06 Julho 2022
"O desafio que permanece aberto diante de nós é o de ousar a liberdade dos filhos e das filhas de Deus. A fé cristã nos doa uma liberdade infinita em Cristo que nos empenha numa responsabilidade sem limites a serviço do nosso próximo", escreve Maria Bonafede, pastora valdense, em artigo publicado por Riforma, 08-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um duro golpe. Não tenho palavras para dizer o quanto fiquei profundamente impressionada com a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos que, ao subtrair a lei da interrupção voluntária da gravidez da esfera federal (que vale para todos os estados), a entrega à vontade legislativa de cada estado. Nos Estados Unidos não será mais legal abortar como era desde 1973 até 24 de junho de 2022. No país, certamente cheio de contradições, mas que também é o país das liberdades e dos direitos, da separação do Estado de toda confissão religiosa sancionada pela primeira emenda da Constituição, ganhou uma posição proibicionista que reabre cenários com consequências nefastas e nega, hoje, a autodeterminação das mulheres. Não consigo deixar de pensar na Itália dos anos 1970 e na determinação com que se chegou à lei 194. Ela sancionou o direito à interrupção voluntária da gravidez que, além de acabar com os abortos clandestinos, reduziu drasticamente seu número.
Tenho a lembrança de reflexões intensas, sérias e importantes sobre a questão do aborto e sobre a necessidade daquela lei, inclusive em nossas igrejas. Os fiéis e as fiéis das igrejas evangélicas participaram ativamente da reflexão sobre a interrupção da gravidez, sobre o fato de que ser a favor da vida não podia significar ser contra uma lei que garantia às mulheres a serenidade para poder pensar e decidir sobre sua própria vida. Durante anos, antes da lei e dos referendos, lemos e ouvimos testemunhos sobre abortos clandestinos, sobre mulheres que recorreram às aborteiras e sobre aquelas que podiam voar para Londres para fazer um aborto. Reflexões sobre a necessidade da autodeterminação das mulheres naquela escolha tão pessoal, tão difícil, tão facilmente julgada. Em nossas igrejas aprofundamos e discutimos, nos grupos das mulheres da Federação da Juventude (Fgei), nas reuniões de bairro, junto às comunidades católicas de base, nos jornais das igrejas, Gioventù Evangelica, a Luce, Com - Nuovi Tempi. A reflexão tinha dois polos.
A laicidade do estado. A necessidade de viver em um Estado que soubesse escutar os pontos de vista da sociedade civil, receber suas instâncias, mas também legislar de forma autônoma, o que na Itália dos anos 1970 parecia uma utopia. Mas não era e não foi: a Lei 194 era "super prudente", cheia de defeitos e marcada pela brecha da objeção de consciência do pessoal sanitário não por um período de transição, mas sem limites no tempo, que incorporava e ainda incorpora um pesado instrumento para anular sua eficácia. No entanto, a lei foi aprovada, e houve mais liberdade para as mulheres, houve a tutela de sua dignidade, foram garantidas confidencialidade e assistência pública. Naquela época, os centros de aconselhamento familiar aumentaram e os abortos diminuíram drasticamente. E isso sim foi e continua sendo a favor da vida!
O que aconteceu hoje nos EUA e antes na Polônia, nos empenha a uma vigilância sobre a Lei 194 italiana.
O segundo polo foi na época, e permanece o mesmo hoje, a relação entre fé e ética. Uma reflexão intensa e sofrida sobre a vida e a morte, sobre a diversidade de condições de vida e liberdade de escolha, sobre a necessidade, em cada momento crucial da vida de cada um, de escolher, depois de ter avaliado cuidadosamente, por todos os ângulos, e fazê-lo “sem rede”, mas também sem coerções. A decisão deve ser tomada por você e somente por você em todos os campos da vida: seja para responder a uma vocação, para empreender um caminho ou outro, para reconhecer o que naquele momento lhe parece a escolha menos errada ou a mais sensata, sabendo que nossa humanidade é chamada a viver na liberdade e na responsabilidade e fazê-lo sem a garantia de não pecar quando decidirmos. Nenhuma ideologia impositiva, mesmo que envolta em cristianismo, é fruto da liberdade.
O fio vermelho da liberdade e da responsabilidade é o traço que desafia as consciências como verdadeira alternativa toda vez que se fala de vida e de morte, que se trate da interrupção da gravidez ou das escolhas de fim de vida. O desafio que permanece aberto diante de nós é o de ousar a liberdade dos filhos e das filhas de Deus. A fé cristã nos doa uma liberdade infinita em Cristo que nos empenha numa responsabilidade sem limites a serviço do nosso próximo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Aborto: em questão a relação entre a fé e a ética - Instituto Humanitas Unisinos - IHU