pastor. Ele é o modelo de escolha evangelizadora que nos impulsiona a ir em direção às periferias geográficas e existenciais do nosso empenho missionário.
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África, prisão, paróquia. Entrevista com Gherardo Gambelli, arcebispo de Florença - Instituto Humanitas Unisinos - IHU