24 Agosto 2023
“Os economistas devem estar bem atentos para ler, estudar e sistematizar as contribuições de outros colegas – vindos das ciências experimentais; mas não só delas. Porque apenas a sinergia entre todos permitirá que se avance no conhecimento das características desta nova era antropocênica. Isto deveria estar muito mais presente no ensino de Economia nas nossas faculdades. E deveria estar no frontispício dos programas dos políticos”. A reflexão é de Carles Manera, em artigo publicado por Economistas Frente a la Crisis, 02-08-2023. A tradução é do Cepat.
Carles Manera é professor de História e Instituições Econômicas, no Departamento de Economia Aplicada da Universidade das Ilhas Baleares, Espanha.
As condições climáticas extremas que experimentamos recentemente são apenas um leve sinal do que pode estar por vir. Mas creio que temos tempo, tempo que deveríamos usar para resfriar o planeta com vistas a torná-lo mais resistente. (James Lovelock)
A emergência climática tem manifestações cada vez mais claras e preocupantes. O Mediterrâneo em chamas seria o quadro mais próximo, geograficamente, com incêndios descontrolados que se explicam pelas altas temperaturas – totalmente inusitadas, acima dos 42 graus. Mas também estamos vendo efeitos gravíssimos nos Estados Unidos, com frequentes incêndios e inundações; e na Ásia, onde foram atingidas temperaturas de 50 graus em regiões da China.
Esta nova era foi chamada de Antropoceno, cujo início pode remontar ao início do século XVIII, quando a máquina a vapor de Thomas Newcomen – mais tarde aperfeiçoada pelo James Watt – adquiriu a capacidade de transformar o mundo físico numa escala muito ampla (sobretudo isso: James Lovelock, Novaceno. O advento da era da hiperinteligência, Edições 70, 2020).
O conceito de Antropoceno foi usado pela primeira vez na década de 1980 por Eugene Stoermer, ecologista que estudou o impacto da poluição industrial na fauna e na flora dos lagos que servem de fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos. Sua formulação foi ampliada, a partir dos anos 2000, com o trabalho de Paul Crutzen, Prêmio Nobel de Química em 1995. Sua conclusão foi que a atividade humana estava tendo efeitos negativos muito diretos e que, além disso, poderiam se espalhar para todo o planeta.
O conceito levanta questões de grande relevância, sendo a mais importante delas a seguinte: como nós humanos nos inserimos na teia da vida? Uma teia que se baseia na noção de “natureza barata”, sob o prisma de que a soma das atividades da ação humana e da natureza infere uma crise planetária. Diríamos que é uma aplicação da “lei do valor” do capitalismo, que se baseia no que priorizar nessa teia da vida. E já sabemos a escolha: a superexploração dos recursos não renováveis – fósseis e minerais (Antonio Valero; Alicia Valero, Thanatia. Los límites minerales del planeta (Icaria, Barcelona, 2021) –, sem levar em conta os princípios essenciais da física termodinâmica, que matiza notavelmente a noção mecânica de Newton (uma visão detalhada de tudo isso em: Michio Kaku, A equação de Deus, Record, 2022).
Devemos lembrar, no entanto, que alguns anos antes, em 1972, foi publicado o primeiro Relatório Meadows, que instava a repensar o crescimento econômico – defendendo o crescimento zero –, e abordava as consequências que já estavam sendo determinadas no planeta pela ação econômica do homem e, sobretudo, pela voracidade no consumo de combustíveis fósseis.
Este trabalho, coordenado pela bióloga Donella Meadows, do MIT, expôs diferentes cenários possíveis a partir da simulação computacional do programa World3. Alertou que, mesmo no cenário menos prejudicial, era imperativo trabalhar num novo rumo da economia para evitar duas consequências: o aumento da poluição atmosférica e a acumulação desenfreada de resíduos.
A tese da equipe de Meadows foi classificada como neomalthusiana ao estabelecer relações diretas entre crescimento econômico, avanço demográfico e impacto ecológico. Uma progressão geométrica na população que não correspondia à existência de recursos escassos, não renováveis e, portanto, finitos (Donatella Meadows et alter, Limites do crescimento). Um torpedo na linha d'água da ortodoxia econômica que, logo após a publicação do texto, concentrou-se em refutar a curva de Philips e, por extensão, as políticas keynesianas – uma oportunidade de ouro para os monetaristas –, e estabelecer diretrizes rígidas contra os processos de estagflação que foram tomando lugar. Nascia um novo quadro, a era neoliberal – que recuperava as liturgias falidas do padrão-ouro – emergia com força, e representava um estímulo para a economia mais desenvolvimentista no plano físico, ignorando as contribuições recolhidas pela equipe de cientistas liderada por Meadows.
Com isso queremos dizer que já existia, antes mesmo da patente do conceito Antropoceno, uma clara noção de que os fenômenos naturais passíveis de serem detectados e estudados por físicos, biólogos, naturalistas e climatologistas estavam se descontrolando ou aumentando em seus indicadores básicos – a temperatura, o número de incêndios ou de tempestades agressivas e desproporcionadas, entre outros – por um agente causal: a atividade econômica humana. A profissão dos economistas chegou relativamente tarde a tudo isso, em contraste com as contribuições dos cientistas experimentais.
A termodinâmica não operava na cabeça dos economistas, inseridos em uma ontologia em que os recursos pareciam infinitos e as consequências do crescimento econômico desapareciam na natureza. Por isso, sabemos que essa tese do crescimento zero foi mal recebida e criticada pela economia acadêmica, que viu nela a pretensão de buscar um crescimento de caráter estacionário, semelhante ao descrito pelos economistas clássicos e, principalmente, ao relatado por Thomas Malthus. Essa “ciência lúgubre”, uma descrição precisa do filósofo Thomas Carlyle para definir a economia como disciplina.
No entanto, a teoria do crescimento zero foi mais difundida do que seus detratores esperavam; mas sempre foi considerada uma excentricidade. O Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), uma organização vinculada às Nações Unidas, com um importante elenco de cientistas de todas as disciplinas, ao delimitar ainda mais as previsões de Meadows, forneceu diferentes baterias de dados e argumentos. Mas o cerne da história era o mesmo: o homem, como o principal gerador das externalidades ambientais tangíveis causadas pelo consumo excessivo de combustíveis fósseis. Em suma, devido aos modelos expansionistas de crescimento, ao nível da utilização de recursos não renováveis e da emissão de gases poluentes e resíduos.
A ideia do Antropoceno esteve, portanto, presente, embora sua formulação explícita tenha sido feita na década de 1980. Em todos os exemplos apresentados, um fio condutor os articula: a noção de aceleração, vinculada à velocidade e à expansão, aspectos que afetam tanto a combustão do carvão numa máquina a vapor, o extraordinário desenvolvimento da eletrônica ou o crescimento populacional desde a Primeira Revolução Industrial, para citar apenas alguns exemplos dos muitos que podem ser invocados.
Dois indicadores são preocupantes e esclarecedores, segundo o físico Lawrence Krauss (El cambio climático, Pasado & Presente, Barcelona, 2022). Primeiro: a abundância de carbono na atmosfera antes da industrialização era de 600 bilhões de toneladas, às quais se somaram mais 500 bilhões de toneladas, até hoje, já na era do Antropoceno. Se o ritmo de emissões persistir até 2100, um total de 2,2 trilhões de toneladas adicionais serão adicionadas à atmosfera.
Em segundo lugar, isso infere um aumento do nível do mar de cerca de 25 cm a longo prazo, o que inclui o derretimento das camadas de gelo. Se as emissões de CO2 continuarem no ritmo atual, o aumento que podemos esperar é, segundo Krauss, de aproximadamente um metro.
Susan Solomon, química atmosférica do MIT, autoridade mundial nas consequências das alterações climáticas, trabalhou com dados climáticos que remontam a 1800, com projeções para o ano 3000. A conclusão mais importante é que o rápido aumento da temperatura que ocorreu com a infindável emissão de CO2 nos últimos cinquenta anos para quando as emissões pararem. Mas, por outro lado, a temperatura não diminuirá nos próximos mil anos, apesar das concentrações de CO2 diminuírem.
Dois fatores devem ser destacados. O primeiro é que os oceanos demoram para se misturar e equilibrar o calor extra que vem se acumulando no planeta devido ao efeito estufa. Assim, os oceanos continuarão a aquecer mesmo depois que o calor adicional parar, ao passo que os continentes armazenam menos calor e esfriam mais rapidamente.
O segundo elemento a sublinhar, para Solomon, é a urgência de continuar a trabalhar para arrefecer o planeta: as suas conclusões, longe de serem um argumento dissuasor para lutar contra as mudanças climáticas, são um incentivo para combatê-las, baseadas na confiança da contribuição da tecnologia e, ao mesmo tempo, do comportamento dos consumidores e produtores (Susan Solomon, “Risks to the stratospheric ozone Shield in the Anthropocene”, Ambio, 50, 1, 2021).
Existe uma bibliografia avassaladora sobre o tema das mudanças climáticas e do Antropoceno (ver o recente livro de Dipesh Chakrabarty, El clima de la Historia en una época planetaria, Alianza Editorial, Madrid, 2022, com extenso conteúdo bibliográfico). Ou seja: não se pode argumentar ignorância alguma diante dos avanços científicos sobre o assunto. Porque os trabalhos disponíveis não têm apenas um raio de ação estritamente científico ou acadêmico: já existem múltiplos produtos editoriais que comunicam as encruzilhadas que se abrem com as alterações climáticas, cujas consequências já não são simples afirmações teóricas, mas têm traduções claramente práticas, visuais , explícitas: a explosão de incêndios descontrolados, de chuvas torrenciais e o aumento das temperaturas representam claros expoentes de um grave problema, provocado pela atividade econômica humana, fenômenos que não devem ser ignorados, muito menos rejeitados pelos políticos.
Na verdade, o Antropoceno, que obedece a uma visão mais “física” do problema ambiental, permitiu outras visões derivadas e conceitos, como o Capitaloceno, formulado pela primeira vez em 2009 pelo ecologista Andreas Malm (Andreas Malm, Capital fósil, Capitán Swing, Madrid, 2020), que se expandiu a partir dos trabalhos do historiador e geógrafo Jason Moore (entre outros: Jason Moore, El capitalismo en la trama de la vida, Traficantes de Sueños, Madrid, 2021). Aqui, ampliam-se as coordenadas, embora isso tenha gerado profundos debates.
Em suma: compreender o capitalismo como uma forma de organização da natureza, uma digamos “ecologia-mundo”, que estrutura a acumulação de capital, a busca de poder e a produção da natureza em sucessivas evoluções históricas. Infere mudanças biosféricas entendidas como transformações antropogênicas. Uma nova era ecozóica: termo cunhado pelo historiador Thomas Berry em 1992, caracterizado pela noção consciente do problema ecológico por parte da humanidade, que se opõe à era tecnozóica ou à fase de exploração máxima dos recursos do planeta. Do desinteresse à preocupação. À inquietação.
O conceito e a ideia de Antropoceno permanecerão conosco, porque tem potencial científico para expor de forma holística as grandes transformações que ocorreram desde a idealização, em 1712, da mítica máquina de Newcomen. E, de fato, as capacidades explicativas residem numa metodologia transversal da ciência, nos seus diferentes vetores: ciências sociais, ciências experimentais, perspectivas históricas, um nó de onde emanam nós condutores para diferentes disciplinas, como a física, a química, a economia, a biologia, etc.
Os economistas devem estar bem atentos para ler, estudar e sistematizar as contribuições de outros colegas – vindos das ciências experimentais; mas não só delas. Porque apenas a sinergia entre todos permitirá que se avance no conhecimento das características desta nova era antropocênica. Isto deveria estar muito mais presente no ensino de Economia nas nossas faculdades. E deveria estar no frontispício dos programas dos políticos.
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Antropoceno econômico. Artigo de Carles Manera - Instituto Humanitas Unisinos - IHU