14 Abril 2023
Quando o Papa Francisco se reuniu em março com membros de uma comissão recém-formada, encarregada de organizar os próximos encontros do Sínodo em Roma, ele pareceu um pouco surpreso ao ver mulheres quando entrou na sala.
A reportagem é de Christopher White, publicada por National Catholic Reporter, 12-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A irmã mercedária Shizue “Filo” Hirota disse que Francisco exclamou: “Donne!” – italiano para “mulheres!” – ao ver a ela e a outra autoridade feminina da Secretaria do Sínodo do Vaticano.
“Ele estava feliz, mas parecia que não estava esperando nos ver”, disse Hirota ao Global Sisters Report em uma entrevista em 4 de abril.
Hirota, que é natural de Tóquio, é a única mulher e o único membro não ordenado da comissão composta por sete pessoas, anunciada em 15 de março. Mas, apesar de estar em minoria, ela não se intimida.
“O papa disse que não será apenas um Sínodo dos Bispos, mas será um Sínodo do Povo de Deus”, disse Hirota. “Mas, como estrutura, a Igreja é hierárquica, episcopal. Não posso representar todos os gritos dos excluídos, mas talvez esteja lá como um lembrete.”
Há quase dois anos, a Igreja Católica se envolveu em um processo de consulta em três fases com os católicos de todo o mundo, que culminará em importantes dois encontros em outubro de 2023 e em outubro de 2024, em Roma.
Na primeira fase, as dioceses de todo o mundo realizaram sessões de escuta com católicos e não católicos sobre uma série de temas delicados, culminando em um documento de 45 páginas, que é uma expressão abrangente e sincera da relação da Igreja Católica com o mundo moderno.
O documento formou a base para os encontros em todos os continentes antes das próximas reuniões em Roma, as quais Hirota agora tem a tarefa de ajudar a organizar.
Hirota, no entanto, não é alheia à gestão e à mobilização de grandes grupos de católicos de diversas origens e opiniões.
Como ex-coordenadora executiva das Missionárias Mercedárias de Berriz, membro do conselho da União Internacional dos Superiores Gerais (UISG) e membro do comitê executivo da Pax Christi International, ela também atuou nas Filipinas, no México e na Nicarágua, o que lhe proporcionou um lugar de destaque para acompanhar o modo como a Igreja opera tanto nas periferias quanto em seu centro.
A sinodalidade, disse ela, é um “chamado radicalmente inclusivo para não deixar ninguém para trás”.
Especificamente como membro do comitê executivo da Catholic Nonviolence Initiative, Hirota disse acreditar que o Sínodo “é um caminho rumo à não violência evangélica”.
“O mundo sofre com a violência em todos os níveis da vida humana e ambiental”, disse ela. “O Sínodo é participativo, colegial, fundamentado e energizado pelo espírito criativo de Deus, afirmando o impulso não violento da escuta, do diálogo e do trabalho com as diferenças.”
“A partir dessa perspectiva, o Sínodo pode ser entendido como uma prática global e não violenta para promover uma Igreja e um mundo cada vez mais não violentos”, acrescentou.
Hirota disse que ficou “muito impressionada” com o documento de síntese “Alarga o espaço da tua tenda”, que resumiu os temas das sessões globais de escuta, incluindo uma maior ênfase na não violência e na pacificação.
O documento levantou preocupações frequentemente consideradas como tabus na vida da Igreja – como as relações LGBTQ e a ordenação de mulheres –, e Hirota se lembra de ter pensado: “Uau, é um texto realmente honesto”.
Mais especificamente, ela pensou: “É realmente o Espírito Santo agindo”.
Nos próximos meses, o grupo ajudará a supervisionar a redação do documento de trabalho do Sínodo, conhecido como Instrumentum laboris, que ajudará a orientar as discussões em outubro. A comissão também estará envolvida com outras questões de planejamento, como o retiro que ocorrerá antes do Sínodo, e até assuntos práticos, como definir o modo como os mais de 300 participantes se sentarão durante o Sínodo (havia a esperança de que eles pudessem se sentar ao redor de mesas redondas, em vez das poltronas tradicionais em estilo de estádio na sala do Sínodo no Vaticano).
Hirota disse esperar que, tanto no processo de planejamento quanto durante as reuniões do Sínodo de outubro, todos os envolvidos adotem aquilo que a UISG identificou em sua plenária trienal de maio de 2022: a importância da vulnerabilidade no processo sinodal.
Ela também disse acreditar que a Igreja deve se sentir mais confortável com as “perguntas abertas” e que ser “capaz de viver com perguntas sem resposta e com problemas sem solução e mesmo assim sentir paz” é uma parte essencial da sinodalidade, do caminhar juntos com toda a Igreja.
Em entrevista ao jornal argentino La Nación no mês passado, Francisco prometeu que todos os participantes do sínodo – tanto homens quanto mulheres – terão direito a voto, algo inédito na história.
Hirota relembrou o Sínodo dos Bispos sobre a Família em 2015, no qual, pela primeira vez, um irmão religioso – um participante não ordenado – recebeu o direito a voto. A nomeação da irmã xaveriana Nathalie Becquart como subsecretária da Secretaria do Sínodo também gerou manchetes, já que ela seria a primeira mulher a receber o direito a voto.
Embora Hirota seja grata por esses desdobramentos, ela também se diverte com o fato de que, em 2022, essas coisas ainda conseguiam gerar manchetes.
“Estamos caminhando para sermos normais”, disse ela sobre a Igreja Católica.
Hirota disse que não é incomum ouvir alguém elogiar um padre ou um bispo dizendo que eles são “normais” ou “humanos”.
“Jesus Cristo era humano! Por que é um raro elogio alguém ser normal e humano na Igreja Católica? Temos que voltar a isso, recuperar a nossa humanidade”, disse ela.
Hirota disse estar ciente de que o processo sinodal tem seus opositores, fato que ela disse estar muitas vezes enraizado em uma crítica mais ampla a Francisco. Mesmo assim, ela disse que cabe aos organizadores do Sínodo ouvir as preocupações ou os temores dos detratores.
“A única maneira de abordar isso é de estarmos perto dessas pessoas”, disse ela.
Ela disse que sua prioridade nos próximos seis meses como uma das organizadoras do Sínodo é garantir que o Sínodo seja, acima de tudo, um “espaço de oração, contemplativo, reflexivo e dialógico”.
E, assim que os membros do Sínodo chegarem a Roma, disse ela, também será importante que eles se lembrem de que não estão lá simplesmente para representar a si mesmos.
“Os bispos que estarão lá têm uma grande responsabilidade de estarem cientes do fato de que não estão lá apenas como bispos, mas representando milhões de pessoas”, disse Hirota. “Eles têm que manter essa atitude de escuta, de respeito, lembrando-se disso o tempo todo.”
“Trata-se de repensar a estrutura, a espiritualidade e a nossa forma de ser Igreja”, continuou ela. “Trata-se de nos perguntarmos como a Igreja de Jesus deveria ser hoje”.
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“A sinodalidade é radicalmente inclusiva”. Entrevista com Shizue “Filo” Hirota - Instituto Humanitas Unisinos - IHU