05 Julho 2022
"Receio que não seja verão para ir às geleiras, é um verão para encher os toneis de água", escreve Paolo Cognetti, escritor italiano, em artigo publicado por Giornale, 04-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
É uma tragédia, a da Marmolada, totalmente inédita na memória humana nos Alpes, e enquanto estou escrevendo, sua extensão exata não é conhecida. No entanto, já sabemos que é a primeira tragédia do montanhismo indubitavelmente atribuível à crise climática, que foi provocada pelo homem. Esse aumento das temperaturas, de que há muito falamos como um problema em perspectiva, que nos afetava relativamente, fez agora as suas primeiras mortes, aqui em Itália, numa montanha muito popular: aqui está, o drama já não é mais em 2100 ou quem sabe quando, é aqui e agora.
Turistas esquiando na Marmolada, conhecida também como "Regina delle Dolomiti", um maciço dos Alpes. (Foto: PxHere)
Me pedem um comentário e é difícil para mim acrescentar algo sensato, mas talvez eu possa contar algumas coisas para quem ainda não percebeu o que está acontecendo no verão italiano de 2022. As notícias são muitas, tem a guerra, a Covid, a crise econômica, e é possível que alguém tenha perdido as atualizações sobre o clima.
Portanto, direi brevemente e sem rodeios: é um verão, aquele que está apenas começando, que nunca havia sido visto no norte da Itália, e não sabemos nada do que acontecerá. Eu o observo da montanha onde moro, a quase 2000 metros de altura. Talvez eu a observe melhor do que aqueles que ficam na cidade porque as montanhas são a fronteira da mudança climática: dois ou três graus a mais em Milão ou Roma pouco mudam a vida das pessoas, nas montanhas reviram a paisagem. Se uma fonte que sempre jorrou água seca nas montanhas, você a vê com seus próprios olhos e fica apavorado. Na cidade você não percebe, continua vivendo como sempre até o dia em que, talvez, você irá abrir a torneira e não sairá nada: e então estourarão as guerras pela água.
Dei esse exemplo porque moro em um lugar chamado Fontane, nome devido à água que jorra por toda parte aqui na minha casa. Aliás, jorrava. No verão de 2022, deveríamos mudar o nome para Fontane Perdute. Os riachos estão secos e os fenos, que aqui sempre foram cortados em meados de julho, já estavam maduros um mês atrás e nestes dias o epilobium está florescendo entre os muros das trilhas, que geralmente anuncia a chegada de agosto. Se uma flor de agosto floresce no início de julho, o que acontecerá em um mês? Não temos ideia. Nem a ciência nem a sabedoria dos mais velhos podem dizer. A água que bebo em casa, e que vem de uma fonte a 2350 metros, fonte que sempre jorrou água no verão e no inverno, ainda existirá em agosto?
Ninguém sabe responder. Se respondesse, estaria dizendo algo que não sabe.
A mesma situação ocorre nas geleiras. Tenho amigos queridos que administram um refúgio no Monte Rosa, a 3500 metros de altitude. Há poucos anos que veem chover lá em cima no verão: durante toda a vida só tinham visto nevar (e se parece uma pequena mudança, tenho que explicar que a água derrete o gelo muito antes do sol: coloquem um cubinho de gelo num copo de água e outro num prato, e façam o teste). Neste momento, as geleiras do Rosa têm a aparência que tinham nos últimos anos em agosto: a cobertura de neve, ou seja, a neve que caiu no inverno, acabou de derreter no início de junho, um mês e meio antes no cronograma. Sob a cobertura de neve há fendas, os seracs, o gelo vivo. O que acontece quando o gelo vivo é submetido a um verão como este e, em vez de duas ou três semanas de sol e calor, leva dois ou três meses? A resposta é simples, é como para a minha fonte: não sabemos.
Há refúgios nos Alpes que estão se tornando inatingíveis um século depois de sua construção, porque o fundo em que foram construídos, aparentemente rocha ou solo pedregoso, é na verdade permafrost, ou seja, gelo subterrâneo. O gelo derrete, o que parecia uma rocha acaba por ser friável e o refúgio sofre danos estruturais, o que significa que poderia desmoronar algum dia.
A mesma coisa acontece com os seracs. São blocos de gelo em suspensão que podem estar lá há um século, tenho em mente, por exemplo, o enorme serac do Monte Disgrazia, e todos sabem que não vai desmoronar, porque sempre esteve lá. Os guias se acostumaram a passar por baixo, as vias de escalada passam por aquele serac que nunca se moveu até onde alguém se recorda. Mas, novamente, é como para a minha fonte: estão acontecendo coisas que ninguém se lembra. A memória não é mais confiável neste momento. Temos tudo a aprender e só resta a prudência.
Receio que não seja verão para ir às geleiras, é um verão para encher os toneis de água.
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