14 Março 2023
"O Caminho Sinodal da Igreja alemã terminou e, talvez, a afirmação mais importante que dele emerge seja aquela do desejo explícito de levar adiante a prática sinodal como elemento de reconfiguração da vivência e do exercício pastoral desta Igreja local", escreve Marcello Neri, teólogo e padre italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 12-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Caminho Sinodal da Igreja Católica Alemã concluiu-se no sábado em Frankfurt com a última assembleia plenária. E talvez seja justamente nessa rodada final que se pôde apreciar melhor o espírito e a disposição da assembleia ao discernimento: nenhum texto de orientação e/ou prático foi rejeitado.
Para alguns, decidiu-se entregar as temáticas e as questões abertas a uma dupla linha de aprofundamento: uma confiada ao Grupo de Trabalho Sinodal constituído no sábado; e a outra ao iminente processo do Sínodo Universal sobre a sinodalidade da Igreja Católica.
Algumas modificações introduzidas pela Conferência Episcopal depois de expirados os limites estabelecidos pelo ordenamento no texto prático sobre "deliberação e decisão comum" entre bispos e leigos, ou seja, aquele que previa a instituição de conselhos sinodais permanentes nas paróquias, dioceses e em nível nacional contra o qual foram dirigidas as críticas mais explícitas da Cúria Romana, geraram algum descontentamento por parte dos membros do Caminho Sinodal.
No final, porém, o exercício do discernimento, e do realismo político eclesial, aconselhou a adiá-lo, na última versão apresentada na Assembleia, ao estudo e aprofundamento do Grupo de Trabalho Sinodal, que se empenhará nos próximos três anos para levar adiante as reformas estruturais e pastorais decididas na assembleia.
Isso também permitirá levar em conta o que surgiu na última discussão sobre esse tema decisivo do exercício do poder na Igreja Católica alemã - intimamente ligada à matriz que deu origem a todo o Caminho Sinodal dos abusos sexual, espirituais e de consciência, como bem como daqueles ligados às formas de poder atualmente vigentes.
Que nesse âmbito, mantendo-se dentro do atual ordenamento do Código de Direito Canônico, exista uma margem de manobra significativa, é demonstrado pela hipótese formulada pelo card. Coccopalmerio a partir de uma entrevista concedida a ao SettimanaNews.
Trata-se de uma proposta canônica sobre o exercício do ministério petrino que não se afasta muito daquela vinculação voluntária e autônoma em seu poder de decisão ao que foi elaborado na esfera sinodal que estruturou a própria participação dos bispos no Caminho Sinodal Alemão. Em ambos os casos, uma autolimitação pontual do poder episcopal permite que uma assembleia sinodal assuma um perfil não só consultivo, mas também deliberativo em sentido pleno.
Essa é a base que permitiu ao Caminho Sinodal ser o que foi, e alcançar resultados certamente significativos – nem que seja pela experiência prática de anos de exercício compartilhado do pensamento, da dialética tensional de diferentes visões da Igreja Católica, de sensibilidade pastoral aos desafios que se colocam diante de toda a Igreja.
É claro que, no final, pode surgir algum incômodo por um compromisso que parece ter sido reduzido – como alguns reclamaram na Assembleia. Mas essa sensação é cultivada por aqueles que pensam em mudar as estruturas da Igreja a partir de ideias, esquecendo que, no curso milenar da história dessa instituição, sempre foram as práticas que aportaram as maiores mudanças (Trento sem o Catecismo nunca teria sido o que se tornou).
Apesar do incômodo de alguns, seja por ter se esticado longe demais ou por não ter chegado onde poderia ter chegado, a Igreja Católica alemã não poderá ser mais o que era antes do início do Caminho Sinodal. A orientação para levar a cabo essa reconfiguração está espalhada, de forma harmoniosa e clara, tanto nos textos deliberados em conjunto como naqueles entregues ao trabalho comum do Grupo de Trabalho Sinodal.
O pedido sinodal alemão ao papa para verificar a possibilidade de mudança nas condições de acesso ao ministério ordenado na Igreja Católica, foi acompanhado por uma abertura de Francisco na entrevista concedida ao portal argentino Infobae: “Não existe nenhuma contradição no fato de um padre poder casar. O celibato na Igreja é uma prescrição temporal” – é precisamente por se tratar de uma regra disciplinar que nada impede que seja revista – continuou o pontífice.
O ponto midiático de maior atrito aparente com o Vaticano foi aquele da resolução da assembleia do Caminho Sinodal para a bênção dos casais que vivem um vínculo de amor mútuo fora do vínculo sacramental do matrimônio. Muitos meios de comunicação jogaram sobre esse ponto para afirmar uma ruptura da Igreja alemã com o Vaticano, sem a qual suas expectativas de uma "notícia" impactante teria permanecido vã. Isso com base no documento da então Congregação para a Doutrina da Fé, no qual se afirmava que “a Igreja não tem o poder de abençoar relações que impliquem uma relação sexual fora do casamento”.
No entanto, é um texto que o próprio Papa teve dificuldade para aceitar e que parece ter sido colocado nas gavetas da Cúria – como atesta o fato de as orientações pastorais dos bispos flamengos da Bélgica datadas de setembro de 2022, que preveem um momento litúrgico de oração de bênção sobre/com os casais homossexuais, não tenha recebido nenhuma objeção de Roma.
Esse é o quadro no qual se situa hoje a aprovação do texto sobre a Celebração litúrgica da bênção para casais homossexuais e divorciados recasados – que passou, no que diz respeito aos bispos, com 80% dos votos positivos (percentual tornado possível porque o ordenamento sinodal prevê que as abstenções não sejam contadas). Um grupo misto formado por representantes da Conferência Episcopal e do Comitê Central dos Católicos Alemães trabalhará na preparação de uma orientação litúrgica para essa celebração.
O texto sobre o Anúncio do Evangelho pelos leigos com a palavra e o sacramento foi desmembrado: decidiu-se em favor de uma pregação leiga (mulheres e homens qualificados) durante as assembleias litúrgicas por mandato da Conferência Episcopal; enquanto a questão da participação dos leigos na práxis sacramental (batismo, assistência eclesial na celebração do matrimônio, verificação da possibilidade de reconsiderar a antiga prática da confissão a leigos no âmbito do acompanhamento espiritual e aquela de uma coparticipação na bênção e da unção dos enfermos) são confiados a um processo de consulta que deve incluir as ordens religiosas e as associações católicas do país - a serem iniciadas o quanto antes, para chegar rapidamente a uma decisão pastoral.
Dois textos sobre a questão dos abusos, um em relação às mulheres (em primeira leitura) e outro sobre procedimentos mais rígidos contra padres culpados de abuso sexual, foram aprovados por unanimidade.
Por fim, foi aprovado um texto, com ampla maioria também entre os bispos, que pede ao papa que se empenhe para chegar ao ministério diaconal das mulheres na Igreja Católica - mantendo ao mesmo tempo aberta a reflexão argumentada no que diz respeito aos outros ministérios dentro dela.
Nesse sentido, após a falta de resultados dos trabalhos de uma primeira comissão, Francisco nomeou uma segunda para levar adiante a verificação histórica e eclesiológica da possibilidade de mulheres serem ordenadas como diaconisas. Também nesse caso, a decisão do Caminho Sinodal seguiu por uma linha em harmonia com o magistério do Papa atual.
O Caminho Sinodal da Igreja alemã terminou e, talvez, a afirmação mais importante que dele emerge seja aquela do desejo explícito de levar adiante a prática sinodal como elemento de reconfiguração da vivência e do exercício pastoral desta Igreja local.
Trata-se de uma vontade compartilhada pela maioria dos bispos e leigos alemães, seja qual for o nome da forma que a estruturará na concretude da vivência eclesial. Como frisou o presidente da Conferência Episcopal, D. Bätzing: “sobre isso, todos nós estamos aprendendo” – abriu-se assim um processo de Igreja que não poderá mais ser reconduzido à sua forma anterior, precisamente porque passou pelo crivo da prática compartilhada do acreditar juntos.
E ainda há muito a aprender a esse respeito - e poderia ser feito também olhando para algumas das mais importantes experiências civis, políticas e jurídicas do século XX.
Porque a entrada na dinâmica sinodal desejada pelo Papa Francisco coloca a Igreja Católica hoje em uma situação muito próxima daquela que teve de enfrentar o novo constitucionalismo do século XX – com seus processos constituintes inclusivos, concretos e sociais. Também dessa prática constituinte da cultura jurídica europeia poderíamos aprender muito como Igreja.
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Alemanha: do Caminho Sinodal à sinodalidade. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU