17 Abril 2024
O filósofo e poeta publica um novo livro: Ecologismo: pasado y presente (Catarata, 2024), enquanto espera ser julgado por dois protestos climáticos que podem colocá-lo na prisão.
A reportagem é de Azahara Palomeque, publicada por La Marea/Climática, 15-04-2024. A tradução é do Cepat.
Jorge Riechmann é uma referência ética e intelectual para muitas pessoas, especialmente para aqueles de nós que acreditam que ainda existe uma pequena margem de manobra para apaziguar os piores efeitos de uma emergência ecológica e social corroborada por meio século de estudos científicos, majoritariamente ignorados pelos cidadãos e, sobretudo, pelas elites políticas e econômicas que constituem o pequeno círculo onde são tomadas as decisões com maior impacto. Décadas dedicadas à pesquisa do ambientalismo e da poesia endossam a carreira de um professor – da Universidad Autónoma de Madrid – e de um filósofo prolífico em livros, paradoxalmente encarregado de demonstrar uma coerência moral rara nos tempos que correm.
Riechmann enfrenta, juntamente com outros 15 ativistas, uma pena de 21 meses de prisão por participar de um protesto pacífico em 6 de abril de 2022, ocasião em que foi jogado um líquido biodegradável vermelho nas escadarias do Congresso, e como resultado está pendente um segundo julgamento de mais uma ação de desobediência civil, igualmente pacífica, em 2019. Como declarou em entrevista à Climática, não se arrepende destes acontecimentos, sendo muitas vezes surpreendido pela serenidade com que fala da sua possível entrada na prisão, convencido de que está fazendo o que é correto.
O seu último livro, Ecologismo: pasado y presente (con par de ideas sobre el futuro) (Catarata, 2024), pode ser considerado, portanto, mais um exercício dessa atividade enraizada numa razão que pode não vencer, mas que mesmo assim convence pelo que guarda de rigor intelectual e dedicação incansável. Entre as suas obras publicadas recentemente, este é talvez o volume mais didático, no bom sentido da palavra: grande parte visa historicizar um ecologismo que, longe do que se acredita, surgiu contemporaneamente à destruição de habitats provocada pela Revolução Industrial, embora nas suas formas embrionárias, explica, mal tenha ido além do ambientalismo operário – muito focado na saúde dos trabalhadores das fábricas, dos burgueses e dos aristocráticos, empenhados em proteger porções da natureza que às vezes funcionavam como reservas de caça.
Se deixarmos para trás esses estados iniciais (com a criação de parques nacionais como o estadunidense Yellowstone, o primeiro do mundo, em 1872), teremos que nos situar na Grande Aceleração produtivista e extrativista após a Segunda Guerra Mundial para traçar uma genealogia contemporânea que se resume em duas vertentes: o ambientalismo – um guarda-chuva que engloba variedades de sustentabilidade que não desafiam o sistema econômico predatório –, e o que ele define como “ecologismo consequente”, de maior alcance teórico e existencial, onde podemos encontrar o decrescimento, o ecossocialismo e o ecofeminismo.
Até aqui, o livro, esclarecedor e pedagógico, mapeia essas raízes, movido, talvez, pela intenção de contrariar uma tendência de demonização do ecologismo como uma nova radicalidade social. No entanto, aos poucos vai reunindo reflexões peremptórias sobre a oportunidade perdida no alvorecer da década de 70 do século XX, quando o relatório Os Limites do Crescimento (1972) colocou sobre a mesa a impossibilidade biofísica de continuar o crescimento populacional e industrial infinito em um planeta finito, uma mensagem crucial que foi ofuscada pelo neoliberalismo, esse dogma econômico que também moldou as subjetividades e impulsionou as nossas derrotas. Entre elas, vale destacar os múltiplos negacionismos descritos pelo pensador, para além daquele que afirma que a crise climática não existe: a tecnolatria e a sua confiança equivocada em encontrar soluções dentro do capitalismo – com uma abundante dose de greenwashing – ou, em outras palavras, a ausência de percepção sistêmica de um problema que poderia condenar a nossa espécie à extinção – e já condena muitas outras – responde a essa cegueira.
Diante disso, o que fazer?, pergunta-se o filósofo, transportando a leitora para a seção final, provavelmente a mais interessante em termos de diagnóstico e prescrição para “colapsar melhor” em um mundo que, tecnicamente, poderia tirar o pescoço do atoleiro, mas não o fará “porque a cultura dominante é niilista, as políticas atuais são suicidas, os automatismos do capitalismo são homicidas… e a racionalidade coletiva brilha pela sua ausência” (pp. 196-97). Portanto, o impossível deve ser tentado a todo custo, já que “o possível é o inferno – ecossocial e climático”.
Riechmann insiste enfaticamente em não edulcorar esse inferno, ou esse abismo (o tempo está se esgotando e as metáforas tornam-se cada vez mais literais), e aponta para uma verdade acordada pela comunidade científica em plena era das fake news e do marketing desbotado, mesmo que possa ser desconfortável. Com ela, imaginar um “horizonte desejável” é viável, diz-nos, se forem priorizadas práticas e valores não aniquiladores, como a vida em comunidade tecida de afetos, o amor às futuras gerações, a liberdade real, a criação de arte e beleza, o tempo e a conexão com o cosmos. Todos eles têm em comum o abandono do individualismo tão característico das nossas sociedades e uma aproximação ao outro que nos enriquece de maneira não material.
Apesar da dureza das colocações, ou por causa dela, este compêndio de conhecimentos consistentes e sem meias medidas deve ser apreciado tanto quanto a existência do próprio Jorge, cuja reclusão atrás das grades significaria não só seu sofrimento pessoal e daqueles de nós que gostamos dele, mas também, enfaticamente, um fracasso retumbante (mais um) da democracia, bem como uma injustiça de dimensões incalculáveis.
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Jorge Riechmann: uma ética do impossível - Instituto Humanitas Unisinos - IHU