20 Julho 2023
"Ao tomar posse, Lula revogou uma longa série de decretos de seu antecessor e os substituiu por novos decretos para restaurar a eficácia dos controles ambientais, assegurar a representação dos povos tradicionais e estabelecer uma nova institucionalidade", escrevem Rodrigo Machado Vilani, Lucas Ferrante e Philip M. Fearnside, em artigo publicado por Amazônia Real, 18-07-2023.
Rodrigo Machado Vilani possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2000) e em Direito pela Faculdade Vianna Júnior (2003). Possui mestrado em Direito (2006) e doutorado em Meio Ambiente (2010) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Realizou pós-doutorado no Programa de Biodiversidade e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (2014). É professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), onde ingressou em 2014. Suas áreas de interesse são: Direito Ambiental; Política Ambiental; Áreas protegidas; Conflitos Ambientais; Ecoturismo.
Lucas Ferrante é doutor em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e atualmente é pós-doutorando na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 700 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
Os primeiros dois artigos podem ser acessados aqui e aqui.
O presidente Lula estabeleceu uma nova institucionalidade amazônica representada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Ministério dos Povos Indígenas e Fundação Nacional do Índio (FUNAI), sob o comando de três lideranças femininas – Marina Silva, Sônia Guajajara e Joenia Wapichana – que há muito se engajam em lutas para contestar a apropriação do território amazônico. Isso atende a uma necessidade antiga de incluir as demandas, vozes, histórias e práticas de manejo da terra dos povos tradicionais no processo de tomada de decisão [1, 2].
Ao tomar posse, Lula revogou uma longa série de decretos de seu antecessor e os substituiu por novos decretos para restaurar a eficácia dos controles ambientais, assegurar a representação dos povos tradicionais e estabelecer uma nova institucionalidade.
O presidente Lula durante a assinatura dos primeiros decretos no dia 01 de janeiro. (Foto: Ricardo Stuckert | Presidência da República)
A dimensão simbólica da nova institucionalidade foi representada pelo Gabinete de Transição de Administração [3] ao definir cinco eixos prioritários para a revisão das normas: (i) Controle do desmatamento: revogar integralmente os Decretos 10.142/2019, 10.239/2019 e 10.845/2021 que contribuíram para o desmatamento ilegal na Amazônia; (ii) Impunidade: revogar o Decreto 9.760/2019 e, parcialmente, o Decreto 10.086/2022, que dificultava o processo administrativo de cumprimento das normas ambientais e, na prática, encerrava a cobrança de multas por infrações; (iii) Garimpo ilegal: revogar o Decreto 10.966/2022 que criou a condição legal denominada “garimpo artesanal” que legitimava o garimpo ilegal na Amazônia [4, 5]; (iv) Fundo Amazônia: revogar os Decretos 10.223/2020 e 10.144/2019 que resultaram na paralisação do Fundo Amazônia; (v) Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA): revisar o Decreto 11.018/2022 a fim de reestruturar o CONAMA para cumprir suas funções constitucionais.
Em 1º de janeiro de 2023, data da posse do Presidente Lula, o Decreto 11.369/2023 revogou o Decreto 10.966/2022. Os Decretos 10.142, de 28 de novembro de 2019, que instituiu a Comissão Executiva de Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa, e 10.239, de 11 de fevereiro de 2020, dispõe sobre o Conselho Nacional da Amazônia Legal, foram revogados pelo Decreto 11.367/2023. Assim, as ações de combate ao desmatamento serão retomadas por meio da criação da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e do restabelecimento do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Outro conjunto de decretos foi assinado pelo presidente Lula em 1º de janeiro de 2023, que ajudará a promover a proteção da Amazônia, fortalecendo as instituições democráticas e garantindo a inclusão de membros dos diversos grupos culturais da Amazônia. Destacamos a revogação da Instrução Normativa Conjunta FUNAI/IBAMA nº 12, de 31 de outubro de 2022, que visava legitimar a exploração ilegal de madeira em terras indígenas.
O Decreto 11.373/2023 alterou os dispositivos sobre infrações e sanções administrativas ambientais para garantir a publicação dos autos de infração e fortalecer o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). O investimento público, por meio do FNMA, foi revisto pelo Decreto 11.372/2023, que restaurou a participação social na agenda pública, incluindo a inclusão de um representante dos povos indígenas e de um representante dos povos e comunidades tradicionais no Conselho Deliberativo do FNMA. O Decreto 11.368/2023 restabeleceu a governança do Fundo Amazônia, que foi desmantelado durante o governo Bolsonaro. Com o objetivo de restabelecer a participação de diversos setores nos colegiados federais, o Decreto 11.371/2023 revogou o Decreto 9.759, de 11 de abril de 2019, que visava reduzir e fundir os colegiados da área ambiental e aumentar a participação popular nesses órgãos. Como forma de combater a violência, o Decreto 11.366/2023 suspende o registro para aquisição e transferência de armas e munições de uso restrito a caçadores, colecionadores, atiradores esportivos e particulares, entre outras providências, até que novas regras sejam definidas por um grupo de trabalho. Os Decretos 11.355/2023, 11.349/2023 e 11.338/2023 estabeleceram, respectivamente, a estrutura do Ministério dos Povos Indígenas, do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Os novos ministérios e outras mudanças destacam prerrogativas constitucionais como o reconhecimento, garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas, a demarcação dos territórios indígenas, a preservação, conservação e uso sustentável dos ecossistemas, da biodiversidade e das florestas, a proteção e restauração dos recursos naturais vegetação, acesso à terra por comunidades tradicionais, reforma agrária e regularização fundiária. “Regularização” é um eufemismo usado no discurso político brasileiro para se referir à legalização de reivindicações ilegais de terras do governo; é enganoso ao insinuar que os reclamantes têm direito à terra e sugere que as reivindicações em questão são de populações tradicionais de ribeirinhos (moradores ribeirinhos) ou outros que viveram sem documentação por muitas gerações, enquanto quase todas as terras estão legalizadas foi recentemente invadido (ou mesmo reivindicado on-line sem ser visto). Observe que tanto os investimentos na regularização fundiária quanto na restauração podem ter efeitos indiretos prejudiciais ao meio ambiente [6]. O decreto de criação do Ministério dos Povos Indígenas tornou o novo ministério responsável pelos acordos internacionais relativos aos povos indígenas e mencionou explicitamente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho ([7]: Anexo I, Capítulo 1, Art. 1º, § vi). Se o requisito da Convenção 169 de consulta prévia aos povos indígenas for cumprido, haverá uma grande melhoria tanto para os direitos humanos quanto para o meio ambiente na Amazônia (por exemplo, [8, 9]). [10]
[1] Acselrad H (2004) As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: Conflitos Ambientais no Brasil, ed H Acselrad, pp. 13-35. Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará.
[2] Zhouri A, Oliveira R (2010) Quando o lugar resiste ao espaço. Colonialidade, modernidade e processos de territorialização. In: Desenvolvimento e Conflitos Ambientais, ed. A Zhouri, K Laschefski, pp. 439-462. Belo Horizonte, MG: Universidade Federal de Minas Gerais.
[3] GTG (Gabinete de Transição Governamental) (2022) Relatório Final. Disponível aqui.
[4] Fearnside PM (2022) Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial. Amazônia Real, série completa.
[5] Vilani RM, Ferrante L, Fearnside PM (2022) Amazônia ameaçada pela agenda de mineração do presidente Bolsonaro. Amazônia Real, 06 de dezembro de 2022.
[6] Fearnside PM (2023a) Lula e a questão fundiária na Amazônia. Amazônia Real 17 de janeiro de 2023.
[7] Brasil PR (Presidência da República) (2023) Decreto 11.355 de 01 de janeiro de 2023.
[8] Ferrante L, Gomes M, Fearnside PM (2020). BR-319 ameaça povos indígenas. Série Amazônia Real.
[9] Ferrante L, Fearnside PM (2021) Governo viola direitos indígenas. Amazônia Real, Série completa.
[10] Esta série é uma tradução de Vilani RM, Ferrante L, Fearnside PM. (2023) The first acts of Brazil’s new president: Lula’s new Amazon institutionality. Environmental Conservation.
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Os primeiros atos do novo presidente do Brasil: 3 – As políticas promissoras de Lula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU