29 Fevereiro 2024
Uma instrução publicada em 2000 pelo então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé distinguiu as orações de cura, rituais e incluídas nos livros litúrgicos, daquelas pastorais ou espontâneas. O mesmo critério agora utilizado para admitir a possibilidade de abençoar os casais em situações irregulares.
A reportagem é de Andrea Tornielli ,l publicada por L'Osservatore Romano, 27-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A declaração Fiducia supplicans, publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé no último dezembro, como se sabe e como foi bem ressaltado, não altera a tradicional doutrina sobre o casamento que prevê a bênção nupcial apenas para o homem e a mulher que se casam. O que é aprofundada pelo documento, que admite a possibilidade de bênçãos simples espontâneas também para casais irregulares ou compostos por pessoas do mesmo sexo sem que isso signifique abençoar a sua união nem aprovar a sua conduta de vida, é, ao contrário, a natureza das bênçãos. Fiducia supplicans, de fato, distingue entre aquelas litúrgicas ou rituais, e aquelas espontâneas ou pastorais. Quanto às primeiras, as bênçãos litúrgicas, existem duas formas de compreendê-las. Há um sentido amplo, que considera toda oração feita por um ministro ordenado como "litúrgica", mesmo no caso de ser ministrada sem uma forma ritual e sem se ater a um texto oficial. E há um sentido mais restrito, segundo o qual uma oração ou uma invocação sobre as pessoas é "litúrgica" só quando é realizada “ritualmente”, e mais precisamente quando se baseia em um texto aprovado pela autoridade eclesiástica.
Alguns dos críticos que questionaram a recente declaração, de fato consideram lícito apenas o sentido amplo e, portanto, não consideram aceitável a distinção entre orações ou bênçãos “rituais” e “litúrgicas” e orações ou bênçãos “pastorais” e “espontâneas”. Entre esses, por exemplo, há quem objete que também a liturgia tem uma relevância pastoral. Mas sobre isso vale ressaltar que Fiducia supplicans atribui um sentido peculiar à palavra “pastoral”: isto é, o sentido de um cuidado particularmente dirigido para o acompanhamento daqueles a quem é oferecida a bênção; à imagem do “bom pastor” que não se satisfaz até encontrar cada um daqueles que se perderam. Outros argumentam que todas as orações seriam “litúrgicas” e, portanto, todas estariam sujeitas ao que é exigido pela liturgia da Igreja. O próprio Papa Francisco respondeu a essa objeção no seu discurso aos participantes da plenária do Dicastério para a Doutrina da Fé no dia 26 de janeiro, insistindo na existência de bênçãos pastorais ou espontâneas que, “fora de qualquer contexto e forma de caráter litúrgico", explicou , "não exigem uma perfeição moral para serem recebidas." As palavras do Pontífice, portanto, confirmam a orientação de considerar o sentido mais restrito para as bênçãos litúrgicas.
Um precedente importante, no que diz respeito à distinção entre o que é litúrgico e o que não é, encontra-se numa instrução do ano 2000, publicada pela então Congregação para Doutrina da fé, assinada pelo Cardeal Joseph Ratzinger e aprovada por João Paulo II. O objeto daquela instrução são orações para obter a cura de Deus. No ponto número dois da primeira parte do documento, lembra-se que “No De benedictionibus do Rituale Romanum existe um Ordo benedictionis infirmorum que contém diversos textos eucológicos para implorar a cura". Na parte final da instrução, dedicada às disposições disciplinares, há também um artigo (2) que afirma: “As orações de cura têm a qualificação de litúrgicas, quando inseridas nos livros litúrgicos aprovados pela autoridade competente da Igreja; caso contrário, são orações não litúrgicas”.
Portanto estabelece-se que existem orações de cura litúrgicas ou rituais, e outras que não o são, mas que ainda assim são legitimamente admitidas. No artigo seguinte lembra-se que “as orações de cura litúrgicas se celebram segundo o rito prescrito e com as vestes sagradas indicadas no Ordo benedictionis infirmorum do Rituale Romanum”. A partir dessas citações do texto assinado por Ratzinger e aprovado pelo Papa Wojtyla pode-se concluir que o significado do termo "litúrgico" utilizado em Fiducia supplicans para definir as bênçãos rituais, diferentes daquelas pastorais, representa certamente um desenvolvimento, mas que se insere no quadro do magistério das últimas décadas.
Entre as bênçãos existem também outras distinções: algumas representam consagrações, ou o selo ao sacramento celebrado pelos cônjuges (no caso da bênção nupcial); outras representam orações de invocação que se elevam de baixo para Deus; outras ainda (é o caso dos exorcismos) têm como objetivo afastar o mal. Fiducia supplicans esclarece repetidamente que conceder uma bênção pastoral ou espontânea – sem qualquer elemento nupcial – a um casal “irregular” que se aproxima de um sacerdote ou de um diácono não significa e não pode representar de forma alguma uma forma de aprovação da união entre os dois. Não pode, afirma o documento, ser considerada “uma legitimação moral para uma união que suponha ser um casamento” nem “para uma prática sexual extraconjugal”. O significado é de uma invocação a Deus, para que permita que as sementes do bem cresçam na direção por Ele desejada.
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Fiducia supplicans, bênçãos não litúrgicas e aquela distinção de Ratzinger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU