03 Mai 2023
Um comunicado da Secretaria Geral do Sínodo anunciou que também leigos e, em particular, mulheres e jovens poderão ser membros votantes na próxima Assembleia do Sínodo dos Bispos em outubro.
Caberá (talvez) à posteridade dar a difícil sentença. Mas já hoje podemos nos atrever a dizer que sim, as mudanças anunciadas em 26 de abril passado pelos cardeais Mario Grech, secretário-geral do Secretariado do Sínodo, e Jean-Claude Hollerich, arcebispo de Luxemburgo e relator general da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, constituem realmente uma pequena revolução: efetiva, porque introduzem uma componente não episcopal que terá direito a voto, e simbólica, pois dentro dessa nova componente haverá um número significativo de mulheres.
O comentário é de Maria Elisabetta Gandolfi, jornalista vaticanista, publicado por Il Regno, 30-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
De fato, dentro de um organismo, que no entanto é também um evento (a Assembleia de outubro) que se transformou num processo (a partir da escuta das duas assembleias de 2023 e 2024) e que é denominado “Sínodo dos bispos" (evidentemente nascido como um genitivo predominantemente possessivo), foi inserido como uma "memória" - diz o comunicado da Secretaria do Sínodo - o elemento que teria faltado na Assembleia de outubro para dar completude a todo o "povo de Deus”, cuja voz foi escutada na primeira fase.
Tudo sem que isso configure uma “representação” no sentido político do termo.
Vejamos em detalhes: os dois cardeais - lê-se no comunicado de imprensa - “informaram a imprensa sobre a decisão do santo padre de estender a participação na Assembleia sinodal a ‘não bispos’ (presbíteros, diáconos, consagrados e consagradas, leigos e leigas)”. Na perspectiva de uma "Igreja inteiramente sinodal" deve-se "entender a decisão do Santo Padre de manter a especificidade episcopal da Assembleia convocada em Roma, mas ao mesmo tempo não limitar sua composição apenas aos bispos, admitindo um certo número de não bispos como membros com pleno direito".
A decisão, prossegue o comunicado, “reforça a solidez do processo como um todo, incorporando na Assembleia a memória viva da fase preparatória, através da presença de alguns dos que foram protagonistas, restituindo assim a imagem de uma Igreja-povo de Deus, fundada na relação constitutiva entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial, e dando visibilidade à relação de circularidade entre a função de profecia do povo de Deus e aquela de discernimento dos pastores".
É, portanto, “no registro da memória”, conclui o comunicado, “que se inscreve a presença dos não bispos, e não naquele da representação. Dessa forma, a especificidade episcopal da Assembleia sinodal não resulta afetada, mas até confirmada. Isso é mostrado principalmente pela proporção numérica entre bispos e não bispos, sendo estes últimos menos de 25% do total de membros da Assembleia. Mas, sobretudo, o evidenciam as modalidades de designação dos não bispos: eles não são eleitos por algum demos o coetus, cuja representação assumiriam, mas são nomeados pelo Santo Padre sob proposta dos organismos através dos quais se realiza a colegialidade episcopal em nível das áreas continentais, enraizando a sua presença no exercício do discernimento dos pastores”.
Na realidade, existem 4 modificações (tudo isso pode ser encontrado num arquivo de perguntas-respostas acessível a partir da página do comunicado).
1) "Mesmo as (arqui)dioceses que não fazem parte de uma conferência episcopal poderão eleger um bispo".
2) “Não estão mais presentes os 10 clérigos pertencentes a institutos de vida consagrada, eleitos pelas respectivas organizações que representam os superiores gerais. São substituídos por 5 religiosos e 5 religiosas pertencentes a institutos de vida consagrada, eleitos pelas respectivas organizações que representam as superioras gerais e os superiores gerais. Como membros, eles têm direito a voto”.
3) “Não existem mais os ouvintes, mas acrescentam-se outros 70 membros não bispos que representam igual número de fiéis do povo de Deus (sacerdotes, consagradas/os, diáconos, fiéis leigos) e que vêm das Igrejas locais. São escolhidos pelo papa a partir de uma lista de 140 pessoas indicadas (e não eleitas) pelos 5 encontros internacionais das conferências episcopais (CELAM, CCEE, SECAM, FABC, FCBCO), pela Assembleia dos Patriarcas das Igrejas Orientais Católicas e, conjuntamente, pela Conferência Episcopal Católica dos Estados Unidos e pela Conferência dos Bispos Católicos do Canadá (20 para cada uma dessas realidades eclesiais).
Foi seguida a repartição territorial adotada para a celebração das assembleias sinodais continentais da Etapa continental. Pede-se que 50% deles sejam mulheres e que a presença de jovens também seja valorizada. Na sua indicação, deve se levar em conta não só sua cultura geral e sua prudência, mas também seu conhecimento, teórico e prático, além da sua participação em várias funções no processo sinodal. Como membros, eles têm direito a voto. Além disso, além dos 70 membros não bispos mencionados acima, é oportuno recordar que, também entre os membros de nomeação pontifícia, poderá haver membros não bispos”.
4) “Os representantes dos dicastérios que participarão são aqueles indicados pelo Santo Padre”, que – podemos ter certeza – reduzirá significativamente sua presença.
Algumas considerações também à luz do interessante congresso internacional realizado de 27 a 29 de abril na Pontifícia Universidade Gregoriana sobre "A teologia na prova da sinodalidade", ao qual retornaremos com mais detalhes em outro comentário.
Em última análise, permanece confirmado o dispositivo segundo o qual os sínodos dos bispos, os conselhos de hierarcas das Igrejas Orientais Católicas e as conferências episcopais são os únicos organismos que têm o poder para eleger (por voto secreto) delegados (bispos) à Assembleia de acordo com o previsto pelo cân. 346 do Código de Direito Canônico. A novidade é que os organismos dos religiosos são comparados aos anteriores em seu potestas eletiva e que os eleitos não são apenas clérigos, mas religiosos e religiosas em partes iguais. De fato, as únicas mulheres "eleitas" serão religiosas.
Todos os outros (jovens, mulheres, leigos ou outros ainda) serão designados pelos bispos e depois ratificados pelo próprio papa, a quem cabe uma ampla possibilidade de escolha.
Trata-se, portanto, de um procedimento da atual práxis democrática para os membros-bispos e religiosos e um procedimento mais semelhante à cooptação (indicação-designação com base em alguns critérios orientadores) que culmina na ratificação pelo vértice.
Partindo do raciocínio sobre esses mecanismos procedurais, lembro o que observou agudamente - entre outras coisas - Christoph Theobald no congresso da Gregoriana: é preciso reconhecer que “a razão política e a razão sinodal se cruzam” e que esse cruzamento não pode ser descartado pela mais óbvia das afirmações que diz que "a Igreja não é uma democracia".
Um dos maiores temores que se percebe nesse percurso sinodal é que a associação dos leigos nos processos de tomada de decisão possa "afetar" a potestas episcopal, porque, apesar das palavras que dizem o contrário, muitas vezes os bispos parecem não ser "povo".
O fato de o comunicado usar exatamente esse adjetivo é uma evidente excusatio non petita aos garantidos ataques do partido antissinodal, que tem alguns expoentes ruidosos entre os bispos.
Mais seriamente, durante um debate na Gregoriana, Michael Seewald se perguntava se não teria chegado o momento de aprofundar, repensar, converter o significado da colegialidade episcopal em sua relação com a sinodalidade.
Por outro lado, ficou bastante claro que o Caminho sinodal alemão, ao optar por associar os leigos tanto no momento da decision making quanto da decision taking (com as correções das necessárias percentuais diferenciadas de votos a favor, ou seja, onde os bispos tinham uma preeminência) seja para alguns preferível à solução escolhida, por exemplo, pelo Concílio Plenário Australiano, que associou os leigos no primeiro momento, mas quanto ao segundo, o reservou apenas aos bispos.
Prova disso, no congresso, foi a dura intervenção nesse sentido do subsecretário do Dicastério para os textos legislativos, D. Markus Graulich.
A decisão de introduzir essas mudanças sem aparentemente modificar nenhum cânone do Código de direito canônico leva imediatamente à pergunta do seu papel na vida da Igreja (pode-se ler o livro de Fantappiè sobre o tema). Ou à afirmação de alguns segundo a qual seria um obstáculo no caminho da “reforma” sinodal da Igreja.
Como bem observou Myriam Wijlens, não há cânone que possa tornar a sinodalidade "obrigatória" para quem não a quer viver e, por outro lado, é verdade que, independentemente do Código, a história da Igreja registrou práxis e instituições que surgiram porque se percebia sua necessidade, mas recebidas por ele muito tempo depois, como no caso das conferências episcopais.
Em outras palavras, se não houver o habitus sinodal não haverá codificação canônica que resolverá. E, inversamente, onde há uma forte vontade de vivê-la - sobretudo se vier do "supremo legislador" – um modus para realizá-la certamente será encontrado.
Portanto, sim, essa pode ser considerada uma pequena grande revolução e a prova será o seu concreto funcionamento na assembleia.
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Sínodo e voto para as mulheres: foi uma verdadeira revolução? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU